Artista já esteve em turnê pela região e disse ao Rondoniaovivo que quer voltar em breve e por mais tempo
Foto: Isabel Teixeira posa caracterizada como Helena Aranha, em Elas por Elas - Divulgação/TV Globo
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São Paulo (SP) - Atriz, diretora e dramaturga premiada, com 40 anos de carreira, Isabel Teixeira tem uma grande trajetória no teatro e passou a ser conhecida nacionalmente após ter arrebatado o público brasileiro com a personagem Maria Bruaca, interpretada no remake da novela Pantanal, da TV Globo, em 2022.
Em setembro de 2023, Isabel retornou às novelas na estreia do remake de "Elas por Elas", no ar na faixa das 18h da TV Globo. Ela interpretou Helena Aranha, vilã da trama que foi da inesquecível Aracy Balabanian na primeira versão, exibida na década de 80.
Formada pela Escola de Arte Dramática da Universidade de São Paulo (USP), Isabel trabalhou com os principais diretores teatrais do país ao longo da sua carreira, entre eles, Enrique Diaz, Christiane Jatahy, Felipe Hirsch e Cibele Forjaz.
Na televisão, antes de Pantanal, Isabel Teixeira participou de "Amor de Mãe", novela de Manuela Dias, na qual interpretou a médica Jane, e da série de suspense "Desalma", da Globoplay, em que deu vida à personagem Anele.
Após Pantanal, a atriz protagonizou o episódio "Falas Femininas" do especial da TV Globo "Histórias (Im)Possíveis". Também conhecido como projeto "Falas", foi escrito por Renata Martins, Jaqueline Souza e Grace Passô, teve direção artística de Luísa Lima e contemplou temas como a Mulher, o Indígena, orgulho LGBTQIA+, o idoso e a consciência negra.
Foto: Divulgação/TV Globo
Isabel Teixeira é filha da atriz Alexandra Corrêa e do músico Renato Teixeira e cresceu nas coxias teatrais. Toca violão, flauta e piano e mantém também o hábito esportivo da corrida. Quando acabou de gravar "Pantanal", retomou o projeto de montar sua editora artesanal, a "Fora de Esquadro", que lança neste ano.
Os livros "Janelas para o Chão", de sua própria autoria, e "Avelã (um romance de gaveta") e "H.Tel & Soul (cartografia para um incêndio)", de Virgínia Rey, pseudônimo de Isabel, serão os primeiros projetos lançados pela Fora de Esquadro.
E diante dessa carreira irretocável, o Rondoniaovivo tentou de várias formas encontrar Isabel Teixeira, carinhosamente chamada de Bel pelas pessoas mais próximas. Seja no Rio de Janeiro (RJ) ou em São Paulo (SP) para um bate-papo presencial.
Porém, como ela estava na reta final das gravações de Elas por Elas e com outros projetos já “no gatilho”, a assessoria nos informou que as respostas das perguntas seriam dadas de forma remota.
Apesar da nossa tristeza em não poder encontrar pessoalmente uma grande estrela do teatro e da televisão brasileira, fica o nosso agradecimento às Júlias (Enne e Thuin, da Agência Enne, que cuida da assessoria de comunicação de Bel) que nos atenderam com gentileza, e em nenhum momento, dificultaram nosso acesso à Isabel Teixeira.
Isabel Teixeira em sua casa/ateliê em São Paulo (SP) - Foto: Arquivo Pessoal
Então, veja a seguir toda a entrevista feita com a atriz, diretora e dramaturga Isabel Teixeira:
Rondoniaovivo – Você sempre atuou no teatro, com décadas de carreira. Como surgiu o convite para trabalhar em televisão?
Isabel Teixeira: Agora, são 40 anos de teatro. Trabalhei em televisão em 2019, mas sempre fiz participações. O audiovisual nunca foi uma veia mestra. Sempre foi uma participaçãozinha ali, uma ponta aqui. Sempre fazia despreocupadamente, nunca tive esse ímpeto de entrar nesse mercado.
No teatro criei meu próprio mercado, tenho uma certa liberdade. Eu produzo, eu escolho o que vou fazer. Eu sempre trabalhei, desde os 10 anos eu trabalho ininterruptamente. Outro dia me falaram, Felipe, que eu sou viciada em trabalhar. E eu discordo, porque o vício é uma coisa nociva para gente. O trabalho é uma coisa muito salutar e saudável. Eu sempre fui nesse fluxo de sempre emendar um trabalho depois do outro no teatro.
