Política em Três Tempos
1 – ECOS DA BANDA
Duas notícias que certamente estariam relegadas aos espaços mais obscuros das páginas internas do conservador “O Guaporé”, jornal em cujas oficinas por muito tempo foi impresso o “Diário Oficial do Território Federal de Rondônia”, na edição daquele sábado, 28 de fevereiro de 1981, apareceram na 1ª Página da publicação. “PT condena o julgamento de Lula”, bradava uma sub-manchete em que se reproduzia uma enfezada nota da secção local do partido invectivando contra a Justiça Militar, que condenara o sindicalista Luís Inácio da Silva e mais 10 metalúrgicos a um total de 30 anos de prisão, por envolvimento nas greves do ABC paulista.
Tempos duros, quando greve dava enquadramento na Lei de Segurança Nacional e julgamento Militar com chances praticamente nulas de absolvição. Lula pegara três anos e seis meses de cadeia. Reproduzida na íntegra, para desagrado para o coronel de plantão no governo do pedaço (Jorge Teixeira), a nota vinha assinada por José Neumar, Bernardo Lopes e Odair Cordeiro.
Mas a manchete mesmo - ilustrada por um clichê onde evoluía um belo casal de passistas (sabe Deus de onde) - era a que vinha anunciando “Uma Banda Abre o Carnaval de Porto Velho”, tudo (título, ilustração e texto) cercado por um fio preto retangular alinhado à direita do alto da Página que era para destacar bem. No texto, podia-se ler: “A abertura oficial da festa acontece hoje, com o desfile isolado da nova ‘Banda do Vai Quem Quer', onde o público poderá ter uma première do que será o grande desfile de amanhã”.
Claro que em todos os jornais do país a manchete daquela data deverá ter-se ocupado do primeiro dia de carnaval. Mas aqui, só “O Guaporé” destacou a “Banda” na manchete e, abaixo, publicou a nota do PT na íntegra. Caso o leitor mais atilado ainda não tenha matado a charada, o editor-chefe da publicação era ninguém menos que o locutor que vos fala. Integravam o time Ary de Macedo, Pedro Sá, Montezuma Cruz, Jorcêne Martinez, Sérgio Valente, Marlene Rolim e Jorge Vazques.
2 – DOUTORES E GAYS
Em que pese apenas “O Guaporé” ter levado a Banda para a primeira página antes do seu primeiro desfile, os demais jornais não a ignoraram no seu nascedouro. Pelo menos o jornal “Alto Madeira”, não. Nem antes e nem muito menos depois da Banda ter saído – como adiante se verá. Na sua edição de sexta-feira, 27.02.1981, por exemplo, lá pelas tantas, sob o título “Banda do Vai Quem Quer em Ponto de Bala”, anunciava-se: “Uma quantidade enorme de pessoas tem procurado os idealizadores da Banda do Vai Quem Quer, Manelão e Emil Gorayeb Filho, para participar da mesma, surpreendendo até mesmo pelo enorme número de inscritos e os que compraram as camisas para desfilar no bloco”.
“Segundo Manelão, já foram vendidas 600 camisas e só restam pouco mais de 50. E quem não comprar logo vai ficar sem a oportunidade de ver a primeira camisa do bloco, que promete incrementar o nosso já decadente carnaval de rua. Muito empolgado, Emil Gorayeb fala que a idéia foi, realmente, esta de reativar o nosso outrora carnaval de rua, tido como um dos melhores do Norte do país. E (Emil) continua: ‘Foi só a gente dizer que iria botar o bloco na rua que todos concordaram e prometem participar ativamente. De nossa parte, aceitamos a adesão de todos, indiscriminadamente, não importando que sejam doutores, operários, mulheres ou gays’.” Ora, ora, ora... Grande Emil!
A Banda saiu, o carnaval rolou, mas o editor de “O Guaporé” só deve ter aparecido no jornal uma semana depois (conquanto jamais tenha assumido o cargo de editor-substituto formalmente, Montezuma segurava a peteca até com mais competência do que o titular). O fato é que nas edições em que o jornal se ocupou da cobertura da festa (descrição dos desfiles das escolas de samba e dos blocos, clubes etc.), não há uma linha sobre a Banda. Os textos, por vezes ocupando duas páginas, são assinados por Jorcêne Martinez – que desdenhou inteiramente o assunto. Em tempo: Não saiu na Banda. Seqüelas de uma paralisia sempre lhe tolheram os movimentos.
3 – FESTA PACATA
Mas na edição da sexta-feira, 06 de março, Sérgio Valente, na página “Sociedade”, deu o serviço completo, escrevendo: “A maior badalação do carnaval deste ano foi, sem dúvida alguma, a Banda do Vai Quem Quer. Como eu quis, fui. O som estava ótimo e a animação tomou conta de todos por onde passava. Tinha todo tipo de fantasia, desde biquíni até roupão. Após grande circuito pela city, voltamos ao ponto de partida – o Choppão. Lá o samba continuou até a noite e valia tudo: cantar, dançar, namorar, se agarrar no escurinho, beber chopp ou outra bebida qualquer. Uma verdadeira festa de alegria”.
A nota prossegue por mais três bons parágrafos, descrevendo as estripulias das “cocotas” e lamentando que a Banda desfilasse apenas no sábado - “... mas se a banda saísse pelo menos dois dias o carnaval teria outro colorido de alegria” -, fechando o texto com um “mais uma vez, parabéns”.
No dia anterior, na edição de quinta-feira (05.03), o “Alto Madeira”, sob o título “Vai Quem Quer: banda levou todos”, registrara: “Até os que não gostam de carnaval ou mesmo os que não participam da festa aplaudiram a idéia do Manelão de promover a Banda do Vai Quem Quer, que saiu na tarde de sábado arrastando uma multidão pelas ruas da cidade, cantando uma música que acabou marcando as diversas festas dos clubes porto-velhenses”. Termina manifestando a “esperança de que em 82 a Banda do Vai Quem Quer venha outra vez alegrar a cidade”.
De acordo com os jornais, o carnaval de 1981 foi dos mais tranqüilos, anotados um homicídio, dois afogamentos e um estupro. A polícia deteve 70 pessoas, 14 por embriaguez, liberando 59 na quarta-feira. No período, o Estado registrou 266 ocorrências policiais, 95 na Capital e 171 no interior. Totalizando 100,5 pontos, o Grêmio Recreativo Escola de Samba Pobres do Cairí levou o campeonato. Não sem os protestos irados da Diplomatas do Samba, cujo presidente, Heitor Luiz da Costa Júnior, decretou que, em represália, a escola não participaria do desfile das campeãs.