Política em Três Tempos - Por Paulo Queiroz

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Foto: Divulgação

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1 – CHÁVEZ E O REI Malgrado admitir, mas o presidente Lula da Silva (PT) está para lá de certo quando diz que se pode procurar qualquer defeito para colocar em Hugo Chávez, menos o de tentar depreciá-lo dizendo que em seu país não há democracia. Quem se dispuser a buscar informações em outras fontes fora do sistema Globo e do grupo Abril (revista “Veja” à frente) vai facilmente constatar que na Venezuela há democracia até demais. Pelo menos mais do que no Brasil, com certeza. Para ficar apenas em um exemplo, lá existe um mecanismo legal chamado “referendo revogatório”, introduzido na Constituição do país justamente no governo Chávez, mediante o qual qualquer titular de mandato eletivo pode ser destituído do cargo mediante consulta popular, aí incluído o Presidente da República. Tanto assim o é que o próprio Chávez já foi objeto de uma triagem desse tipo quando, após uma tentativa frustrada de golpe (abril de 2002), as oposições conseguiram a quantidade de assinaturas legal e levaram o mandato presidencial ao questionamento eleitoral, em agosto de 2004. Como os dois lados se mobilizaram intensamente, 94,9% dos eleitores compareceram às urnas – estabelecendo um recorde mundial – e Chávez resultou aprovado. Quer dizer, de 1998 para cá – quando foi eleito pela primeira vez -, Chávez já passou pelo crivo das urnas três vezes, afora que convocou eleições para uma Assembléia Constituinte e promoveu uma pá de referendos, o mais recente dos quais deverá ser realizado agora, no início de dezembro, para submeter novas normas constitucionais ao crivo do eleitorado. A propósito, nem a imprensa norte-americana foi tão parcial quanto o jornalismo tapuia no episódio recente em que, num assomo de arrogância e prepotência, o rei Juan Carlo, da Espanha, arvorou-se bedel da 17ª Cúpula Ibero-americana e pretendeu mandar Chávez se calar. Lendo-se as traduções do “New York Times” disponíveis no site do UOL, por exemplo, fica-se sabendo que o presidente Venezuelano não fez mais do que sair em defesa dos seus colegas sul-americanos, expressando em voz alta o que todos comentam aos sussurros sobre o ex-primeiro ministro espanhol José Maria Aznar. 2 – VERDADE INCONVENIENTE Antes do bate-boca entre o presidente venezuelano e o rei espanhol, Daniel Ortega, presidente da Nicarágua, havia feito críticas severas a empresas espanholas que atuam em seu país. Ortega também denunciou a reunião do embaixador da Espanha em Manágua, dias antes das eleições, na tentativa de mobilizar forças para evitar sua vitória. Disse com todas as letras que, vitorioso, recebeu proposta de suborno de empresas espanholas que operam na Nicarágua. O presidente sandinista acusou ainda a Espanha de permitir que os Estados Unidos usem bases militares espanholas para operações contra povos de outros países e citou o exemplo do bombardeio contra a casa de Kadafhi, na Líbia. O presidente líbio escapou, mas seus filhos morreram no bombardeio. Depois, o presidente da Argentina, Nestor Kirchnner, acusou a Espanha de práticas colonialistas e denunciou a ação predatória de empresas espanholas em seu país. Em seguida, o presidente Evo Morales, da Bolívia, reclamou de pressões do governo espanhol para ceder favores a empresas espanholas. Rafael Corrêa, do Equador, fez denúncias semelhantes. Foi quando Chávez interveio, não apenas reiterando as acusações, mas saindo em defesa dos presidentes dos países da América Latina. E, o que nenhum veículo brasileiro informou, depois do rompante real, respondeu ao rei: “Não temo o senhor, fui eleito pelo meu povo e não permitirei que se repitam as matanças históricas da época da colonização, praticadas pelo seu país”. A acusação a Aznar, chamado de fascista, pode ter sido até inconveniente, inapropriada em se tratando de uma cúpula de Chefes de Estado, digamos assim, mas absolutamente não desarrazoada, inobstante simples e direta: “Aznar é um fascista”. Quando nada, porque ninguém mais que Chávez tinha motivos para fazê-lo. Informe-se que apenas dois países reconheceram o golpe tentado contra Chávez em abril de 2002 - os EUA, que jamais deixaram de estar por trás de iniciativas dessa natureza em seu quintal, e a Espanha, sob o comando de Aznar. 3 – PANOS QUENTES Representante do conservadorismo espanhol mais entranhado, arquétipo do anacronismo religioso do qual a Opus Dei é o exemplo acabado, Aznar é um filho dileto da ultradireita neoliberal, versão ibérica do seu parceiro George Bush. Em que pese seu prestígio na Casa Branca, foram os jornais dos EUA que revelaram para o mundo algumas das malfeitorias do ex-primeiro-ministro espanhol. Um ano após a derrota do candidato de Aznar, ele foi acusado pela imprensa norte-americana de receber dinheiro da CIA para uma organização que montara e que desenvolvia ações golpistas em países de língua espanhola a favor dos interesses privados e do governo dos EUA. Ademais, convém lembrar da insidiosa mentira que Aznar tentou impingir à população do seu país num momento de comoção nacional. Responsável pelo envio de tropas espanholas para o Iraque, Aznar colocou o seu país na linha de tiro da Al Quaeda, o que acabou se configurando no ataque a Madrid, em maio de 2004, três dias antes da eleição de que saiu vitorioso José Luís Zapatero – o atual primeiro-ministro que, por sinal, elegantemente também o defendeu agora Chile. Mas Aznar mentiu sem qualquer pudor nos momentos seguintes ao crime, tentando jogar a culpa no separatismo Basco e, por conseguinte, nos seus adversários socialistas de que Zapatero é o símbolo. Deu chabu. Enfim, Chávez não fez mais do que chamar pelo nome o que a ocasião talvez reclamasse um eufemismo. Teria sido divertido se não fosse sinistro o enfoque da grande imprensa local - que não pára de esculachar Chávez como forma de avisar a Lula o que o espera caso tente cobrar mais impostos dos ricos para financiar ações a favor dos pobres, como ocorre na Venezuela. Pois bem, teria sido divertido ver o tratamento dado ao episódio pela imprensa tapuia. O rei, que no tabuleiro da política internacional não passa de um pomba-de-galinha, parecia o Arcanjo Gabriel escorraçando o rabudo. Destaque para a TV Globo, que depois de espicaçar o presidente venezuelano no dia anterior, ficou cheia de dedos ao decidir explicar o apoio de Lula a Chávez. É a maior!
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