Eu me especializei em várias coisas no teatro: eu escrevo, eu dirijo, eu atuo. Eu dei muitas aulas. Inclusive é algo que eu tenho muitas saudades e vou voltar a fazer. Me complementa muito, é uma troca muito intensa. Dar aula de dramaturgia, dar aula de interpretação. Eu tinha passado 1 ano trabalhando em Paris, no Teatro Odeon, e fiquei lá uns 6 meses em Paris, depois fui excursionar uns 6 meses e eu já vinha de um trabalho continuado.
Eu volto pra cá [Brasil] no finalzinho de 2018 e o cenário onde eu atuava era, os locais onde eu dava aula estava tudo um pouco parado, culturalmente aqui em São Paulo e no Brasil. E eu pensei: E agora? Eu estava excursionando desde 2006 com duas peças. E eu cheguei e tive esse choque de encontrar o cenário paulista meio modificado. Mas eu já tinha decidido que eu ia parar de atuar fora.
Coincidentemente, eu recebi um telefonema, porque o Carlos Manga Júnior queria para um personagem dele em uma série chamada Desalma. Eu achei muito interessante esse convite, não era para um teste, para nada. Ele me queria para fazer essa personagem. Foi muito bom e fui! Foi muito bom! Trabalhei ali com a Cláudia Abreu, com um elenco jovem, mas que eram muito mais experientes do que eu no audiovisual.
Gostei sabe? E aí fui chamada para fazer Amor de Mãe pelo [José Luiz] Villamarim.
Foto: Reprodução/TV Globo
Rondoniaovivo – Você teve papel destacado em Amor de Mãe, como Jane, amiga fiel da vilã Thelma, feita por Adriana Esteves. Deve ter encontrado em cena e nos bastidores com nomes como Regina Casé, Taís Araújo, Ísis Valverde, Humberto Carrão e outros. Como foi essa primeira experiência direta com televisão, teoricamente pela primeira vez?
Isabel Teixeira: E continuando o que estava falando na primeira pergunta, eu gravei por mais tempo do que na Desalma. E voltando um pouquinho pra lá, essa convivência que eu tive com a Cláudia Abreu, e depois a gente continuou trabalhando um pouco juntas, eu colaborei ali no início da peça dela, sobre a Virgínia Wolff, dando um workshop sobre escrita na cena para ela e para atores que escrevem.
Isso foi um encontro para mim. A Cláudia tem muita experiência na televisão. Encontrei no set de Amor de Mãe a Adriana Esteves, com quem eu encontrei e foi um grande encontro para mim. É uma atriz tão apaixonada pelo ofício que ela faz, no dia-a-dia do set e paixão é uma coisa tão forte... Eu vislumbrei como ela lida com esse cotidiano que a teledramaturgia tem do ator, como ela lida com isso, a paixão dela.
E eu acho que pegou em mim, de alguma maneira. A gente tem caminhos de vida tão diferentes, eu e ela. E a gente troca tanto quando estamos juntas. É tão bonito ver a paixão dela que eu pensei: eu acho que estou gostando de fazer isso. Estou gostando dessa brincadeira séria de fazer novela. E ali começou esse meu ‘apaixonamento’ ainda em desenvolvimento, e principalmente, o meu aprendizado.
A diferença, Felipe, entre teatro e televisão é que parece que joguei futebol a vida inteira e aí em 2019 falaram para mim: Bel, o objetivo é o mesmo, a bola tem que ir pro gol. A diferença é que em vez de você jogar com o pé, você tem que jogar com a mão. É como se eu tivesse passado do futebol pro handebol.
A televisão tem uma especificidade muito grande, todo o tempo você aprende e eu estou me colocando no lugar de aprendizado diário com os colegas e com a direção, trabalhando há tantos anos na TV Globo. E tem as outras funções, como a continuísta, o que acontece na caracterização, toda a relação com a produção. É uma máquina! Tem seus instrumentos específicos e eu estou aprendendo a brincar com eles.
Tem o encontro com atores com mais experiência é meu manancial. Adriana [Esteves] foi isso. Regina Casé é um acontecimento, com quem eu me relacionei em Amor de Mãe. Depois eu fui tendo sorte né? O encontro ali com Juliano Cazarré, Murilo Benício, Marcos Palmeira e Dira Paes. Eu fui aprendendo com a convivência com pessoas que tem muita experiência.
