O Supremo Tribunal Federal não pode rever o mérito de decisão tomada por senadores em processo de impeachment. As funções da corte no procedimento são de assegurar a regularidade formal, o contraditório e a ampla defesa do presidente acusado. Essa é a opinião do advogado e professor emérito de Direito Constitucional da Universidade de São Paulo Manoel Gonçalves Ferreira Filho.Para ele, o impeachment tem natureza política, não jurídica. Dessa forma, os parlamentares não precisam se ater a regras de processos judiciais, como a que obriga os magistrados a fundamentarem suas decisões. Como crime de responsabilidade é, de acordo com Ferreira Filho, uma “falta grave contra a Constituição”, e não um crime comum, também não é preciso verificar se o governante agiu com dolo ou culpa para depô-lo. Basta provar a ocorrência do ilícito.
O jurista refuta a tese de que o impeachment da presidente Dilma Rousseff seja um golpe, como ela e seus aliados vêm alardeando. “Não dá para alegar que ele [o processo de impeachment] não está sendo regularmente conduzido. O que o Supremo entendeu que não podia ser feito, não foi feito”.Embora reconheça a impossibilidade de tocar no assunto no momento, o professor da USP defende a atualização da Lei dos Crimes de Responsabilidade (Lei 1.079/1950), instituída sob a égide da Constituição de 1946 e cuja redação foi calculada para tirar Getúlio Vargas do poder caso ele retornasse ao Palácio do Catete, residência oficial da presidência no Rio de Janeiro, então capital do Brasil. Mas Ferreira Filho receia que o assunto seja esquecido com a saída de Dilma, da mesma maneira como foi após a renúncia de Fernando Collor, em 1992.
Um grupo de parlamentares, comandado pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), defende a criação do referendo revogatório no Brasil. O instrumento, que existe na Venezuela, no Equador e na Bolívia, e em estados e cidades de EUA, Argentina, Canadá e Suíça, permite que seja convocada uma consulta popular a respeito da permanência ou deposição do governante. Nesta situação, o vice assume ou são convocadas novas eleições, dependendo do tempo que falta para o fim do mandato. Para o professor da USP, o mecanismo é “legítimo” e “interessante”, mas que pode criar um estado de instabilidade permanente, devido à constante ameaça de queda dos líderes do Executivo.Integrante do panteão dos constitucionalistas brasileiros, Ferreira Filho foi professor de inúmeros profissionais do Direito que viraram referência em suas áreas, como os ministros do STF Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Dias Toffoli.
O currículo dele também tem passagens pela política. Na virada dos anos 1960 para os 1970, foi secretário-geral do Ministério da Justiça entre secretário do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana. Posteriormente, foi vice-governador do estado de São Paulo no governo Paulo Egydio, entre 1975 e 1979, e secretário estadual da Justiça.Dono de um temperamento forte, Ferreira Filho irrita-se com perguntas cujas respostas considera óbvias. Tal impaciência explica-se por sua vasta cultura geral, não só jurídica. Uma prova desse interesse amplo do professor está na biblioteca de seu escritório, onde livros de política, economia, literatura e cinema disputam espaço com obras relacionadas ao Direito.Em entrevista, Manoel Gonçalves Ferreira Filho avaliou que a Constituição Federal de 1988 tem falhas, “mas manteve um mínimo de democracia funcionando no Brasil”, apontou que o parlamentarismo não evita bloqueios institucionais e discutiu o fortalecimento do Judiciário perante o Executivo e o Legislativo.