ARTIGO: Onze teses sobre teatro de rua, pelo professor Adailton Alves

"Há, evidentemente, algo de seletivo e subjetivo nas teses ora apresentadas".

ARTIGO: Onze teses sobre teatro de rua, pelo professor Adailton Alves

Foto: Divulgação

Receba todas as notícias gratuitamente no WhatsApp do Rondoniaovivo.com.​

A minha prática e pesquisa, ainda que breve, pouco mais de duas décadas e meia, permitiu acumular algum conhecimento acerca da modalidade teatral de rua, de forma a buscar algumas sínteses – a eterna busca humana – ainda que não sejam fechadas, afinal outras experiências podem levar a outras interpretações. Portanto, há, evidentemente, algo de seletivo e subjetivo nas teses ora apresentadas.

1.      

Rua, um substantivo adjetivado pelo teatro. A rua como a conhecemos é um advento da modernidade, remetendo, portanto, ao seu aspecto urbano. No entanto, ainda que seja mais praticado nos centros urbanos, o chamado teatro de rua brasileiro se desloca pelas diversas geografias, tão distintas como é o Brasil: comunidades rurais, ribeirinhas, quilombolas, aldeias, entre outros espaços, não se restringindo a um fenômeno urbano. Assim, o substantivo adjetivado empobrece a experiência prática dessa modalidade teatral, que é muito mais ampla do que pode comportar um adjetivo.

2.      

O teatro de rua é democrático e democratizante. Por estar em um espaço que, em tese, é de todos e de todas, por não impedir o acesso a nenhuma pessoa, é uma manifestação democrática e, por isso mesmo, democratizante, isto é, possibilita que o público tome contato com uma linguagem artística que nem sempre é disponível a todos/as. Democrático por ir ao espaço público aberto, democratizante por não restringir pessoas, seja por idade, faixa etária ou pecuniária.

3.      

Ir às ruas é colocar-se em risco; é sempre um agón. Agón (gr.) é disputa, debate, mas também reunião, assembleia e o próprio lugar desse encontro. Assim, o teatro que se coloca na rua está em disputa. Disputa entre artistas e público, que podem interferir na obra; disputa para fazer do espaço ocupado um lugar de fruição; e uma assembleia, colocada pela temática apresentada. Perder ou ganhar é sempre o risco que corremos ao ocuparmos os espaços públicos abertos, mas, como afirma o manifesto do Movimento Escambo “Somos – pelo risco que corremos somos – teatro”.

4.      

Acessibilidade e porosidade, marcas do teatro de rua. Não basta estar nas ruas, é preciso ser acessível por outras vias, daí o uso constante de alegorias, cores fortes e demais signos das culturas populares tradicionais. Acessibilidade em sentido amplo. Assim como não se pode ignorar o lugar e as pessoas que ali estão, daí a importância da porosidade, ser como uma esponja que absorve as interferências e volta à sua forma original. Acessibilidade e porosidade resumem-se a uma verdadeira troca de experiências com os lugares e os públicos.

5.      

O passante torna-se espectador. Os espaços públicos abertos, muito raramente são pensados para a fruição, é por isso que a maioria do público não é convocado, mas acidental, isto é, depara-se com a obra à sua frente. Assim, de passante, de transeunte, ele torna-se um fruidor da linguagem teatral.

6.      

O todo é o espetáculo – antes, durante e depois. O espetáculo não é só o espetáculo propriamente dito, mas o antes já é espetáculo. Já há agón, diálogo e debate com o espaço e com as pessoas, que auxiliarão na construção do espaço propício para que ocorra o segundo momento, o espetáculo. Por isso, saber chegar e como chegar aos lugares é muito importante para quem faz teatro de rua, afinal, muitas vezes o lugar pode estar sendo ocupado. Então, ao chegar à praça já é teatro. Assim como o pós, afinal o diálogo continua com o espaço e com as pessoas. Aí forma-se todo um imaginário para quem acompanha do início ao fim, é como a montagem e desmontagem de um circo: tem o espaço, algo é montado e transforma aquele lugar; depois desmonta e, em tese, deveria voltar a ser o que era, mas não para quem presenciou esse processo, pois aquele lugar tem algo mais que seguirá vivo na memória de cada espectador, é um espaço transformado pela subjetividade.

7.     

Três figuras mitológicas sempre presentes: bêbado, cachorro e criança. Todo coletivo ou artista individual tem alguma história com um destes três componentes. O que é importante observar é que, para eles, a relação com a obra ocorre de forma diferenciada, pois há algo que os une em alguma medida: a quebra das regras sociais. A criança porque ainda não internalizou as regras totalmente, o animal por ser irracional e o bêbado por quebrar os limites sociais pela bebida. Por isso mesmo, as três figuras ousam mais que os demais cidadãos e cidadãs.