A gente sabe fazer novela né Felipe? E todas essas pessoas que eu citei estão fazendo novelas há muitos anos e eu sou uma aprendiz ainda.
Foto: Jorge Bispo
Rondoniaovivo – Você explodiu como Maria Bruaca, no remake de Pantanal. Você assistiu a primeira versão para compor a personagem?
IT: Sim! Assisti com devoção. Assisti a primeira versão que passou na TV Manchete. E quanto recebi o convite, assisti inteirinha no YouTube. Tem lá... E assisti com devoção, porque ainda era o finalzinho da pandemia, finalizando tudo e vendo no iPad, organizando tudo e vendo o que a Ângela Leal [atriz que fez Maria Bruaca na primeira versão e mãe de Leandra Leal] e eu acho o trabalho dela deslumbrante!
E durante toda a novela eu citei isso, eu frisei como se ela tivesse sido uma das autoras. Porque quando o Benedito Ruy Barbosa escreveu Pantanal, era uma obra aberta. E com isso, o ator também compõe e o Benedito não sabe o que vai acontecer lá no final. E a Ângela escreveu a Maria Bruaca e eu falava para ela: que a Maria Bruaca era nossa, que ela era autora dessa personagem.
Então sim, além de rever a novela original, me inspirei. Não sei se você reparou, mas a Maria Bruaca sempre tinha um copinho com água e limão, que nada mais era na minha brincadeira da ficção, era pinga com limão! E tinha o cigarrinho que a Ângela Leal fumava escondido na primeira versão. Tinha um jeitinho que a Maria Bruaca falava “Alcides”, que eu falava e era o tom dela. Eu honro muito, Felipe, quem veio antes.
Na minha formação tem isso. Como eu estava te falando, com o aprendizado que eu tenho com atores mais experientes, sempre tive isso no teatro, sabe? Eu honro o chão do palco que já foi pisado por tantos outros atores antes de mim. E eu aprendo muito com quem veio antes.
Rondoniaovivo – Como foi fazer a Maria Bruaca, ela que lutou contra o machismo e todo o tipo de opressão que milhares de mulheres sofrem todos os dias?
IT: Em relação à Maria Bruaca, eu fui entendendo quando a novela entrou no ar, onde a personagem foi tocando. E eu ainda estou entendendo até hoje, sabe Felipe? Se a gente pega a Maria Bruaca e o Tenório [Murilo Benício] nunca encostava a mão nela. Existe ali um abuso verbal, de posição, que são coisas que nós não podemos mais aceitar.
O Brasil é gigantesco e o que ele fazia com ela. Fazer ela se submeter aquilo, a situações onde ela perdia a própria dignidade. De repente, ela acordar para o mundo, enxergar o mundo de outra maneira, ir se descobrindo... A verdadeira descoberta da Maria Bruaca não é nem o Alcides [Juliano Cazarré], porque se não a gente estaria repetindo a mesma história.
Quando ela vai para chalana, se relaciona com o chalaneiro enquanto amiga, como amizade, ele resgata ela, dá um chão possível de se viver, ela se basta, ela se encontra com ela mesma. E é tão bonito aquilo! Eu acho que tem um Brasil que precisava ouvir isso, a situação da Maria Bruaca com o Tenório, ele xinga, ele mente. É um tipo né? Existem outras coisas que estão arraigadas no nosso universo, na nossa cultura, a gente não pode olhar para isso e achar que é normal.
Quando a Maria Bruaca vai para a casa do Zé Inocêncio, ela tem uma descoberta ali que é o abuso patrimonial, ela entende. Lembra que vai lá uma advogada? O Zé Leôncio ajuda. Muitas mulheres sofrem isso, não só as mulheres. Então a gente foi colocando os pingos nos is e vendo situações que a gente não via antes.
Então a personagem veio em uma hora que são situações que o Brasil precisava ver, que o Brasil profundo estava querendo se apoiar em alguma coisa, sabe? Bota o cropped e reage mulher! É um movimento e eu sinto que essa personagem veio na onda desse movimento.
E revendo sua pergunta, você questiona o quanto todo o tipo de opressão que milhares de mulheres ainda sofrem todos os dias né Felipe? Hoje em dia, minha mãe teria 75 anos e ela lutou contra essa opressão. Minha avó, minha bisavó, que eu conheci minha bisavó, tinham histórias de luta.
