Política em Três Tempos
1 – SARNEY E A ÉTICA
Não se impressione o leitor. Não obstante a aparência de guerra encarniçada ensejando conseqüências imprevisíveis, a crise do Senado de que tanto se ouve falar não passa de briga de galinhas, assim mesmo cuidadosamente encenada de modo a não quebrar os ovos. Modo de falar, claro. Mas o propósito é indicar que ali o que está em jogo não é a preocupação com a moral da instituição e os bons costumes dos senadores, mas o processo político eleitoral que culminará ou com a substituição do atual grupo no comando da administração do país ou na manutenção do poder pelos que hoje o detém.
Essa história de ética para aqui ética para acolá é pura conversa para boi dormir. O que interessa mesmo aos dois lados – e disso os que estudaram o assunto detidamente estão cansados de nos ensinar - é enfraquecer politicamente um ao outro, objetivando acumular forças para entrar em situação de vantagem na disputa que se avizinha. Começa que, quando se ouve políticos falando em ética, se é induzido a pensar uma coisa quando o que eles estão falando é de algo completamente diferente. É como se quem os ouvisse imaginasse que eles estão falando em “alhos” quando o que eles estão discutindo é a natureza dos “bugalhos”. Por aí.
Em famosa conferência-ensaio sobre a política como vocação, Max Weber, sociólogo de boa cepa, sustentou que só haveria duas espécies de orientação moral na política: a ética das convicções pessoais e a ética da responsabilidade. Por ser aquela “pessoal” parece sugerir valores egoísticos, enquanto a da “responsabilidade” seria mais virtuosa, por assim dizer. Não é bem assim. Weber classificou esta – a da responsabilidade - como uma moral utilitária, oposta à ética da convicção, que seria a dos santos e profetas.
A diferença entre essas duas éticas consiste em que a esta abraça valores absolutos - dos santos – e aquela reconhece a complexidade das relações meios-fins (para alcançar fins “bons” recorre-se a meios, digamos, perigosos) - é a ética dos políticos.
2 – CARTAS MARCADAS
Razão pela qual, leitor, já se sabe o que vai acontecer no Conselho de Ética do Senado a partir desta quarta-feira (05), quando o colegiado vai decidir o que fazer com as 11 representações que aportaram por lá contra o senador José Sarney (PMDB-AP), presidente da instituição acerca de quem os adversários querem mais é ver a caveira. Como se sabe, tratam-se das denúncias de que parentes e assessores do presidente do Senado se beneficiaram da influência dele em troca de cargos. Sarney também é acusado de ocultar bens da Justiça Eleitoral, de envolvimento com atos secretos e de que a fundação que leva seu nome teria usado verba repassada pela Petrobras de forma indevida. E por aí vai.
Como todo colegiado, grupos há em sua composição com visões distintas acerca do que sejam fins “bons”. Nesse aí, um magote acredita que a virtude suprema consiste em detonar Sarney. O lote mais numeroso, no entanto, a começar por quem dirige os trabalhos, tem opinião diametralmente oposta. Assim é que, como os primeiros lances dependem de decisão monocrática, o presidente do órgão, Paulo Duque (PMDB-RJ), correligionário até o talo do ex-presidente da República, deverá empurrar o sarrabulho com a barriga. Pode informar ao conselho que, de acordo com o regimento, dispõe de cinco dias para analisar as representações. E fica tudo para a semana que vem.
Ou pode liquidar o assunto por aí mesmo. Revelará ao conselho e ao país que as acusações serão enviadas ao arquivo. A manobra, claro, tem amparo no regimento. O presidente do conselho tem poderes para arquivar denúncias que julgar ineptas sem ouvir o plenário. Para tanto não deve nem mesmo oficiar Sarney para a apresentação de defesa. Dirá que as acusações são ineptas e estamos conversados.
Evidente que a turma anti-Sarney não vai ficar assistindo tudo sem tugir nem mugir. Pelo regimento, as decisões do presidente são passíveis de recurso. Com assinaturas de cinco dos 15 integrantes do Conselho pode-se exigir que a decisão seja levada a voto.
3 – NÓS TAMBÉM?
E aí já se estará cumprindo um roteiro puramente cenográfico, porquanto até os candirus do Madeira, não obstante à espécie jamais ter sido dado conhecer tão vetusta Casa, já sabem do resultado. Por baixo, estima-se que, submetido a voto, o arquivamento a ser proposto por Duque prevalecerá por dez a cinco. Mas o regimento ainda faculta à oposição novo recurso, dessa vez ao plenário do Senado. Até que as acusações contra Sarney cheguem ao plenário, no entanto, a rotina do Senado deve se resumir a discursos de ataque e apartes de defesa. Mas nada que possa perturbar a impassibilidade dos bigodes do maranhense.
Acionados por Sarney, os mais festejados e competentes advogados da capital do Distrito Federal analisaram a fundamentação das acusações feitas contra o presidente do Senado. E depois de vasculharem-nas todas, informaram ao autor dos “Maribondos de Fogo” que, do ponto de vista estritamente jurídico, as representações levadas ao Conselho de Ética têm peso zero. Ademais, o presidente Luís Inácio permanece firme no apoio ao aliado, na hora da onça beber água o PT faz o que ele mandar e até a onde a vista alcança, no frigir dos ovos, fica tudo por isso mesmo.
E a ética da convicção, onde é que fica? Indagar-se-á o leitor atilado. Bem. De tempos em tempos, um movimento qualquer de profetas – como o foi em sua origem o PT - tenta emplacar a ética da convicção na política e na sociedade - mas o entusiasmo dura pouco. Tão logo triunfam, eles se vêem “obrigados”, sob pena de ter que largar o osso, a praticar a mais reles ética da responsabilidade, que fatalmente degenera em algo de muito pouco ético e bastante irresponsável.
Outros virão? Com certeza. Desde que arranquem as pessoas do sonambulismo, os novos fanáticos podem estar certos de contar com o maior apoio. Afinal, estamos sempre dispostos a exigir ética da convicção na casa do vizinho, adoramos eleger profetas e desdenhá-los porque são malucos, enquanto continuamos a agir, na vida particular, como verdadeiros senadores. Ou não?