8.      

Da primeira matriz, a popular. Tenho defendido que no teatro de rua brasileiro é possível identificar três matrizes, isto é, características comuns que fazem com que identifiquemos elementos mais fortes da cultura popular, de um teatro político e de uma arte circense. Claro que essa divisão é didática, o que significa que coletivos e artistas, muitas vezes, misturem esses elementos. Ainda assim, podemos identificá-los.

 

Em sendo a primeira matriz a popular, a identificamos seja na recriação ou no forte traço presente das manifestações das culturas populares, sobretudo daquilo que Mário de Andrade chamou de danças dramáticas brasileiras, estando patentes aí, como exemplo, o bumba-meu-boi, o cavalo marinho, dentre outras. Assim, é recorrente no teatro de rua brasileiro a recriação, o uso como treinamento, fragmentos das manifestações, entre outros. A própria presença de estandartes na maioria dos coletivos, o uso do cortejo e da roda como espaço cênico, não deixam de ser elos com as culturas populares.

9.      

Da segunda matriz, a política. Esta matriz tem uma longa história, não tanto como a tradição popular, mas remontando, ao menos ao naturalismo, escola que levou o/a trabalhador/a à cena. Logo, trata-se de um teatro classista em que o político é explicitado sem tergiversações. No Brasil há uma história que remonta ao final do século XIX e início do XX com os anarquistas, passando pelos modernistas, ganhando fôlego no Teatro de Arena e se radicalizando no Movimento de Cultura Popular em Pernambuco e nos Centro Populares de Cultura, com experiência em diversas cidades brasileiras, mas que, no entanto, foi interrompida pela ditadura civil-militar, impedindo, inclusive sua radicalização estética. Esta matriz tem cunho agitpropista e épico-dialético.

10.  

Da terceira matriz, a circense. A terceira matriz é mais recente, apesar de vir de uma experiência popular antiquíssima, mas que ficou restrita ao mundo do circo, por assim dizer. Aprender a arte circense no Brasil, até algumas décadas atrás, só era possível para quem nascia no circo ou fugia com ele. É no final da década de 1970 que temos a experiência da primeira escola circense, que possibilitará o acesso a este conhecimento. Dessa experiência nasce a terceira matriz do teatro de rua brasileiro, calcada no virtuosismo (acrobacia, malabares, equilibrismo etc.) e no riso dos/as palhaços/as.

 

Nota: Há uma modalidade, por assim dizer, que não se constituiu em uma matriz e ainda é muito restrita à academia e ao eixo sul-sudeste, um teatro de cunho mais performativo (e outras tantas nominações que daí advenham). O que faz com que não o coloquemos como uma matriz é o fato de ainda não ter se espraiado pelo Brasil e, principalmente, ter muitos de seus expedientes de cunho popular, embora seus praticantes muitas vezes não o reconheçam. Essa forma teatral também tem história, pois é herdeira das vanguardas europeias e da contracultura, que, como se sabe, beberam em muitas fontes, sobretudo populares, não esqueçamos.

11.  

O riso como tônica. Não é possível saber se pela própria característica do povo brasileiro ou por outras condicionantes, o riso está presente na esmagadora maioria das manifestações teatrais de rua do Brasil, seja na forma farsesca, em tom de deboche, ironia, pelo grotesco etc. Como afirmou Henri Bergson, o riso se destina a inteligência, talvez isso explique essa busca de comunicação com o espectador. Afinal, pelo riso se chega mais suavemente e sem necessariamente criar identificação (característica do drama) com as personagens. Enfim, o riso integra, acolhe o espectador, mas este mantém o seu olhar distanciado.

Direito ao esquecimento

A política de comentários em notícias do site da Rondoniaovivo.com valoriza os assinantes do jornal, que podem fazer comentários sobre todos os temas em todos os links.

Caso você já seja nosso assinante Clique aqui para fazer o login, para que você possa comentar em qualquer conteúdo. Se ainda não é nosso assinante Clique aqui e faça sua assinatura agora!

Na sua opinião, qual companhia aérea que atende Rondônia presta o pior serviço?
Você ainda lê jornal impresso?

* O resultado da enquete não tem caráter científico, é apenas uma pesquisa de opinião pública!

MAIS NOTÍCIAS

Por Editoria

PRIMEIRA PÁGINA

CLASSIFICADOS veja mais

EMPREGOS

PUBLICAÇÕES LEGAIS

DESTAQUES EMPRESARIAIS

EVENTOS