É uma luta de muitos e muitos anos e a gente tem que reaprender, o que está arraigado na gente, o quanto de machismo a gente tem... Tudo que vem somar essa reflexão e esse aprendizado social coletivo é muito bem-vindo. A novela, essa personagem e a situação dessa personagem veio somar no aprendizado.
Foto: Jorge Bispo
Rondoniaovivo – Como você encarou e encara a fama e a visibilidade dadas pela televisão?
IT: Acho que eu tô... Não sei. Ser reconhecida na rua, disso que você tá falando, pra mim é o trabalho né? É o trabalho que faz isso. Como é meu trabalho que faz com que essa visibilidade me seja atribuída, eu digo sim, porque eu trabalhei muito até agora e vou trabalhar muito mais!
E no teatro essa visibilidade é muito menor, quase artesanal! Eu sempre gostei dessa troca do hall do teatro, de como a arte pode tocar as pessoas. E agora é muito mais gente! Eu me sinto muito feliz, porque é a continuidade do trabalho e resultado do trabalho. E eu vou te falar uma outra coisa Felipe, não muda minha vida. Eu sou uma trabalhadora. Estou te falando isso desde o começo: eu gosto de trabalhar. Eu gosto de dizer que trabalho é concreto.
Durante esses 10 meses de Elas por Elas, trabalhei diariamente. É obra aberta, virou uma obra aberta e a gente já previa isso. Eu tinha uma disciplina, eu gosto da disciplina do trabalho. Sempre fui assim: caseira e apaixonada por trabalhar! Então, a fama e a visibilidade são uma consequência que vem do trabalho. E isso é muito gratificante para mim! Sempre foi gratificante.
Toda vez que eu vou entrar em cena, eu falo para mim mesma uma oração, que é um pequeno poema do Dylan Thomas [poeta galês], que eu amo e descobri quando eu estava na escola de arte dramática aos 20 anos e falo sempre para mim mesma. Tem um trechinho que ele fala assim: - Trabalho é a luz que canta. Trabalho junto à luz que canta, não por glória ou pão, nem por pompa ou tráfico de encantos nos palcos de marfim, mas por mínimo salário do seu mais secreto coração.
Essa comunicação, sabe Felipe, do mais secreto coração, do meu instrumento de trabalho, com meu instrumento do corpo, eu toco o coração das pessoas. Pode ser duas, três, um milhão, 13 milhões. Isso sempre vai ser muito gratificante. Não se trata aqui de uma questão de números, mas de profundidade, sabe? Quando eu entro em um teatro pequeno para fazer uma peça para uma plateia pequena, eu faço com o mesmo amor que eu entro no set, que eu sei que estou trabalhando para uma gama muito maior de pessoas, sempre com a mesma dedicação.
Rondoniaovivo – Você estava em Elas Por Elas, outro remake de novela com grande sucesso. Também assistiu para compor a sua atual personagem, Helena, que na versão anterior foi feita pela grande Aracy Balabanian, falecida recentemente?
IT: Assisti a novela em 82 e revi de novo, porque sou dessas. Fiz algumas homenagens a Aracy, com quem eu conversei antes dela falecer. A gente prometeu se encontrar, ela via Pantanal. No começo da novela, eu falei: Jonas, você está ‘bêbedo’. Era uma coisa que ela falava para o Jaime, e eu falava Jonas. Como te falei: sempre reverencio os atores e atrizes que vieram antes.
Estudá-los é uma forma de reverenciá-los, e citá-los também é uma forma de reverenciar. No remake de Elas por Elas, diferente do remake de Pantanal, a partir de um momento, vira uma obra aberta. E a novela, enquanto proposta, tinha um outro ritmo, de outro formato quase, sabe? Eu também trabalhei com isso sabe? De reverenciar, mas estar porosa para o que a novela propunha.
É quase um reboot [reinicializar em inglês], não um remake. Onde você redesenha a novela e a partir do capítulo 100, vira uma obra aberta, onde eu estava super afim de fazer, porque no Pantanal eu já sabia a curva da personagem, eu já sabia onde ela ia chegar. E a partir do capítulo 100, eu não sabia o desfecho da Helena. E a gente vai recebendo os blocos semana a semana. Então é uma aventura e um trabalho árduo, mas eu adorei fazer!
