Menos de um ano desde a primeira onda da Covid-19, seis pessoas de duas famílias de imigrantes brasileiros voltaram a dormir no chão do aeroporto de Lisboa, como havia acontecido em abril e maio de 2020. Eles estão entre um grupo de aproximadamente 360 pessoas, reunidas em um grupo de WhatsApp, que têm passagens de volta ao Brasil compradas e pressionam o governo brasileiro para o fretamento de voos de repatriamento durante a proibição de viagens comerciais entre os dois países, que vigora desde 29 de janeiro e acaba de ser prorrogada até 1º de março.
A maior parte diz não ter condições de se manter em Portugal ou arcar com os custos extras de incluir uma conexão até o destino, alternativa para deixar o país recomendada pelo Consulado Geral do Brasil em Lisboa. As viagens foram suspensas devido ao agravamento da pandemia em Portugal depois das festas de Natal e ao temor da chegada de novas variantes do coronavírus encontradas no Brasil.
As camas improvisadas entre as bagagens e sacolas plásticas não impediram que os três filhos de Aline Kelle Rodrigues Reis — de 3,11 e 13 anos — dormissem, mas a mãe reclamou do chão duro. Acordou com o corpo dolorido, mas, segundo ela, o que dói mais é o descaso.
— Descaso, sim, porque enviei diversas mensagens para órgãos do governo e para a companhia aérea, que não quis mudar minha passagem marcada para esta quarta-feira de Lisboa-São Paulo para Lisboa-Madri-São Paulo. A justificativa, em plena pandemia, é que tinha comprado as passagens com milhas — disse Reis, que dividiu a primeira noite com os filhos e uma outra família de duas pessoas.
Por não haver previsão de voos de repatriamento ou indicação de que as companhias revejam a política de troca de passagens neste momento, cresce no grupo de WhatsApp “Volta à nossa pátria” a mobilização para uma pressão direta no aeroporto. Embarcar para o Brasil em voos com conexões em outros países é permitido, e quem pôde arcar com os custos extras, ou já tinha essa rota programada na passagem original, conseguiu deixar Portugal.
Não é o caso de Reis, que acabou retirada pela polícia do aeroporto no meio da manhã desta terça-feira. Ela entregou o apartamento em Figueira da Foz, nos arredores de Coimbra, porque já havia comprado a passagem, e agora diz não tem onde morar.
— Tenho necessidade de voltar ao Brasil porque as aulas dos meus filhos recomeçaram no dia 8. Tenho casa e trabalho me esperando no Brasil e aqui não tenho mais nada — declarou Reis.
Mineira de Uberlândia, Reis chegou em Portugal há um ano e trabalhava como babá. A pandemia acabou com o emprego e ela precisou que enviassem dinheiro do Brasil para sobreviver. Poupou apenas os €200 para os testes obrigatórios de Covid-19 dela e do filho mais velho, além de um pouco mais de dinheiro para alimentação.
A situação de Reis expõe o drama econômico de trabalhadores brasileiros em Portugal, que, depois de perderem o emprego na pandemia, estão sem dinheiro e sem casa. A dificuldade de retorno é apenas a parte mais visível de um problema que atinge aqueles sem reserva financeira ou negócio próprio.
Entre os estrangeiros, os brasileiros lideram a fila dos desempregados no Algarve, por exemplo, região de turismo e gastronomia e que teve em dezembro de 2020 o maior aumento total do desemprego em relação a 2019 [+60,8%]. Dos 8.700 imigrantes desempregados inscritos no centro de emprego da região, 3.100 são brasileiros.
É o caso de Gabriela Santos, que vive em Olhão, no Algarve, na casa de amigos, após se separar do marido. Após dois anos de trabalho em um restaurante com o cônjuge, perdeu o emprego e pediu ao programa da ONU de retorno voluntário para pagar a passagem para o Brasil. Diz não ter dinheiro para comida dela e do filho e só espera a retomada dos voos para tentar ir embora:
— Quem me acolheu e está me ajudando são os amigos que fiz aqui, porque nem emprego consigo arrumar com tudo fechado.
Juci Santos, que mora em Odivelas, nos arredores de Lisboa, perdeu o emprego de operadora de caixa ainda na primeira onda da pandemia, mas permaneceu em Portugal, sustentada pelo marido que ficou no Recife, para que a filha concluísse um curso de inglês. Comprou passagem de volta para 29 de janeiro, primeiro dia da suspensão das viagens, e agora não pode voltar ao Brasil.
— Tirei minha filha em janeiro da escola pensando que iria viajar no dia 29. Fizemos o teste da Covid-19 no dia 27 para quê? Não temos dinheiro para comprar rotas alternativas. Minha filha é doente crônica e precisa de acompanhamento médico. Minha mãe está com câncer, vai fazer cirurgia, está precisando de mim e estou longe do meu marido há seis meses. Será que tudo isso não é motivo de um voo humanitário? — desabafou Santos.
Os voos humanitários estão previstos no decreto de estado de emergência do governo de Portugal, mas o Itamaraty não indicou até o momento nenhuma decolagem de Lisboa. A brasileira Marcella Gasperini organizou o grupo no WhatsApp, que conseguiu reunir as 360 pessoas com passagens e enviar as histórias aos órgãos responsáveis.
Ela buscou apoio da Associação Brasileira de Portugal, que irá enviar ofício nesta terça-feira ao Comando Militar do Sudeste para pressionar pelo repatriamento. O Brasil fretou seis voos em 2020 e tirou mais de 8 mil pessoas do país, segundo o governo. O Itamaraty garante acompanhar a situação e diz que tem procurado dar assistência.
— Ontem mandamos mais de 300 e-mails para o Itamaraty e não obtivemos retorno. As companhias aéreas, por sua vez, dizem que a única orientação é aguardar o novo decreto que sairá em 1º de março — disse Gasperini.