Política em Três Tempos
1 – REFORMA POLÍTICA
Um sistema eleitoral problemático, que estimula a corrupção e financiamentos irregulares, cujos resultados dificultam a governabilidade do país, não é apanágio do Brasil. Mesmo nações tidas como mais desenvolvidas exibem um amplo histórico de escândalos econômico-eleitorais e sucessivas quedas de governos. Apenas para referenciar o que o complexo de inferioridade tapuia aponta como modelos mais avançados em que se espelhar, mencione-se a Itália, o Japão e a Alemanha entre outros igualmente bem cotados.
A grande diferença, no entanto, é que esses países mostraram-se dispostos a enfrentar e resolver seus problemas nessa esfera. Na Itália, por exemplo, ainda no século passado (no finalzinho, vá lá), uma mobilização a que se apelidou de “Operação Mãos Limpas” – não obstante as constatações de arbítrio – abalou a tradicional estrutura da corrupção. No Japão e na Alemanha, depois de iniciativas da mesma natureza, políticos de todos os naipes (governadores, prefeitos, deputados) e até empresários acabaram na cadeia. Já aqui a regra continua a ser a impunidade. É só recordar o “mensalão”, onde 40 foram indiciados e não há registro de que um só tenha visto o sol quadrado sequer por um dia.
Mas muito mais importante que o aspecto penal, italianos, japoneses e alemães tiveram coragem de ir às causas dos problemas e reformaram suas legislações eleitorais. Além de normas mais rígidas para financiamento de campanha, tais países adotaram outras formas de votação, como o modelo distrital misto, onde parte da representação legislativa é escolhida por voto majoritário – eleito por distrito– e parte pelo proporcional.
Não são poucos os que consideram que esse modelo, ao somar as vantagens dos dois sistemas ao tempo em que possibilita a representação de minorias, reduz saudavelmente a distância entre eleitores e seus representantes, permitindo um controle maior da sociedade. E que poderia, em consequência, contribuir significativamente para aperfeiçoar a política brasileira.
2 – SEM INICIATIVA
Aqui, no entanto, o problema começa com a falta de vontade e, portanto, de iniciativa do Congresso, que como regra tem, lamentavelmente, relutado em enfrentar a questão desde sempre. Vire e mexe, porém, sempre na esteira de um escândalo rumoroso, o tema volta à pauta. Não foi diferente agora, depois que um deputado habitante de um castelo mal-assobrado abriu a temporada de espantos e, de lá para cá, não há dia em que não se descubra uma nova modalidade de maracutaia embutida nos procedimentos das duas casas do parlamento brasileiro.
O diabo é que, se pelo menos os escândalos servissem para encurralar os congressistas na obrigação da promoverem efetivamente as reformas, vá lá. Mas, pelo jeito, nem isso. Tudo a mais pura e indisfarçável cortina de fumaça. É só conferir no noticiário. Todos os jornais desta quinta-feira (07), por exemplo, deram conta de que um debate realizado no dia anterior na Câmara dos Deputados com parlamentares, representantes do governo e de entidades civis resultou numa amostra do tamanho da controvérsia ao redor de apenas dois pontos em discussão na Casa: o financiamento público de campanha e a adoção do voto em lista fechada.
Mas mesmo sob forte bombardeio, os defensores da reforma política pretendem apresentar oficialmente a proposta na semana que vem. Segundo o líder do PMDB na Câmara, Henrique Eduardo Alves (RN), a ideia "é deflagrar o processo" após reunião com líderes e presidentes de partidos, provavelmente na próxima quarta-feira (13).
Mas como esta coluna já havia antecipado tão logo o governo anunciou que enviara o pacote ao Congresso, a discussão na Câmara mostrou que há consenso apenas sobre a aprovação do projeto que cria uma janela de 30 dias para a mudança de partido. De resto, dispositivo que não estava citado no texto usado para discussão de quarta-feira, de autoria do deputado Ibsen Pinheiro (PMDB-RS). Sem falar da resistência que vai enfrentar da opinião pública tão logo seja colocada em pauta para valer.
3 – MUITO BARULHO
Pela proposta de Ibsen - que prevê também a adoção de voto em lista fechada - as campanhas eleitorais passariam a ser custeadas pelo Tesouro Nacional. E embora o representante do Ministério da Justiça, Pedro Abramovay, tenha deixado claro o apoio do governo, o presidente do PT, Ricardo Berzoini (SP), propôs a flexibilização da votação em lista e um modelo misto de financiamento de campanha.
No plenário, o deputado Arnaldo Madeira (PSDB-SP) acusou os colegas de tentar se esconder em listas, num momento em que o Congresso atravessa uma crise aguda. De tão polêmica, o presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP), admitiu que seria mais fácil votar a proposta neste ano, caso vigorasse a partir de 2014. Outro patrocinador do projeto, o líder do DEM, Ronaldo Caiado (GO), disse que, apesar dos ataques, a intenção é insistir no financiamento público e no voto em lista já para 2010.
Além de PMDB e DEM, PT, PPS e PC do B - que estariam entre os signatários da proposta – o projeto contaria ainda com adesão integral do PDT, parcial do PSB e de parte do PSDB. A proposta enfrenta oposição do PP e do PR. "É o projeto das oligarquias. E desde quando financiamento público impede corrupção?", atacou Lincoln Portela (MG), representante do PR.
Já o PSB manifesta apoio ao financiamento público de campanha, mas oposição ao voto
em lista, modelo pelo qual são os partidos que definem, numa lista preordenada, quem deverá ter vaga no Parlamento. Pela proposta, uma alternativa seria que os atuais deputados e vereadores encabecem essas listas, segundo a votação obtida nas últimas eleições. "Essa proposta é uma agressão ao eleitor", reagiu o líder do PSB, Rodrigo Rollemberg.
Apesar do apoio do presidente do PTB, Roberto Jefferson (RJ), o líder do partido, Jovair Arantes (GO), defendeu que a reforma passe a vigorar apenas em 2014 ou 2016. O PSDB se reunirá na semana que vem para decidir. Como apenas o PDT anunciou que fechará questão a favor, já viu no que vai dar. Em nada, para variar.