Foto: Jorge Bispo
Rondoniaovivo – Esta é a sua terceira novela, sendo o segundo remake. Como é a composição das suas personagens? Tem algum truque? Algum processo mais metódico que você gosta de seguir? É igual o processo do teatro?
IT: Nossa Felipe! Essa pergunta eu teria que ter umas duas horas pra te responder, mas vou começar do final pro começo. Não, meu processo tem semelhanças com o processo do teatro, mas como eu te falei, os instrumentos que eu preciso dominar na novela são muito diferentes do processo do teatro.
Por exemplo, no teatro eu vou repetir a mesma peça todas as noites e tenho que levar vida para a repetição. Eu refaço o percurso, mas com vida nesse mesmo percurso, mas não automaticamente, entende? E na televisão a gente faz uma vez, e vai para frente [estala os dedos]! Não é a arte da repetição, é da vida contínua que vai para frente, totalmente diferente.
Sou uma aprendiz da teledramaturgia e adoro esse aprendizado. Acho muito diferente do teatro. Mas, sim, tem coisas semelhantes e falaria uma hora sobre isso com você e vou tentar resumir. Eu tô aqui na minha casa, que é minha editora, e é um universo que eu construí com a vida. Com meus livros, meus escritos, meus cadernos. Toda a peça que eu faço, tem um caderno que eu mesma produzo. Eu tenho uma coisa analógica com texto, com papel. Decupar a peça, a novela, desenhar. E isso eu fiz com a novela também.
Eu tenho um caderno de Pantanal, de Elas por Elas, lugares onde eu vou anotando coisas. E faço colagens com recortes. São partes que eu trago de mim. É um lugar que eu chamo de ateliê, editora-ateliê. Onde vou buscar referências, é um manancial criativo que eu tenho aqui, que eu construí na vida. E ele é comum. Se eu for fazer um livro para editora, se eu vou fazer uma novela, eu parto desse ateliê primordial, o princípio todo é do ateliê. Aqui eu me inspiro, sabe?
Não há truque, é entrega! Você pergunta se eu tenho algum processo mais metódico, eu não me fecho em método, principalmente na televisão. A cada peça que eu faço, eu entendo o que essa peça vai pedir do meu corpo, das minhas leituras. Na novela não existe método nem metodologia. O método às vezes ele engessa. Eu posso utilizar métodos que aprendi na minha vida, mas não fecho em um.
Porque eu acho que o barato são as formas de fazer e a obra pede o jeito, a obra pede a própria metodologia dela. E uma nunca vai ser igual a outra. Uma novela nunca vai ser igual a outra. Como eu criei a Maria Bruaca vai ser muito diferente do jeito que eu criei a Helena, como eu criei essa disciplina do trabalho que eu te falei. Tem diferenças e eu trabalho em função da obra. Eu reverencio, e sempre falo dessa palavra, em função do que a obra pede e me entrego. Então, não há truque, há entrega.
Rondoniaovivo – Quando você está fazendo novelas, tem tempo de produzir, ensaiar e fazer peças?
IT: Fazer novela é algo novo para mim, e principalmente, porque moro em São Paulo e a novela é gravada no Rio de Janeiro, então exige de mim, um mergulho muito grande. Eu achava que eu iria conseguir fazer duas coisas ao mesmo tempo, uma novela e uma peça e eu ainda não consigo.
A novela me exige um deslocamento, e por isso mesmo, uma concentração durante o processo. Eu me concentro muito. Como te falei, a disciplina que o trabalho exige e eu vivo nisso, o tempo que for necessário. E sempre volto para casa para me energizar aqui no meu ateliê, mas fazer novela não é uma coisa fácil. Muito pelo contrário: demora muito tempo!
Poxa, eu estava gravando praticamente todos os dias, são muitas horas, e exige muito da gente. E quando eu não estava gravando, estava decorando texto, gravando, ali nos cadernos, tentando entender o caminho geral da personagem. Então, não me vejo fazendo uma peça e uma novela ao mesmo tempo. A não ser que a peça já esteja pronta, porque novela exige muito!
Foto: Jorge Bispo
Rondoniaovivo – E os planos futuros? Outra novela, série, filme ou peça teatral? Ou descanso e viagens?
