1 – MORATÓRIA CASSOL
Na hipótese de a Secretaria do Tesouro Nacional (STN) confirmar o propósito de ignorar a Resolução do Senado Federal que suspende o pagamento da dívida do Beron, como antecipou esta coluna, a reação do governador Ivo Cassol (afastado do PPS) não deverá ficar circunscrita aos trâmites habituais da normalidade judiciária - ou seja, o dirigente não se contentará a recorrer aos tribunais e ficar lambendo as feridas enquanto o eventual processo tenderia a se arrastar até o fim do segundo mandato. Em vez disso – ou de apenas isso -, decidiu cavar trincheiras, ensarilhar armas e, certo de que a melhor defesa é o ataque, vai partir para armar o maior barraco com a administração federal, desde que isso signifique que o governo local – e não o da União – é que esteja no comando das iniciativas.
Como se recorda, a disposição do governo federal é a de não abrir mão de um centavo das parcelas rondonienses do Fundo de Participação dos Estados (FPE), pois a decisão é a de ignorar solenemente o decreto do Senado que, em tese, obrigaria a União a suspender o pagamento da dívida em questão. O argumento é o de que não se pode suspender um contrato juridicamente perfeito por meio de um projeto de resolução, porquanto só uma decisão judicial pode fazê-lo. Como já havia sido informado, significa que, para poder acrescentar às receitas estaduais os cerca de R$ 12 milhões mensais de que tanto se fala, o governador Ivo Cassol teria que tentar obter isso nos tribunais, nesse caso, por intermédio de um mandado de segurança. Embora não se saiba em que ordem de prioridade o governo rondoniense colocou esta alternativa, o certo é que, no caso de efetivá-la, não ficará apenas nisso.
Para começo de conversa, segundo informou um assessor, o Chefe do Executivo estadual determinou que fosse enviada correspondência à direção maior do Banco do Brasil proibindo oficialmente que a STN permaneça retendo a parcela rondoniense do FPE, o que mensalmente vem sendo feito para amortizar a dívida do Beron.
2 – O CASO MINEIRO
Nesse sentido, há quem diga que, embora repleta de arroubos soberanos, a medida supostamente determinada pelo governador Cassol deve resultar completamente inócua. Isto porque, em se tratando de matérias de ordem econômica, após a Constituição de 1988, a União centralizou extraordinariamente as competências políticas, o que equivale dizer ter ampliado sua capacidade política para além do que poderia supor a idéia federalista. E aí é que a porca torce o rabo. Para tentar assegurar que a Resolução do Senado seja efetivamente observada pela STN e eventualmente disposto a provar que a República dos Estados Unidos do Brasil é, de fato, uma federação, o governador Ivo Cassol está decidido a enfrentar o centralismo administrativo vigente decretando uma moratória! Não é, leitor, brincadeira e nem especulação.
A tese já havia sido admitida à coluna pelo próprio Cassol na sexta-feira (28), no auditório da Emater. Agora a informação foi confirmada pelo titular da Procuradoria Geral do Estado (PGE), Ronaldo Furtado, que desde a semana passada está - com uma equipe de procuradores estaduais - debruçado sobre os estudos encomendados por Cassol com essa finalidade. Impossível, porém, revelar detalhes sobre a amplitude do levantamento que está sendo realizado, o alcance da medida ou as suas conseqüências, pois embora o chefe da PGE tenha ratificado a informação, a ela não acrescentou uma vírgula. O certo é que a equipe do procurador Ronaldo Furtado, se pode ter sido surpreendida pela ousadia governamental, não o foi em relação a precedentes.
No mais notório deles, o mineiro Itamar Franco inaugurou o mandato de governador obtido em outubro de 1998, para desespero do então presidente Fernando Henrique Cardoso, decretando uma moratória ampla, geral e irrestrita em janeiro de 1999. Foi um Deus nos acuda. Sobretudo porque, no começo, Itamar garantiu ao governo que sua moratória não ultrapassaria as fronteiras de Minas: só deixaria de pagar a empreiteiros e fornecedores.
3 – DIA 10 É PRAZO
No passo seguinte, surpreendeu a todos com uma nota na qual oficializava os termos da moratória, arrostando a execução das garantias da dívida estadual que iam desde o corte da cota mineira no Fundo de Participação dos Estados (FPE) até o arresto do ICMS arrecadado no Estado. Para complicar, como a economia de Minas nunca foi tão risonha e franca como a destas margens do Madeira, os compromissos internacionais do Estado é que terminaram pesando, de verdade, na balança. Como o fiador natural de passivos dessa natureza é legalmente a União, a dívida externa mineira foi parar nos costados da administração federal. No conjunto, as declarações da moratória mineira soaram como uma bomba para o segundo mandato do presidente FHC, com quem Itamar mantinha uma disputava ferrenha – entre outras razões, pela paternidade do Plano Real.
Em que pese a experiência, ainda hoje não se tem noção precisa do que seja uma moratória, ou seja, a dilação dos prazos ou retardamento no pagamento das dívidas decretada por um Estado. Entre outras coisas, sabe-se apenas que pode fragilizar a economia ao afetar a credibilidade da política econômica. E, a depender do volume e da natureza dos compromissos estaduais, instalar a dúvida nos bancos e nos investidores. Seja como for, moratória é sempre uma palavra maldita em qualquer contexto, pelo que significa em termos de falta de garantias ou instalação da insegurança.
Estas foram, pelo menos, algumas das conseqüências que o país andou colhendo com a moratória de Minas. Claro que a economia de Rondônia e os compromissos do Estado não podem ser comparados com as do Estado mineiro. Mas, por insignificante que seja, moratória não é coisa que o governo federal saiba lidar com facilidade. O prazo de Cassol é o dia 10 próximo. Se, na quinta-feira que vem, a STN ignorar a resolução do Senado que manda suspender o pagamento da dívida do Beron e retiver a parcela do FPE referente a sua amortização, o Estado pode amanhecer na sexta sob moratória. A ver.