Política em Três Tempos - Por Paulo Queiroz
1 – CERTO SEMINÁRIO
De uns tempos para cá, o noticiário que se ocupa da cobertura da realização dos vestibulares de Porto Velho começou a dar conta de um dado novo e inteiramente inesperado: no mais disputado deles, o da Universidade Federal de Rondônia (Unir), as vagas que tradicionalmente resultavam requeridas, em sua esmagadora maioria, pelos estudantes das escolas privadas (daqui e de outros Estrados) começaram a ser ocupadas – em quantidades cada vez mais significativas – por alunos provenientes do ensino público rondoniense. Melhor dizendo, de certo estabelecimento público de aprendizagem da Capital – a Escola Estadual João Bento da Costa.
Por novidade completamente fora do alcance da previsibilidade geral entenda-se a contradição a que todos já estavam acostumados, que vem a ser aquela segundo a qual, o processo do vestibular favorece decisivamente os estudantes das escolas privadas do ensino médio no acesso ao ensino superior público – gratuito e de melhor qualidade, mormente nos estabelecimentos federais. A razão disso é de todos conhecida: abandonado pelos governos, o ensino médio público – que um dia, lá bem atrás no tempo, já foi um exemplo de excelência – tornou-se algo lastimável. Assim, sair de uma escola pública para prestar o vestibular em uma universidade federal tornou-se quase uma condenação.
Anda circulando por aí um cartaz anunciando o “I Seminário: Em Busca da Aprovação: Vestibulares e Concursos”. Logo abaixo se pode ler: “Assuntos abordados: motivação e técnicas de estudos”. Não fora o tal anúncio impresso em papel ofício comum, as letras aí apostas no sentido transversal e com um acabamento gráfico que mais parece artesanal, dir-se-ia tratar-se de uma iniciativa empresarial destinada a explorar as esperanças de quem anseia entrar numa universidade ou ser aprovado numa seleção de empregos - que até poderia ser um empreendimento honesto, mas, desgraçadamente, na quase totalidade das vezes, vem a ser uma arapuca apenas para tomar dinheiro dos incautos.
2 – OS SEMEADORES
Não bastasse o design indigente do que seria uma peça promocional, outras informações subjacentes vão levar leitor a se perguntar sobre a real natureza e as verdadeiras intenções do tal prospecto. No que diz respeito aos palestrantes lá anunciados, por exemplo, afora a qualificação de dois deles sugerir alguma formação especializada (diz-se que um é “Orientador Educacional” e o outro – no caso, outra – bacharela em Letras), os demais são todos estudantes universitários. Tanto despojamento reunido não enquadra o que ali se anuncia em nenhuma das hipóteses levantadas, ou seja, é pobre além da conta para se apresentar como transação empresarial e sincero demais para ser tomado como logro.
Mas é aí que reside a essência e o segredo do que nesse cartaz está sendo proclamado. Deliberada e afortunadamente o evento se apresenta como se diz lá no começo. A palavra seminário tem a mesma etimologia de semente - do latim “seminare” (semear, espalhar sementes) -, indicando que algo com tal designação deve ter a finalidade de plantar alguma coisa, de favorecer a sua germinação e de buscar a sua reprodução. Não por acaso a Igreja, ciosa do seu papel de guardiã absoluta da verdade e do conhecimento em outros tempos, deu esse nome aos estabelecimentos de recrutamento e formação dos seus sacerdotes. E certamente é por isso que, hoje, um seminário constitui, em geral, não uma ocasião de mera informação, mas uma fonte de pesquisas e de procura de novas soluções para os problemas.
Esse aí do cartaz de que se fala tem o semeador e algumas das sementes que ele plantou e que, agora árvores crescidas, vão dar-se em frutos para o favorecimento de novas sementes. Os palestrantes do tal seminário são, pela ordem de apresentação, Gabriele Veiga (acadêmica de Medicina da Unir), Cristiano Danúbio (acadêmico de Medicina da Unir), Cristiane Melo (acadêmica de Direito da Unir), Francisco Lima (orientador educacional) e Andréia Nobre (Bacharela em Letras pela Universidade de São Paulo – USP).
3 – AS MOTIVAÇÕES
O que o cartaz não explicita é que em seu anúncio está a síntese do segredo que permite a uma escola pública de periferia obter elevados índices de aprovação no vestibular mais disputado do lugar. Ou ao menos boa parte desse mistério, porquanto não é razoável desconsiderar o esforço e a dedicação do conjunto de professores da Escola João Bento – que ali implantou e mantém há algum tempo o “Projeto Terceirão” (espécie de emulação dos cursinhos) – e tampouco o empenho dos seus estudantes. Mas tanta diligência dificilmente existiria ou teria sustentação não fora o semeador anunciado, que vem a ser o tal orientador educacional Francisco Lima – o “Chiquinho”.
Em rápidas pinceladas – se não é fácil dizer como ele opera, imagine o leitor fazer o que ele faz -, seu trabalho consiste em semear atitudes que fortaleçam a auto-estima dos estudantes. O propósito é fazer com que os alunos acreditem e invistam mais em seu potencial - pessoal, emocional e espiritual - através do progresso constante de suas capacidades como a inteligência e o colaboracionismo, aí envolvido um processo de autocrítica e avaliação construtiva. É disso que se vai falar no seminário. Os que vão estar no púlpito são, majoritariamente, universitários egressos da Escola João Bento. Dirão como a motivação lhes permitiu escapar do destino precário reservado aos que são obrigados a freqüentar escolas públicas neste país.
Necessário apenas não tomar como regra o ardil aí embutido, lembrando que ao abrir exceções para os menos favorecidos, oferecendo-lhes oportunidades eventuais, o sistema está apenas recrutando os mais capazes para se fortalecer e se perpetuar na injustiça de reservar ao grosso dos estudantes de escolas como a João Bento destinos muito mais miseráveis do que se imagina. Há que mirar um devir igualitário. De resto, o seminário aí está previsto para o dia 23, das 8h às 12h, no auditório da Faculdade São Lucas. E pelo telefone 9223-4258 obter-se-á informações que se julgar necessárias.