1 – BEBIDAS NAS ESTRADAS
Parece que apenas aos néscios responsáveis pela Medida Provisória (MP) nº 415 – a que proibiu a venda de bebidas alcoólicas às margens das rodovias federais - não terá acorrido que, num país de desemprego crônico e crianças desamparadas, mais cedo do que se imagina nenhum motorista poderá parar o veículo num posto para abastecê-lo sem ser assediado por um magote de ambulantes, isopor a tiracolo, oferecendo uma variedade de bebidas de que o freguês nem desconfia. Idem nos restaurantes de beira de estrada. Elementar! Se a demanda permanece inalterada – quiçá em processo de crescimento -, criatividade é que não vai faltar à iniciativa tapuia para prover o mercado com outros tipos de fornecedores. E o que é pior, na prática, inimputáveis. Sem falar que toda proibição tende a aguçar o desejo pelo objeto interditado.
Numa iniciativa para lá de oportuna, em boa hora o senador Valdir Raupp (PMDB) cuidou de tentar acudir a verdadeira legião de comerciantes – ou pelo menos uma considerável fatia dela – estupidamente atingida MP em vigor desde o primeiro dia do mês. A estupidez da nova norma começa pelo dispositivo utilizado pelo governo para fazê-la viger, nada menos do que um resíduo do entulho autoritário chamado Decreto Lei, inapropriadamente transmutado nas polêmicas MPs que, de resto, há muito de provisórias não guardam nem resquícios.
Bem verdade que, sob uma Constituição de inspiração marcadamente parlamentarista (os constituintes de 1988 tinham tanta certeza na aprovação do modelo no plebiscito da legislatura seguinte que deixaram a Carta já com as feições do regime de gabinete), não é fácil o exercício do presidencialismo sem mecanismos que façam valer de pronto a decisão do poder dirigente, especialmente nas emergências. Este reconhecimento, porém, tem sido tomado como álibi para o autoritarismo mais deslavado por todos os presidentes da República após a democratização do país, num acintoso processo de banalização das MPs.
Tanto que, no caso, não será temeridade afirmar que, na hipótese de que a nova lei, antes de ser empurrada goela abaixo da cidadania, tivesse obedecido aos trâmites habituais da concepção operada nas entranhas do procedimento constitucional, ou seja, debatida com a sociedade e seus representantes no Congresso, com toda certeza não teria provocado os transtornos que têm sido observados nestes primeiros dias de fevereiro. Ainda mais se considerarmos que a norma começou a valer sem que os governantes tivessem apresentado aos governados a menor evidência da eficácia do procedimento, ou seja, provas ou mesmo indícios de que os acidentes rodoviários de toda ordem guardam uma proporção direta com a venda de bebidas alcoólicas nas margens das estradas.
2 – PROIBIÇÃO INÓCUA
Repare o leitor que não se falou da relação ingestão de bebidas alcoólicas por condutores de veículos e os acidentes nas estradas. Claro que um motorista com a percepção alterada pelo álcool terá elevada probabilidade de se tornar o responsável pelo desastre envolvendo o veículo que conduz. O que dificilmente alguém será capaz de demonstrar é que a proibição de vender bebidas nas margens das estradas vai impedir, de forma significativa, que os condutores de veículos que por elas trafegam as bebam. Com toda certeza, não no que diz respeito àqueles que já fizeram da bebida, se não necessariamente um vício (para estes, nem colocando mais veneno na bebida), ao menos um hábito algo orgânico e social.
Nesse caso, na hora em que o indivíduo sentir algum desconforto, no momento em que o corpo, a mente ou as duas parte reclamarem, nos perímetros urbanos não vão ser os 50 metros regulamentares que os separam da próxima birosca que os vão impedir de matar a sede. E aí, em caso de longos e ermos trajetos à frente, se abastecerem para garantir a saciedade durante o percurso. Noves fora a infestação dos pontos de paradas por ambulantes de toda ordem. Ou seja, qualquer pessoa que faça uso de bebidas nesse patamar - ou que um dia já fez - sabe que a proibição é quase que absolutamente inócua – se é que a integralidade permite aproximações.
Segundo o senador Valdir Raupp, será encaminhada uma emenda estabelecendo que fiquem excluídos dos efeitos da tal MP os estabelecimentos situados às margens das rodovias federais nos perímetros urbanos. Na justificativa, o parlamentar explica que a atividade comercial instalada às margens das rodovias federais encontra-se particularmente ameaçada. Conforme Raupp, esses trechos costumam concentrar restaurantes, bares e outros tipos de estabelecimentos destinados ao entretenimento e à diversão noturna, cuja relação preponderante ocorre com a população residente na área urbana adjacente, pouco ou nada tendo a ver com o atendimento a condutores de veículo em trânsito pelas rodovias federais.
3 – FLEXIBILIZAÇÃO
Menos mal. Em nota distribuída à imprensa ele esclarece que a sua proposta visa preservar a viabilidade desse tipo de atividade e evitar conseqüências desastrosas – como o fechamento de estabelecimentos e o desemprego de inúmeros profissionais envolvidos na atividade. Além dessa proposta, o senador informou que encaminhou ofício ao ministro Tarso Genro, da Justiça, externando a sua preocupação para com esse estrupício que vem atormentando comerciantes de todo o país, particularmente os rondonienses, grande parte deles estabelecida nos maiores municípios do Estado, justamente os que são cortados pela BR-364.
Possivelmente não por acaso, na mesma sexta-feira (08) em que o senador Raupp reunia aqui representantes do setor econômico para anunciar e debater sua proposta, os jornais informavam que o ministro Tarso Genro admitira, na véspera, mudanças na MP que vetou a venda de bebidas alcoólicas nas rodovias federais. Depois de dizer que não gostaria de adiantar quais seriam as alterações, sinalizou que os estabelecimentos nas margens das estradas federais poderiam vender bebidas que não sejam para consumo imediato, por exemplo. Segundo disse, pode ocorrer algum tipo de flexão na regulamentação que mantenha a proibição de venda para o consumo. “Mas nós não podemos impedir as pessoas de comprarem bebidas para levarem para a praia, para as montanhas, no seu carro", disse.
Desde que foi editada, a MP já foi alvo de 100 pedidos de liminar. A Justiça deu 39 decisões favoráveis aos comerciantes, das quais 13 foram cassadas após recurso do governo federal. As que não foram derrubadas são válidas apenas para os estabelecimentos autores do processo. No STF tramitam ainda três mandados de segurança contra a MP. A Associação Brasileira de Bebidas (Abrabe), representante de produtores que detêm 70% do mercado de marcas nacionais e mundiais, disse que a entidade "apóia a medida provisória, mas avalia como positiva a flexibilização indicada pelo Ministério da Jus