Poucos filmes recentes do gênero terror me surpreenderam ou deixaram uma lembrança positiva. O diretor e roteirista Zach Cregger havia me surpreendido há três anos com o ótimo 'Noites Brutais' (Barbarian, 2022), com uma insólita história sobre o aluguel de um imóvel no modelo Airbnb, cuja locatária encontrava outro locatário em uma noite chuvosa e, com receio, acabou aceitando dividir a casa com ele para dormir por uma noite.
Ficávamos apreensivos com algumas coisas estranhas que ocorriam de madrugada, pois o rapaz com quem ela dividia aquele aluguel, aparentemente um gentleman, poderia ter algum segredo obscuro. Ledo engano não era ele. O inferno dessa mulher estava no porão da casa.
Se não assistiu, procure o filme está disponível no Paramount Plus e na Netflix.
Agora, em 2025, o mesmo diretor e roteirista Cregger nos apresenta um filme de terror ainda melhor: 'A Hora do Mal' (Weapons, 2025), disponível no catálogo do serviço de streaming HBO Max. Com certeza, ao lado de 'Pecadores', de Ryan Coogler, é um dos melhores filmes do gênero neste ano.
Na pequena cidade de Maybrook, um fato incomum acaba gerando um grande impacto nos moradores: 17 crianças, alunos de uma mesma sala de aula da única escola infantil do local, acordam de madrugada, no mesmo horário 2h17 e fogem de casa correndo, sem deixar pistas.
A partir desse mistério, os pais, inconformados, procuram entender o que levou essas crianças a fugir de casa numa mesma madrugada e sumirem do nada. As suspeitas de alguns pais recaem sobre a professora da sala, Justine Gancy (a excelente Julia Garner), recém contratada pela escola. Só que ela também não sabe. Para piorar, somente um único aluno restou na sala: Alex Lilly (o garotinho e talentoso Cary Christopher).
Após 30 dias do mistério do sumiço das crianças, a escola resolve retomar suas atividades normais e convoca uma reunião com todos os pais. Durante o encontro, um pai revoltado, Archer (Josh Brolin, um dos produtores do filme), insiste com a direção da escola que a professora Justine está envolvida no desaparecimento.
Devido à pressão que sofre, Justine é afastada temporariamente de suas atividades como professora pelo diretor da escola, Marcus (Benedict Wong), e ela resolve tentar entender o mistério investigando o garoto Alex um aluno tímido, muito quieto em sala de aula e que parece esconder um segredo.
Em contrapartida, Archer, inconformado, decide investigar por conta própria depois de perceber que a polícia está sem pistas e inerte. Em algum ponto, ele vai confrontar a professora do filho e perceber que os dois podem se aliar na busca por respostas.
O grande diferencial do filme, para fugir dos clichês comuns desse tipo de produção que provocam sustos e, diante do contexto misterioso, propõem um enigma a ser solucionado aos poucos está na forma como o diretor divide a narrativa em capítulos, com o ponto de vista de seis personagens. Cada um passa por situações que dão dimensão ao mal que emana do cerne daquela comunidade. Vemos a visão de Justine, depois a de Archer, do policial Paul (Alden Ehrenreich) que teve um caso amoroso com a professora e agora é casado, de um viciado em drogas que é ladrão, do diretor da escola, Marcus, e, por fim, o capítulo mais revelador e chocante: o do menino Alex e sua família.
Essa mecânica narrativa lembra muito o clássico do diretor japonês Akira Kurosawa, 'Rashomon' (1950), e até o mais recente 'Magnólia' (1999), do diretor Paul Thomas Anderson, quando diversos pontos de vista dimensionam a história até uma solução simples, mas nada fácil de alcançar.
Fica claro também que o diretor cita visualmente e faz referências a filmes clássicos como 'O Iluminado' (1980), de Stanley Kubrick; 'Hereditário' (2018), de Ari Aster; e até mesmo, no humor involuntário, 'A Morte do Demônio' (1981), de Sam Raimi.
Para você apreciar melhor o filme, evite spoilers ou comentários que revelem a natureza sombria e sobrenatural do mistério que envolve o sumiço das crianças. A narrativa promovida por Cregger é de medo e suspense permanente, e, às vezes, ele introduz cenas violentas e inesperadas para criar uma atmosfera de incômodo proposital e necessário.
Na parte final, quando já estamos diante da verdade brutal e inusitada, há sequências que trazem um humor involuntário, porém muito bem aplicado dentro do contexto proposto e não menos temerário pela cena gore (sangrenta) que está prestes a acontecer.
Preste atenção aos detalhes de como o diretor cria a atmosfera da cidade das ruas, principalmente das casas, isoladas ou sem vida. A arquitetura e a decoração são herméticas, frias, sem atrativos vibrantes tudo é seco, empalidecido. O clima é soturno, com pouca iluminação nas vias. O silêncio, em determinadas cenas, assusta; um canto escuro da sala ou do quarto cria um ambiente sufocante.
Esse é um dos melhores filmes do ano. Do gênero terror, então, vale muito a pena assistir em uma sala cheia, com amigos ou com aquele parente medroso que se assusta até com um mosquito.
Filmaço!