IT: Adorei essa pergunta – descanso e viagens! [e dá uma gargalhada] Não, não. Já estou trabalhando aqui, vou voltar para o teatro, porque essa novela eu fiquei bastante tempo envolvida e foi incrível. Mas eu tô colaborando na escritura de uma peça, eu vou dirigir um grupo aqui de São Paulo e vou fazer uma peça como atriz ainda esse semestre. E aqui na editora, que chama Fora de Esquadro. Estou montando essa editora há alguns anos já e o primeiro livro vai ser publicado.
É uma editora que não tem viés de mercado. São todos artesanais, eu faço todos eles à mão, eu mesmo encaderno, imprimo, corto... Eles são assinados e a tiragem é mínima, assim, de 50 exemplares, eu vendo pessoalmente. É uma coisa super-artesanal e que eu me dedico muito, minha pequena editora, esse sonho de adolescência que tô realizando agora e tô colocando muito prazer em fazer isso.
Eu ainda tenho alguns áudiolivros para gravar na Super Sônica, da Annie Ernaux [escritora e professora francesa], não sei se você viu isso, mas tem algo no meu Instagram sobre isso. Eu sou uma trabalhadora nata, então a diferença que aqui em São Paulo, eu trabalho em casa. Até a peça que eu vou fazer, eu vou ensaiar aqui no ateliê.
Rondoniaovivo – Você é filha de um dos mais respeitados compositores e cantores do país, Renato Teixeira. Você tem tempo de vê-lo sempre? Como é o contato de vocês? Vocês se veem bastante? Como ele vê o seu sucesso como atriz, já que ele também é um artista?
IT: Sim, meu pai. Eu fui criada pela minha mãe, no cotidiano, no dia a dia. Meus pais se separaram quando eu era muito pequena, e na década de 70, não existia isso da guarda compartilhada. Então, a relação com meu pai, desde quando eu tinha dois anos, ela aconteceu muito pelo telefone. E hoje em dia eu acho isso muito lindo, sabe Felipe? Era a voz dele no meu ouvido e a minha voz no ouvido dele. Então, a gente dialogou muito. A ausência dele no cotidiano do lar, foi suprida por esse contato com a palavra que a gente teve.
A nossa relação cresceu muito pela palavra. E hoje em dia ainda é assim, então a gente se fala muito, sempre por telefone. E olha que engraçado, Felipe, que eu pensei agora: a tecnologia cresceu a nosso favor, porque a gente se falava pelo telefone na década de 70, 80, 90. E hoje em dia a gente faz chamada de vídeo. Às vezes eu nem sei onde ele está, às vezes nem ele sabe onde está, porque viaja muito!
Parece que a gente iniciou uma conversa quando eu tinha uns 3, 4 anos e que essa conversa não acabou ainda, sabe? Porque a gente troca muito, a gente troca muita ideia. A gente tem muito assunto, eu e ele. É sempre muito bom falar com ele! A gente fez essa ponte de palavra na nossa relação e isso fez com que ele fosse e ainda seja muito presente na minha vida.
Ainda agora, eu estava conversando com você e eu parei de gravar, e desci porque ele veio me trazer uma câmera Nikon, analógica, de filme, que eu vou levar para consertar em uns caras que consertam câmera analógica aqui no Centro da cidade. Então a gente também é meio nerd, eu e ele. A gente gosta de umas coisas parecidas, do que é analógico da fotografia, das máquinas de escrever, dos textos. A gente tem muito em comum, nós dois.
Agora, em relação à minha profissão, ao teatro e tal, meu pai é músico, é outro planeta praticamente. Então, minha profissão, meu caminho no teatro foi totalmente independente do trabalho dele. Eu fui criada com minha mãe, comecei a fazer teatro com ela e vivi uma vida paralela artisticamente do que meu pai viveu. Isso também é muito interessante, porque a gente também troca muita ideia.
São experiências muito diferentes e às vezes as pessoas falam: - Ah, claro, ela é atriz, é filha do Renato Teixeira, tá no DNA. Não, não está no DNA! Não é de DNA, se não, seria tudo fácil. Tudo! E nunca foi fácil para mim, eu sempre construí minha carreira tijolo por tijolo, num desenho mágico, como diria Chico Buarque. Eu construí minha carreira e construí sozinha.
