Já está disponível na Netflix um dos mais tristes e revoltantes documentários já produzidos, relatando com detalhes o que foi a tragédia do Astroworld Festival, ocorrida em 2021, na apresentação do rapper Travis Scott, na cidade de Houston, no Texas (EUA). Intitulado "Desastre Total: Festival Astroworld", esse evento foi notícia em todo o mundo e chocou da forma como aconteceu, ainda mais porque os desdobramentos não foram tão satisfatórios para os parentes das vítimas.
O documentário, apesar de não ser longo, explora com detalhes trazendo um contexto de previsibilidade sobre os eventos que levaram à morte de dez pessoas, com entrevistas reveladoras e emocionantes - a da mãe que perdeu o filho é absurdamente dolorosa-, incluindo de sobreviventes, paramédicos e a equipe que participou do festival.
Travis Scott é músico e um dos maiores rappers da atual cena musical norte americana, ele consegue lotar arenas e estádios e com shows envolvendo pirotecnias - explosões, fumaça, luzes e efeitos grandiosos. Suas músicas são sucessos entre os jovens de diversas classes sociais, principalmente periferia. Um astro pop em ascensão no show bussines quando esse show trágico ocorreu.
A contextualização histórica da criação do festival situa bem o grau de fanatismo e catarse que o músico provoca nos moradores de Houston. Astroworld era um gigantesco parque de diversão que atendia a comunidade e fez muito sucesso entre os jovens, quando foi fechado deixou uma lacuna social e de diversão.
Travis cita que quando já fazia sucesso e seus shows estavam entre os mais concorridos, teve a ideia de realizar um festival de música no local onde funcionava o parque, aproveitando para ativar alguns brinquedos icônicos. Com o aval da prefeitura e de uma companhia especializada em organização e administração de espetáculos - a LiveNation - ele realizou a primeira edição em 2018, e a segunda em 2019; porém, com a chegada da pandemia da Covid-19, a edição de 2020 foi cancelada e houve o lockdown.
Quando em 2021 foram flexibilizados os eventos, logo veio o anúncio da terceira edição do Festival Astroworld 2021, prometendo ser o maior já realizado, superando as edições anteriores. Com dois palcos, sendo um para artistas convidados e o outro, o principal, para Scott.
O documentário fixa nas entrevistas com os sobreviventes, contando expectativas e a preparação de caravanas de jovens que iriam participar do evento.
Vale ressaltar o esmero técnico das filmagens, com uma ótima fotografia, e no uso perfeito das imagens da época mostrando anúncios e até trechos da edição de 2019, o quando o público enlouquecido lotou a arena onde ocorreu o show.
Claro, desde o início e até quem acompanhou as notícias na época sabe que tudo é um prenúncio para uma tragédia anunciada. E as imagens são claras e muitas delas, mostrando por exemplo quando houve uma confusão generalizada na entrada do espaço, com a polícia confusa e os seguranças sem preparo algum para lidar com dezenas e milhares de adolescentes e jovens quebrando catracas, sensores e arrebentando as cercas de proteção.
Sendo que o festival tinha conseguido o feito de vender 50 mil ingressos em meia hora, através do site da empresa responsável, LiveNation.
Entre os entrevistados, estão uma enfermeira, um paramédico que trabalhou na noite da tragédia e foi contratado para o evento, a fotógrafa oficial - que se desligou da LiveNation depois do ocorrido - e seguranças, com depoimentos chocantes e que narram o terror que foi quando o show de Travis Scott iniciou e por uma hora, sem que o cantor percebesse havia uma ala inteira do público passando por uma situação fatal, de compressão, sufoco e esmagamento.
O absurdo é ver dezenas de vídeos feitos por celulares mostrando as cenas de puro horror de gente caindo, paramédicos atendendo no chão, em frente ao palco dezenas de pessoas passando mal e com ataques cardíacos. E o show de Travis rolando sem qualquer parada.
O diretor do documentário, Yemi Bamiro, consegue dar emoção e criar uma atmosfera de desespero ao conseguir isolar personagens reais que vivem aquela situação com trechos das entrevistas em off dessas mesmas pessoas. O efeito disso é provocar a imersão do espectador.
Os momentos após a tragédia tem uma carga emocional acentuada pelos parentes e amigos das vítimas e ao depararmos com a entrevista do músico após o incidente, e ele afirmar que lamentou, mas não havia sido avisado do que ocorria. Sendo que todo o desespero das consequências da superlotação estavam ocorrendo em um dos lados do palco. Parece descaso.
Vou evitar contar aqui os apontamentos que um especialista que trabalha com consequências de tragédia em eventos públicos contratado pela LiveNation fala, mas em sua entrevista ele diz: "eu não deveria contar o resultado da investigação, mas foi algo tão absurdo que as pessoas precisam saber".
Claro, a mídia, a imprensa expuseram as minúcias de todo o processo do caos daquele evento. Os advogados das famílias das vítimas se tornaram o centro das atenções com a exposição dos bastidores e a falta de organização do show.
O resultado de tudo isso? Como mostra bem o documentário e, talvez, por isso ele tenha sido feito, só vendo pra crer.
Um dos melhores lançamentos da Netflix esse ano.