Enquanto decisões oficiais do governo de Rondônia geram debate público, o grupo JBS, uma das maiores processadoras de carne do mundo, segue operando no estado em meio a uma série de controvérsias ambientais e trabalhistas. Um dos episódios mais emblemáticos envolve o cancelamento de uma multa de aproximadamente R$ 24 milhões, aplicada após uma investigação de quatro anos que apontou a compra de gado criado em áreas desmatadas ilegalmente dentro da Reserva Extrativista (Resex) Jaci-Paraná.
A penalidade havia sido imposta pela Secretaria de Desenvolvimento Ambiental de Rondônia (Sedam), com base em apurações conduzidas pela Procuradoria-Geral do Estado (PGE). Os órgãos concluíram que a empresa se beneficiou economicamente da criação ilegal de gado em uma das unidades de conservação mais devastadas da Amazônia.
A anulação da multa foi justificada pelo procurador-geral do Estado, Thiago Alencar, sob o argumento de que a compra do gado ocorreu em 2017, antes da mudança da legislação ambiental estadual em 2022. Segundo ele, à época, a lei responsabilizava apenas o autor direto do desmatamento, não alcançando quem adquiria produtos oriundos dessas áreas. A aplicação retroativa da norma, portanto, não seria possível.
A interpretação, contudo, não é consenso dentro da própria PGE. O diretor da Procuradoria Ambiental, Aparício Paixão Ribeiro Júnior, sustenta que a legislação anterior já permitia responsabilizar quem lucrava com o dano ambiental, caracterizando a figura do poluidor indireto o que incluiria frigoríficos que compram gado de áreas ilegais.
Vazamento de amônia e riscos trabalhistas
Além das questões ambientais, a JBS também enfrenta problemas na área trabalhista. Após um vazamento de amônia que intoxicou trabalhadores, a Justiça do Trabalho determinou a interdição imediata do frigorífico da empresa em Pimenta Bueno (RO). A decisão prevê multa diária de R$ 50 mil em caso de descumprimento, paralisação total das atividades, afastamento dos funcionários dos setores afetados e a apresentação, em até 24 horas, de um plano de resposta e relatório técnico sobre o acidente. Durante a interdição, a empresa deve manter salários e direitos dos trabalhadores.
Em nota, a JBS afirmou que o incidente foi rapidamente controlado, que os protocolos de segurança foram acionados e que todos os funcionários utilizavam equipamentos de proteção individual. Segundo a empresa, os trabalhadores receberam atendimento médico e já foram avaliados e liberados.
Condenação histórica na Resex Jaci-Paraná
Em outro processo de grande repercussão, uma sentença do Tribunal de Justiça de Rondônia (TJ-RO) condenou o Frigorífico Irmãos Gonçalves Comércio e Indústria Ltda ligado à família do vice-governador do estado, Sérgio Gonçalves, juntamente com dois pecuaristas, ao pagamento de mais de R$ 24 milhões por danos ambientais. O caso envolve o desmatamento de 570 hectares de floresta nativa dentro da Resex Jaci-Paraná.
A decisão judicial detalhou a cadeia do dano: imagens de satélite e laudos da Sedam comprovaram o corte raso da vegetação para formação de pasto, prática proibida na unidade de conservação. Guias de Trânsito Animal (GTAs) conectaram o gado criado ilegalmente ao frigorífico, que adquiria, abatia e comercializava a carne.
A sentença determinou a desocupação imediata da área, demolição de estruturas ilegais, retirada dos animais e proibiu o frigorífico de adquirir gado da reserva. A indenização foi dividida entre danos diretos, danos intercorrentes, dano moral coletivo e exploração ilegal de madeira, além da suspensão de incentivos fiscais e acesso a crédito público até a reparação integral.
O frigorífico alegou, em nota, que nunca criou gado ou possuiu terras na Resex, afirmando que apenas adquiriu animais com documentação autorizada pelos órgãos estaduais. A Justiça rejeitou os argumentos e aplicou a tese da responsabilidade objetiva e do poluidor indireto, citando entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) de que responde pelo dano quem se beneficia economicamente dele.
Pressão política e risco de anistia
Apesar das decisões judiciais, a disputa em torno da Resex Jaci-Paraná segue no campo político. Tramita na Assembleia Legislativa de Rondônia a Lei Complementar nº 1.274/2025, que prevê anistia a ocupantes ilegais da reserva e a frigoríficos que adquiriram sua produção. A proposta extingue multas e ações judiciais e concede autorização de uso da terra por 30 anos, motivo pelo qual ficou conhecida como “lei da anistia”.
O projeto foi citado em reportagem da agência Associated Press (AP), republicada pelo The Washington Post, como uma das principais ameaças à preservação da Amazônia. O contraste entre decisões judiciais, anulações administrativas e iniciativas legislativas expõe a complexa disputa entre proteção ambiental, interesses econômicos e políticas públicas em Rondônia.