Sozinha assim, né Felipe, nunca é sozinha. Eu fui conhecer pessoas, imagina, o próprio Almir [Sater], a turma do meu pai, o Pantanal, que é um lugar... Eu nunca tinha ido! Eu nunca convivi com o Almir, só convivi agora no Pantanal. Fui descobrindo esse universo do meu pai, que é tão lindo! Escutando muito ele, eu gosto de escutar ele. Não é uma coisa que cresci ouvindo.
E profissionalmente, eu construí cada passo da minha carreira, independente dele. Isso é muito bom entre nós dois, porque a gente troca muita ideia. É uma relação de troca, é muito saudável, falando familiarmente. A gente teve sorte de conseguir conduzir nossa relação por esse caminho tão bonito que a gente fez, juntos, eu e ele.
Foto: Jorge Bispo
Rondoniaovivo– Qual a mensagem que você deixa para as meninas ou adolescentes que sonham em ser atriz no Brasil?
IT: Ah, nunca ninguém me perguntou isso, Felipe! Existe uma coisa que eu acredito muito, que é a vocação e trabalho. Se o objetivo é fazer sucesso, não há trabalho. O sucesso é consequência do trabalho e ele é relativo. Antes de fazer televisão, eu já me achava uma pessoa de sucesso, porque sucesso é você ter um dia belo e útil. Um dia cheio de coisas gostosas pra fazer... Um dia que você se sinta vivo!
Então, para as jovens e adolescentes, ver se é isso mesmo, sabe? Se o teatro, no caso dele, você esteja ávido para aprender, esteja vivo, esteja prazerosamente vivendo o seu o dia! Precisa de fôlego pra permanecer. Nunca foi fácil para mim permanecer no teatro. Eu sempre tive vontade de desistir, mas eu continuava! Porque isso é vocação e toda vez que eu começava um projeto, uma coisa, meu dia, acho que você sabe do que estou falando, quase uma coisa cinematográfica, quando você está gostando de viver...
Aí você se veste, toma um café, está feliz e pleno com o dia que você vai ter! Hoje eu acordei, tive ensaio de manhã, eu acordei tão feliz, porque eu ia estrear o caderno que eu fiz pra peça. Um universo se abrindo à minha frente, que é desconhecido, mas eu tenho coragem o bastante para ir... E descobrir o que ele é, porque a gente não sabe tudo.
Essa juventude dos ‘inícios’, dos começos, ela tem que ser forte para que ela permaneça durante toda a vida. Então, respondendo sua pergunta objetivamente, então esses adolescentes e jovens que queiram ser atores e atrizes, fiquem sozinhos um tempo, respirem, e se conectem com o mais profundo deles mesmos, todos os dias e perguntem para eles mesmos: isso é bom para mim?
Se tiver sendo bom para você, esse é o caminho. Aí tem que confiar nele. Se tiver fazendo muito mal... Minha mãe falava uma coisa linda para mim: toda vez que você entra em um lugar, saiba onde é a saída, porque você sempre pode sair. Sempre! Então essa é a dica que eu daria... Se pergunte se isso realmente é bom para você. E bom para você é estar independentemente de sucesso, de projeto, de papel, de personagem, de dinheiro!
É você estar vivendo um dia belo e útil. Esse dia belo e útil é um verso final do [Bertold] Brecht. Um poema chamado “Conselho a uma atriz CN”. E vou declamar para você, pois faz parte do meu conselho aos adolescentes e jovens. E é assim:
“Refresca-te, irmã, na água
Da pequena tigela de cobre com pedacinhos de gelo –
Abre os olhos sob a água, lavá-os –
Enxuga-te com a toalha áspera e lança
Um olhar no livro que amas,
Começa assim
Um dia belo e útil”.
E ele me diz muito, porque a gente tá no caminho bom que é bom pra gente. Só por olhar para o caderno, pro livro e estar pleno. Viajei aqui tá, Felipe? Mas estou sendo muito franca com você. E estou gostando muito de falar isso, porque é muito verdadeiro pra mim.
Isabel Teixeira como Maria Bruaca em Pantanal - Foto: Divulgação/TV Globo
Rondoniaovivo – Você conhece algum estado da Amazônia? Se não, tem vontade de conhecer qual? Se sim, pretende voltar quando?
IT: 2009, 2010 eu estava grávida da minha filha e fui pedir “ritualisticamente” o nascimento dela ali onde o Rio Negro encontra o Solimões [em Manaus] em um barquinho. Sabe quando você pede um desejo e joga ele em um poço? Eu fui ali pedir. Eu quis muito ter ela, minha segunda filha. A primeira também, mas eu queria muito que fosse menina.
