ARTIGO – Maracujá a preço de boi gordo – Por Altair Santos (Tatá)
Foto: Divulgação
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Acho que vim de outro planeta! De lá fui jogado pra cair na terra e justo no cada vez mais espremido arraial flor do maracujá. Um misto de sorte e azar. Sorte porque quando me escafedi no chão, fui recebido pelo embalo e empolgação da quadrilha junina Matutos do Triângulo que, àquela altura, esbanjava simpatia e graça. Azar porque, a viagem de lá pra cá foi tão grande que me deu fome. Com algumas merrecas no bolso, não hesitei, sacudi a poeira e fui me aventurar entre as barracas. Começava a minha sofrida peregrinação pelo corredor da comelança, pra quem tem dinheiro é claro! Parei na primeira barraca e, corajosamente, perguntei ao distinto garçon: quanto é a picanha? E ele, em resposta seca, tascou de lá: R$ 40,00, mas temos pato no tucupi por R$ 35,00, vatapá de R$ 20,00... Balancei nas estruturas, quase caio de costas, mas me mantive de pé. Absorvi o golpe e avancei até a próxima barraca. Ainda zonzo pela martelada dos preços anteriores, respirei fundo, empostei a voz e perguntei ao atendente: amigo quanto custa a picanha? Ele calmamente falou R$ 45,00. Aquilo bateu como um cruzado de direita contra o queixo, no décimo round. Quase fui à nocaute! Mas eu precisava comer algo e a picanha era o reclame do meu sofrido estômago que, em noite alta, nem queria saber da saúde do meu envergonhado bolso. E agora? Como ir a frente diante de tão elevados preços? Como a pesquisa é a chave para a conquista do consumidor, resolvi avançar alguns passos até o centro do ringue, ou melhor, ao epicentro da carestia. Aquelas bandeirolas coloridas sacudiam à minha frente, me embaraçando a visão quando, um vendedor, entrecortando as mesas, veio ao meu encontro armado com um cardápio na mão, que mais parecia a luva do uper fatal. Já com a guarda baixa e sem o domínio dos movimentos e sentidos, antes de qualquer manifestação minha o moço se antecipou: a nossa picanha na chapa custa somente R$ 50,00. Aí o mundo rodou, o olho ardeu, o corpo inteiro gelou. O meu estômago sacaneava comigo e com meu bolso, nos chamando de mão de vaca, lisos, pobretões. Foi um desespero. A tríade: eu-meu bolso-meu estômago, não se entendia diante de tão potente adversário (o preço alto) a ponto de pressentir o soar do gongo. Rapidamente sai dali em direção aos cantos ermos do arraial para tomar fôlego e rumar pra casa. Com o que restou de minha paz intelectual, me pus a perguntar: a festa não é popular? E, em sendo, os preços também não deveriam ser? Como será que se portam as autoridades sobre o assunto, ou não se portam? Que tipo de política comercial é essa que faz quatro pedaços de picanha valer tanto ou mais que a arroba do boi gordo? Antes de virar as costas e sartar fora, aportei na última barraca e perguntei o preço da cerveja suja: R$ 5,00. Isso mesmo, cinco mangos por uma latinha de cerveja, uma pitada de sal e umas gotinhas de limão. Joguei a toalha, me afastei lentamente na orvalhada madrugada, ouvindo ao longe aquele insistente e enfadonho solo do refrão da música pé de côco que os caras insistentemente tocam no teclado.
* O autor é musico e cidadão portovelhense.
tatadeportovelho@gmail.com
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