Configura prática comercial abusiva geradora de dano moral passível de indenização a produção de laudo pericial unilateral, cuja confecção se dê de forma desobediente aos regramentos vigentes, que identifica fraude no medidor de energia elétrica e coage o consumidor ao pagamento arbitrário de valores sob a ameaça de suspensão do fornecimento de energia elétrica, que é considerado serviço essencial e de prestação contínua.
Esse entendimento foi reafirmado pela 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Rondônia em mais um entre dezenas de julgamentos de recursos de apelação interpostos pela Centrais Elétricas de Rondônia (Ceron) sobre o mesmo tema: a declaração de invalidade de débito lançado unilateralmente em desfavor de consumidores por conta de suposta fraude em medidor de energia elétrica apurada diretamente por prepostos da concessionária de energia elétrica, quando esta incumbência deve ser entregue a terceiros isentos e legalmente habilitados – INMETRO ou Instituto de Criminalística.
PRÁTICA CONFIGURA DANOS MORAIS
Num desses julgamentos, a Ceron interpôs recurso de apelação da sentença que declarou inválido o débito de R$2.089,59 lançado unilateralmente em desfavor de uma consumidora, e ainda a condenou ao pagamento de indenização de R$2.500,00 a título de danos morais à cliente da concessionária.
A Ceron alegou, no recurso, que não há como fiscalizar os mais de 90 mil pontos de luz existentes na cidade de Porto Velho, “ portanto sua fiscalização não se dá na forma como quer o magistrado ( de primeiro grau), tampouco há norma legal fixando prazo para fiscalização, muito menos o Código de Defesa do Consumidor”.
A empresa alegou ainda que, rotineiramente, fiscaliza as unidades consumidoras por amostragem e a residência da cliente foi uma delas, onde constatou que o medidor daquela não registrava corretamente o consumo de energia do local.
Esclareceu que o defeito encontrado no relógio da casa da cliente não é oriundo do tempo de instalação, do tempo de uso, desgaste natural, mas, sim, de defeitos provocados por ação humana (gato).
Garantiu ter agido no exercício regular de um direito, “devendo a responsabilidade pelas irregularidades encontradas recair sobre a consumidora, já que todo o imbróglio adveio de desvio de energia”.
Segundo a empresa, o medidor de energia da consumidora deixaria de registrar 83,07% do consumo local, relacionando todos os eletrodomésticos encontrados no estabelecimento em que se deram os fatos.
"DISCO PRESO"
Funcionários da Ceron realizaram inspeção no imóvel e constataram a suposta fraude no medidor de consumo da casa da cliente, consistentes em “disco preso”, tal como concluiu o laudo técnico de aferição, confeccionado pela própria concessionária .
Ato contínuo, a Ceron realizou a apuração dos valores que não teriam sido aferidos anteriormente , encaminhando comunicado à consumidora para comparecimento à concessionária para quitação do débito apurado, no valor de R$2.089,59, sob pena de suspensão do fornecimento de energia elétrica.
Para o desembargador Péricles Moreira Chagas, relator do processo de apelação da Ceron no Tribunal de Justiça,
“não há motivos para alteração do mérito da causa” na forma como entendeu o juiz de primeiro grau, que condenou a concessionária de energia elétrica.
Moreira Chagas citou a resolução número 456, da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), que determina, em seu artigo 72, inciso II:
Art. 72. Constatada a ocorrência de qualquer procedimento irregular cuja responsabilidade não lhe seja atribuível e que tenha provocado faturamento inferior ao correto, ou no caso de não ter havido qualquer faturamento, a concessionária adotará as seguintes providências:
[...]
II - promover a perícia técnica, a ser realizada por terceiro legalmente habilitado, quando requerida pelo consumidor.
O desembargador observou que a perícia foi realizada, “ mas não por órgão terceiro, como determina a sobredita resolução, o que leva a crer que irregular a conclusão identificadora da pretensa irregularidade”.
“Com efeito, ainda que não requerida expressamente pelo consumidor a realização de perícia, esta foi feita, mas de forma irregular, já que desatendida a resolução quanto à indicação de terceiros para consecução da prova técnica”, anota o magistrado.
Segundo Moreira Chagas, ainda que a cliente tenha sido ‘convidada’ para acompanhar a realização da prova técnica, tal fato não exime a Ceron da irregularidade perpetrada, consistente da confecção de análise sobre o medidor por seus prepostos, quando a aludida incumbência deveria ter sido entregue a terceiro isento e legalmente habilitado - INMETRO e ou INSTITUTO DE CRIMINALÍSTICA”.
No Código do Consumidor – lembra o magistrado - , é assegurada ao consumidor, como direito básico, a proteção contra métodos comercias coercitivos ou desleais.
“A retirada do relógio registrador, a realização de prova técnica unilateral e exclusivamente pela apelante, a imputação do débito presumido configuram prática comercial abusiva, notadamente pela óbvia ameaça de interrupção no fornecimento de energia , considerado essencial e de prestação contínua”, enfatiza o desembargador. A conduta tomada pela apelante (Ceron) denota o exercício arbitrário das próprias razões, fazendo inexigíveis os valores cobrados, por afronta à boa-fé objetiva que reveste as relações de consumo e os contratos em geral”.
O Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia - lembrou Moreira Chagas - já tomou posição sobre o assunto ao assim decidir:
“Comprovada a fraude no medidor de energia elétrica por meio unilateral, é ilícita a cobrança de valores referentes ao consumo que deixou de ser cobrado pela concessionária de serviço público”.
E ainda mais: “Configura prática comercial abusiva geradora de dano moral passível de indenização, a produção de laudo pericial unilateral, cuja confecção se deu de forma desobediente aos regramentos vigentes, que identifica fraude no medidor de energia elétrica e coage o consumidor ao pagamento arbitrário de valores sob a ameaça de suspensão do fornecimento de energia elétrica que é consideração essencial e de prestação contínua”.
CERON CHANTAGEOU CONSUMIDORA
Quanto à comprovação dos danos morais, segundo o desembargador, "não há o que se discutir, pois configurado o abuso da recorrente (ceron) quanto ao desenvolvimento de sua atividade, a qual protagonizou verdadeira chantagem contra a recorrida (cliente) , para que esta regularizasse os débitos de energia elétrica lançados unilateralmente, sob pena de suspensão do fornecimento do serviço”.
Para o desembargador, “esse fato configura método comercial coercitivo gerador de dano moral, pois não deixa ao consumidor outra saída, senão pagar o que lhe é imposto arbitrariamente, sujeitando-o ao corte no fornecimento de serviço essencial em caso de desobediência aos desmandos perpetrados”.
Na sua decisão, o desembargador manteve a sentença do juízo de primeiro grau que invalidou o débito apurado unilateralmente e, ao mesmo tempo, arbitrou o valor a ser pago à cliente pela Ceron a título de danos morais.
Os desembargadores Kiyochi Mori e Gabriel Marques de Carvalho acompanharam o voto do relator.