Pablo Ibanez, professor de Geopolítica da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro e pesquisador visitante da Universidade Fudan, aponta que a entrada do Brasil no projeto teria um caráter mais simbólico. Mesmo assim, ele defende a adesão.
Marcos Caramuru, ex-embaixador do Brasil na China, pondera que, apesar de simbólica, a adesão poderia beneficiar investimentos pleiteados por Estados brasileiros.
Analistas ouvidos pela BBC News Brasil também avaliam que as desvantagens de uma eventual adesão do Brasil seriam pequenas e não necessariamente relacionadas à parceria em si.
"Os problemas que vejo são relacionados às dificuldades de se implantar projetos de infraestrutura, como o impacto ambiental e como isso afeta as populações indígenas ou tradicionais”, diz Ibanez.
Os especialistas ouvidos também minimizam o risco de uma eventual retaliação americana ao Brasil caso o país se associe de alguma forma ao projeto chinês.
Vazquez ressalta, no entanto, que a sinalização do Brasil em relação ao assunto precisa ser bem calibrada.
“Alguns atores acreditam que aderir ao projeto daria maior espaço para o Brasil barganhar com Estados Unidos e China e não ser encapsulado como membro de nenhum dos dois ‘bandos’”, afirma a professora.
Mas ela diz que o argumento é questionável na medida em que dar um “sinal” de que o Brasil está alinhado com a China sem sinalizar na mesma direção e intensidade para a Aliança para a Prosperidade Econômica nas Américas, projeto lançado pelo governo de Joe Biden em 2022, pode ser entendido como favorecer um dos dois lados.
“No mínimo, teria que se ter clareza do que o Brasil quer e pode ganhar com cada uma dessas iniciativas, o que, a meu ver, não existe”, diz a professora.
Os Estados Unidos vivem um dos períodos mais tensos em suas relações com a China e têm sinalizado preocupação com o aprofundamento das relações entre China e Brasil.
Washington vê como um ativo o fato de Brasília não ter, até agora, se comprometido a integrar o One Belt, One Road.
"Para os Estados Unidos, preocupa ver o Brasil crescentemente endividado com a China, se envolvendo em um número crescente de negócios, especialmente
em áreas sensíveis, como tecnologias, serviços públicos, energia, área mineral, que tragam riscos para a cooperação Estados Unidos-Brasil”, afirma Ryan Berg, diretor do programa de Américas do Center for Strategic and International Studies, em Washington.
“Se Lula, como dizem os rumores, ceder ao projeto em sua viagem à China, isso também será algo grande para os Estados Unidos e visto com reservas, porque forneceria uma nova via para a influência e empréstimos chineses no país."
Questão expõe racha no governo

Palácio do Itamaraty, em Brasília; órgão vem expressando preocupação com adesão do Brasil ao projeto chinês e eventuais represálias dos EUA
(foto: Reuters)
Em meio a esse cenário, duas alas do governo Lula vêm divergindo publicamente sobre o Brasil ingressar ou não na iniciativa chinesa.
Em entrevista a correspondentes de agências internacionais no Brasil na semana passada, Mauro Vieira sinalizou que o Brasil não precisaria aderir ao plano chinês neste momento.
“Temos uma parceria estratégica que vai muito além do One Belt, One Road. Não é uma coisa que estejamos apressados nem de um lado e nem de outro. É uma coisa que faz parte de contatos e conversas, mas não é uma decisão premente”, disse Vieira ao ser perguntado sobre o assunto pela BBC News Brasil.
Por outro lado, Celso Amorim disse em entrevista ao jornal Valor Econômico que o Brasil não teria motivos para ficar de fora da iniciativa.
“Não tem razão para o Brasil não entrar. Não tenho preconceito e não vejo nenhum dano político”, afirmou o assessor especial de Lula.
Outro que também defende a entrada do Brasil ao mecanismo é o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro.
Questionado pela BBC News Brasil, ele argumentou que a adesão do país ao projeto chinês poderia trazer investimentos considerados importantes para a logística do agronegócio brasileiro e para a integração nacional.
“Eu defendo (a entrada do Brasil) porque um dos principais gargalos da competitividade do agro brasileiro é a infraestrutura logística. Frete caro é sinônimo de perda de competitividade para produtos de exportação”, afirmou o ministro.
Para Pablo Ibanez, a diferença de visões entre o comando do Itamaraty e integrantes do entorno do presidente é resultado da visão de membros do PT como Lula e da ala liderada por Celso Amorim por uma preferência em fomentar relações com países fora do eixo Estados Unidos-Europa.
“De um lado você tem o PT, Lula e Celso Amorim que são conhecidos por valorizarem o crescimento das relações do chamado sul global. Já o Itamaraty tem uma ala mais pragmática que acredita que isso (a adesão) pode trazer represálias dos Estados Unidos."