Paisagem moral, por Andrey Cavalcante

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Foto: Divulgação

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O cenário desértico exibido em todo o país por nossa “paisagem moral” – título do livro do neurocientista Sam Harris, de quem tomo emprestado também um breve trecho, com as devidas desculpas ao autor – ilustra primorosamente os desvios de nossa trágica realidade. “É possível – explica – estar errado sem saber (chamamos isso de ignorância). É possível estar errado e saber disso, mas relutar em pagar o preço social de admiti-lo publicamente (chamamos isso de hipocrisia). E também pode ser possível estar errado, vislumbrar esse fato e permitir que o medo de estar errado aumente ainda mais o comprometimento com o erro (chamamos isso de auto-engano).

O paralelismo entre o que diz o cientista e a realidade moral brasileira exige acrescentar ainda uma vertente às que ele indicou: está comprovada inclusive judicialmente a possibilidade de alguém estar errado, saber disso, ter plena consciência dos danos causados à população, mas persistir nos erros e até ampliá-los pela certeza da impunidade, pelo enriquecimento pessoal, pela dissimulação e pela manutenção do poder político. A isso se chama corrupção, que se instalou metasticamente na contaminação dos poderes públicos e privados por todo o país. E seu combate apenas será possível com a adoção de medidas radicais e necessariamente midiáticas. Posto que é necessário restaurar (ou finalmente implantar) no país a consciência de que a Justiça vale para todos e que a impunidade encontrou finalmente um adversário poderoso dentro do estado democrático de Direito.

Especialmente no momento em que o presidente da Câmara Federal é réu em processo aberto no STF. Que o presidente do Senado está citado por delação premiada. Ou que um ex-presidente da república é conduzido coercitivamente para depor. Ou ainda que vários outros expoentes políticos e empresariais, antes absolutamente intocáveis, são levados à prisão pela operação lava jato, e decidem colaborar com as investigações para obter reduções nas penas. A Operação Lava Jato, com a atuação do Ministério Público Federal, da Polícia Federal, do juiz Sérgio Moro e do Supremo Tribunal Federal, merece os aplausos recebidos em todo o país, mas é fundamental lembrar que o remédio não pode matar o paciente. Não se defende a constituição aviltando-a. Os criminosos devem ser exemplarmente punidos. Mas respeitados os devidos processos legais.

A respeito da condução coercitiva do ex-presidente Lula, o ministro Marco Aurélio Mello, por exemplo, classificou, segundo a jornalista Mônica Bergamo, de um ato de força, que atropela as regras, em contundente nota contra a atuação do juiz Sérgio Moro. O ministro disse que “precisamos colocar os pingos nos ‘is’. Vamos consertar o Brasil. Mas não vamos atropelar.” E advertiu: “Nós, magistrados, não somos legisladores, não somos justiceiros. Não se avança atropelando regras básicas.”

O Presidente do Conselho Federal da OAB, Cláudio Lamachia disse ainda que: “Todos devem ser investigados quando houver motivo, mas dentro da lei. Estado de Direito significa que a lei vale para todos, para os investigados, independente de posição social ou política, e para as autoridades que estão investigando”, pois ninguém está acima da lei.

Nesse sentido declarou que o combate à corrupção deve ser feito com respeito à Constituição e às leis do país. E acrescentou: “Nós vivemos num Estado Democrático de Direito e as nossas normas devem ser cumpridas por qualquer pessoa. Nenhum cidadão brasileiro deve estar isento de responder pelos seus atos se cometeu algum ato ilícito.” E acrescentou: “se ficar comprovado que a presidente Dilma Rousseff atuou no Judiciário para interferir na Lava Jato, a Ordem poderá entrar com um novo pedido de impeachment contra a petista.

Já no final de 2.014 alertamos aqui que os escândalos que hoje ocupam o noticiário têm sua origem no sistema eleitoral dramaticamente inflacionado e na confiança da impunidade. Mas não é, nem de longe, reflexo de uma “cultura” brasileira como pretendem alguns. O povo brasileiro é honesto, ordeiro e trabalhador. “Os corruptos são exceções” – escrevi. “A população respeita as leis e preza, como seu bem mais precioso, a manutenção do nome limpo, em defesa do qual se submete inclusive a inúmeros sacrifícios. Não se pode, portando, lançar todos na vala comum das acusações irresponsáveis. As denúncias devem ser rigorosamente apuradas e os culpados exemplarmente punidos, lhes tendo sido assegurados amplo direito de defesa.”

A gravidade da situação exige o envolvimento de toda a sociedade para que possamos, juntos, resgatar a moralidade no país. A OAB Rondônia está pronta a continuar trabalhando por isso, pois confia no equilíbrio do judiciário para que o ataque à corrupção não permita o recurso ao arbítrio. É fundamental a apuração rigorosa dos ilícitos, dentro dos princípios constitucionais, respeito às leis e ao estado democrático de direito, como defendemos aqui desde sempre. Confiamos no Judiciário e na força da população para superar esse momento de vergonha nacional e devolver ao Brasil a dignidade conspurcada, o respeito à população e o reconhecimento internacional.

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