Aí uma amiga minha falou: - mas onde o Rio Negro encontra o Solimões é a encruzilhada mais feminina do mundo, pede lá. E eu fiz uma turnê, que durou sete meses e começou em Manaus, onde eu fiz esse pedido e depois eu engravidei da minha segunda filha. E continuei fazendo essa turnê pelo Norte. A gente foi pro Acre, em Boa Vista, Roraima, Macapá, no Amapá e foi muito lindo isso.
Eu e Georgette Fadel com a peça Rainhas, a gente excursionou por toda a região Norte. E sempre tinham os rios ali e foram sete meses, onde a minha barriga foi crescendo durante a peça. Eu tenho muita sorte com essa região toda, do Norte do país por conta disso. Fora que a gente fazia a peça de forma quinzenal, porque você sabe muito bem, para chegar em Manaus são duas... baldeações de avião. Para chegar em Boa Vista foi difícil, mas chegamos.
E eu grávida e as comidas... Eu falo que a Flora tem o Norte no sangue, pois eu estava gerando ela e comendo essas comidas incríveis! Fiquei forte, foi bom! Em nenhum momento me senti cansada e o jeito que eu era acolhida nesses estados... E no final da peça, sempre abríamos um debate. E eu fui percebendo nesses diálogos, com as pessoas de teatro locais, que o teatro no Brasil ele tem um poder muito grande. Só que nossa cultura ainda está muito centralizada.
Mas eu e Georgette ficamos muito felizes com a troca com as pessoas que nos recebiam e com o público. Foi muito rico e eu tenho um sonho que vou realizar que é refazer esse recurso por mais tempo, com minha próxima peça e na medida do possível. Eu me lembro muito de Boa Vista, me lembro muito de Manaus, de Porto Velho, dessa região do Acre, de Macapá.
Eu tenho uma vontade artística de levar peças, e não só levar peças, mas de ver peças nessas regiões. Eu tenho essa vontade ainda, porque foi um período muito rico da minha vida. De verdade! De troca forte... Vou voltar a fazer isso, Felipe.
Eu acredito muito em uma ampliação, em uma descentralização do manancial de cultura. O Brasil é rico em mananciais culturais. Tem uma riqueza e uma diversidade muito grande. Eu quero ser ativa nessa troca constante nesses quatro cantos, nesses mil cantos e os mil encantos desse país.
Atriz em cena de Elas por Elas, finalizada recentemente - Foto: Reprodução de vídeo/TV Globo
Rondoniaovivo – Vejo que você é bem engajada em vários temas atuais... Como procura dar sua contribuição com a preservação do meio ambiente e da nossa Amazônia?
IT: Um lugar tão forte como esse e tão vulnerável... Eu acredito no micro, na conscientização do dia a dia, nas pequenas coisas, na mudança de pequenos hábitos e na construção de uma visão que pode alcançar uma conscientização maior sobre a nossa importância e do nosso país. Dentro dele próprio. Quando eu cheguei em Manaus e vi essa potência e essa força... Eu viajei tanto pelo mundo e isso não existe em lugar nenhum!
É de dentro que a gente tem que aprender, Felipe, a valorizar, pois eu sou uma aprendiz também. Uma trabalhadora urbana, de São Paulo, eu tento aqui em casa, neste prédio onde estou, que eu chamo de micro. E nas minhas atitudes, inclusive dentro da Rede Globo, existe uma conscientização ambiental muito forte. De reutilização de coisas, de reciclagem muito forte.
Agora tem uma área na Globo de treinamento sobre isso, no dia a dia do trabalho, que eu trago aqui pro dia a dia de casa, porque eu acho que a ação de um, vira a ação de “uns”. E vira a realização de todos. Um dos lugares mais lindos que eu já fui e dá uma tristeza quando a gente vê como esses lugares, como a Amazônia estão tão vulneráveis.
Não é uma certeza que a gente consiga proteger. Não é nem uma questão política, claro que é uma questão política sempre! Mas eu acredito que a gente tenha que se conscientizar no indivíduo. E um pode contaminar positivamente o outro nessa conscientização, da gente viver de um jeito diferente. E isso não se constrói de uma hora para outra. Isso é uma construção de geração para geração.
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