A ministra Gleisi Hoffmann avisou o presidente da Câmara deputado Hugo Motta: o governo suspenderá o repasse de cerca de R$ 1 bilhão em emendas parlamentares. A decisão segue recomendação da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), que apontou risco fiscal diante do posicionamento de ministros do Tribunal de Contas da União (TCU), defensores de uma execução orçamentária compatível com a meta de déficit zero.
Dentro da flutuação
No Planalto, o argumento é que o governo ainda se mantém dentro da banda de flutuação que permite variação de até R$ 30 bilhões em torno da meta. Mesmo assim, a equipe econômica se prepara para cortar R$ 26 bilhões, em um movimento de contenção que deve gerar forte reação política.
Efeito político
O corte pode fazer sentido do ponto de vista fiscal, mas o impacto político é imediato. Emendas parlamentares são o principal elo entre o Executivo e o Congresso. Reduzi-las em meio a um ambiente de desconfiança é, na prática, abrir espaço para rebelião na base. Deputados e senadores, especialmente do centrão, já vinham reclamando da lentidão na liberação de recursos. Agora, o risco é que a insatisfação se transforme em resistência aberta.
Derrota da MP 1.303
A derrota da MP 1.303, que tratava da reoneração da folha de pagamento, reduziu a receita esperada e escancarou a fragilidade da articulação política do governo. Mas a rejeição foi além de uma simples divergência técnica. Nos bastidores, o episódio é visto como um teste de força e, para alguns observadores, como uma tentativa deliberada de inviabilizar o governo Lula em pleno ano pré-eleitoral.
Quanto pior, melhor
Setores do Congresso enxergam vantagem em enfraquecer o Executivo, seja para negociar mais poder e recursos, seja para construir palanques de oposição em 2026. A MP rejeitada, somada ao corte de emendas, pode se tornar o símbolo de um governo que tenta equilibrar as contas, mas perde o controle da política.
Entre a meta e a governabilidade
O governo Lula vive o dilema clássico entre responsabilidade fiscal e sobrevivência política. Cumprir a meta agrada ao mercado e aos órgãos de controle, mas enfraquece o capital político junto a um Congresso pragmático, movido a emendas e cargos.
Entre o equilíbrio das contas e o equilíbrio do poder, Lula caminha sobre um fio de navalha. O déficit pode até ser zero mas o desgaste com o Congresso, certamente, não será.
Roberto Gutierrez é jornalista. Na comunicação desde outubro de 1976, passou por todas as mídias e há quase três décadas é editorialista e analista político.