MP regulariza posses anteriores a 2004, mas Moreira Mendes propõe 2003 como prazo
1 – TERRAS A GRANEL
Poucas vezes uma iniciativa do governo federal deu tanto o que falar, movimentou tanto o Congresso e provocou tantas divergências como essa Medida Provisória que pretende acelerar o processo de regularização fundiária na Amazônia – a MP 458. Pudera! Como diria aquele otimista algo aparvalhado que se tem por presidente, nunca, antes, na história desse país tanta terra vai trocar de mãos em tão pouco tempo.A regularização de terras da União ocupadas por posseiros na Amazônia Legal, que hoje leva cerca de cinco anos, poderá ser feita entre 60 e 120 dias.
Pelos cálculos do governo, devem ser regularizadas 296 mil posses, o que significa agregar ao mercado cerca de 236 milhões 800 mil hectares, para não falar de outros milhões de hectares em que se constituem as 450 cidades nascidas em cima de terras da União e que, com a MP, passam a ser donas dos terrenos. É terra pra dedéu.
Não admira, pois, que os congressistas tenha se ouriçado tanto e se apressado de igual modo para tentar meter sua colher nesse angu. Por aqui, até onde se tem notícia, três deputados se destacaram no interesse em modificar a MP e um, Eduardo Valverde, chegou a conseguir a indicação do PT para relatar a matéria. O campeão de emendas foi o deputado Moreira Mendes (PPS), que totalizou 18 sugestões, entre as quais a de que a medida alcance as posses anteriroes a 2003 (pela MP é 2004).
Uma das emendas mais comentadas de Moreira Mendes, porém, é a que diz respeito a áreas urbanas consolidadas. Pela MP, para serem assim caracterizadas, basta que sejam regiões que apresentem sistema viário implantado e densidade ocupacional característica. De acordo com o encaminhamento do parlamentar rondoniense, no entanto, tambémé necessário que tenha malha viária com canalização de águas pluviais, rede de abastecimento de água, rede de água e esgoto, distribuição de energia elétrica e iluminação pública, recolhimento e tratamento de lixo e população superior a cinco mil habitantes por quilômetro quadrado.
2 – BRIGA DE FOICE
Para o deputado Anselmo de Jesus (PT), que apresentou 10 emendas, na ocupação de área contínua de até dois módulos fiscais, a alienação e a concessão de direito real de uso devem ser gratuitas. Pelo texto original, é gratuita a concessão de áreas com até um módulo fiscal (100 hectares). Pela MP, terão acesso ao título permanente ocupantes de áreas públicas rurais de até 15 módulos fiscais, com limite total de 1.500 hectares, que pratiquem culturas efetivas. A ocupação, direta e pacífica, deve ser anterior a dezembro de 2004 (como foi informado anteriormente, Moreira Mendes quer esticar o prazo para dezembro de 2003).
Já o deputado Ernandes Amorim (PTB) compareceu com quatro emendas. No conjunto, ele defende a gratuidade e isenção de taxas dos serviços necessários para obtenção da posse, como memorial descritivo da área a ser feito pelo Incra, e os serviços topográficos fundamentais para alienação e concessão de direito de uso da terra. E aproveitando a carona, o parlamentar também propôs a inclusão de um subsídio verde, segundo ele, como forma de assegurar a preservação dos índices legais na região - 20% para exploração e 80% de reserva legal.
Em que pese a tempestividade, resultaram debaldes os esforços da senadora Fátima Cleide (PT) no sentido de pressionar o presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP), quanto a nomeação de um petista (Eduardo Valverde no topo de um lista de três deputados) para relatar a matéria (de longe, a disputa mais acirrada de que se teve notícia na Casa em tempos recentes). Nesta sexta-feira (27), Temer pôs fim ao sarrabulho nomeando para o cargo o deputado Asdrúbal Bentes (PMDB-PA).
Para o PT, mormente para os ambientalistas do partido (e fora dele) a escolha não poderia ter sido pior. Asdrúbal Bentes, que faz parte do grupo político do deputado Jader Barbalho (PMDB-PA), é ruralista de carteirinha, não bastasse ter relatado outra MP que pelo apelido que ganhou – “MP da Grilagem” – já seria suficiente para dar uma idéia do desconforto.
3 – RESIGNAÇÃO FABULOSA
“Era o que temíamos. Mas espero que Asdrúbal se mantenha fiel ao que ele foi quando era superintendente do Incra e venha se despir da figura de ser o baluarte ruralista. Espero que ele não seja uma lástima na relatoria dessa MP”, disse Valverde à reportagem do site “Congresso em Foco”. E completou evocando as fábulas: “Às vezes é melhor uma raposa na porta do galinheiro, do que uma galinha que tem menos força. Espero que Asdrúbal seja uma raposa domesticada”, completou. Deixando ao freguês interpretar se a referência foi a Esopo (para autocomiseração), a La Fontaine (para alfinetar o concorrente) ou as duas juntas.
Festejada no “Fórum de Governadores da Amazônia Legal”, mês passado em Boa Vista (RR), a MP está sendo criticada por uma pá de ambientalistas e representantes de pequenos trabalhadores rurais. O Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), por exemplo, opõe-se à doação de terras, à indefinição de valores, ao parcelamento e extensão de prazos de pagamento na compra das áreas, previstos na MP. De acordo com o pessoal do Imazon, o público beneficiado não é o da reforma agrária, mas pessoas que já ocuparam extensas áreas durante anos e não vêm pagando por isso. “Já exploraram a terra, já usaram madeira. São pessoas que têm renda e poderiam pagar”, afirma a secretária executiva do Imazon, Brenda Brito.
O que tem de acreano reclamando também não está no gibi. Eis que a MP é para lá de clara ao circunscrever o benefício aos ocupantes que “pratiquem culturas efetivas”. No Acre, porém, mormente depois que o PT tomou conta do Estado, os posseiros são estimulados a viver do extrativismo, o que os impedirá de requerer a regularização. A MP 458 deverá ser apreciada pelo Congresso Nacional até o dia 11 de abril, mas esse prazo pode ser prorrogado até 10 de junho. A Câmara dos Deputados, por onde começou a tramitação, deverá votar a medida e as emendas propostas até o dia 11 próximo, porquanto o processo dispensa a apreciação em comissão mista. A ver.