Uma nova e desnecessária polêmica se criou recentemente no Brasil: a adoção de um livro de Português para o Ensino Fundamental das escolas públicas e que admite algo perfeitamente normal foi execrado publicamente com se fosse o mensageiro das coisas mais absurdas possíveis. O livro “Por uma vida melhor” da coleção Viver, Aprender foi o estopim de toda a celeuma. Muitas pessoas sem o menor conhecimento do assunto passaram a dar opiniões sem nenhum fundamento. Médicos, jornalistas, profissionais das mais variadas áreas, políticos e até professores de outras disciplinas se esmeraram em alfinetar o MEC, Ministério da Educação e Cultura, e o Governo do PT de um modo geral. Claro que todo Governo tem seus erros e suas falhas, mas neste caso se quiserem escolher um “bode expiatório” certamente ele estará bem longe do Palácio do Planalto ou mesmo do Ministério da Educação, não que o PT ou qualquer outro Governo não cometa erros, mas desta vez o assunto é para entendedores.
Pra começo de conversa não é o MEC que adota livros para as escolas. A escolha é feita pelos professores após consulta numa relação de mais de 20 obras de variados autores de cada disciplina. Numa sugestão das editoras e do próprio MEC, os professores escolhem o material que será adotado para os próximos três ou quatro anos letivos. Algumas escolas de Rondônia, por exemplo, optaram por esse livro. O senso comum, no entanto, já se encarregou de dizer que “o livro ensina errado e deve ser recolhido ou queimado” ou “Isto é coisa do PT e do Governo da Dilma”. Pura balela de quem fala sobre o que não conhece. O livro não ensina errado. Aliás, livro nenhum faz isso. Se houver qualquer erro contido nele, aí sim, deve ser revisto ou substituído, jamais queimado. A obra apenas admite de forma clara e óbvia que a Língua Portuguesa falada tem muitas variantes e que não é politicamente correto se dizer que o falante está certo ou errado ao usá-las. A pessoa usa, dependendo da situação, a forma adequada ou a inadequada da fala. A sociolingüística tem muito a nos ensinar sobre este assunto.
Muitos políticos, principalmente os da oposição, se insurgiram contra o livro, mas se esqueceram de que tripudiaram do povo ao indicar o deputado-palhaço Tiririca, que é semi-analfabeto, para integrar a Comissão de Educação e Cultura da Câmara dos Deputados. Se o palhaço não aceitasse o cargo, seria substituído pelo boxeador Acelino Popó ou pelo futebolista Romário. O Brasil é o país dos analfabetos políticos, funcionais e analfabetos de leitura mesmo. A Educação vai mal principalmente por que há muitos professores de Português que não dominam a variante escrita da nossa Língua e não conseguem escrever um simples texto. Conheço professores de Matemática que tropeçam na simples tabuada e sei que muitos professores de História ainda têm religião. Num cenário patético como este é mais do que normal que as autoridades do assunto não sejam consultadas e que as opiniões mais absurdas possíveis ganhem terreno para explicar o inexplicável. Por isso se prefere um Viriato Moura a um Sírio Possenti. A Câmara indica um Tiririca e não um bom lingüista, um entendedor.
As críticas mais ferozes ao livro vieram da rede Globo e da revista Veja. Interessante é que ambas estão ligadas a editoras que têm interesses econômicos claros no recolhimento do material escolhido democraticamente. Os incautos e ignorantes no assunto “engoliram mosca” como sempre fazem e não perceberam a “jogada”. Eu, quando publico meus textos bobos, morro de rir da ignorância e da estupidez dos meus poucos leitores. Muitos deles são uns cegos, tapados mesmo. Quase nunca entendem a ironia ou a mensagem implícita no que digo e quando postam comentários, o desastre é pior ainda. São raros os comentaristas dos sites eletrônicos de Porto Velho, por exemplo, que se expressam em Língua escrita culta, a única variante aceita para se escrever o Português. O professor e lingüista Carlos Faraco diz que o tom geral é de escândalo. “A polêmica, no entanto, não tem qualquer fundamento. Quem a iniciou e quem a está sustentando pelo lado do escândalo, leu o que não está escrito, está atirando a esmo, atingindo alvos errados e revelando sua espantosa ignorância sobre a história e a realidade social e lingüística do Brasil”, ensina o ex-reitor da UFPR.
Por isso deve-se ter muito cuidado ao se trabalhar com a “última flor do Lácio”. A Língua Portuguesa na sua variante escrita não devia ser objeto de uso de qualquer amador. No Brasil, devido ao alto índice de burrice da nossa população e levando-se em consideração as diferenças fonéticas e regionais existentes, não conseguimos impor uma unidade à fala. O livro em questão apenas informa que existem estas diferenças e que os falantes não podem sofrer preconceito lingüístico ao se expressarem. “Leite quente dói o dente da gente” é uma expressão que admite várias maneiras de se falar, de se pronunciar e todas estão corretas. A grande maioria dos meus alunos, por exemplo, tem dificuldades para escrever um texto pequeno, mas todos conseguem se comunicar normalmente. Ao desprezarem a boa leitura, a boa música, os bons livros, muitos brasileiros “letrados” mergulham na inércia da ignorância e dão opiniões absurdas quando defendem o índex publicamente. Errada está, por exemplo, a medicina praticada em Porto Velho quando produz um João Paulo Segundo. Erradas estão a maioria das nossas escolas públicas, os viadutos inacabados, a sujeira nas ruas, a roubalheira na política, o Palocci, a inércia e a incompetência do Estado, a violência social, a Expovel, o flor do Maracujá. Parafraseando a escritora Lia Luft: “Deixem em paz a nossa língua”.
*É Professor em Porto Velho (profnazareno@hotmail.com)