PARTIU: A morte sentida de um dos maiores cineastas da história do cinema - Por Marcos Souza

Redação

20 de Janeiro de 2025 às 08:57

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PARTIU: A morte sentida de um dos maiores cineastas da história do cinema - Por Marcos Souza

Foto: Divulgação

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Lugar frio, tempo nublado, com uma leve chuva fina pontuando alguns locais da pequena cidade madeireira, onde jovens criados num ambiente familiar e conservador não são tão alienados assim. O escritório do xerife local quase não tem registro de crimes há décadas. Na sobriedade dos habitantes a rotina é monótona, monocórdia, simples e feita de alguns lances entremeados no submundo, escondido, quase despercebida.

Numa manhã soturna e nublada um velho homem, que iria pescar no riacho que alimenta uma queda d’água, ao vislumbrar as águas frias vistas da varanda e escadaria do escritório da madeireira, nota um embrulho de plástico à margem de pedras junto a uma rocha grande. Estranho. Ainda assim ele vai até o local e percebe que o embrulho está envolto num grande saco plástico quase translúcido, amarrado e tem um corpo dentro, justo, impossível de ser identificado.

Ele se assusta ao ver que se trata de um cádaver, alguém morto e embalado. Chama a polícia.

Uma vez no local, o xerife fica intrigado e perplexo, com ele acompanha o médico da cidade que também trabalha como legista. Um caso raro de um corpo ser encontrado, sem explicação lógica. Então resolvem identificar quem poderia ser. O xerife desata um feixe de adesivo na altura da cabeça, que circunda a cabeça. Logo percebe que se trata de um corpo feminino bem jovem. Ele retira o plástico e surge o rosto - estático, quase azul, a pele endurecida pela fria manhã - e vem o choque, a surpresa. O médico se espanta e o velho homem que ia pescar balbucia com terror: “É Laura, Laura Palmer! Meu Deus!”

Assim tem início um dos maiores mistérios da TV em uma série clássica e que marcou época. “Twin Peaks”, exibida pela rede ABC em 1990 - exibida no Brasil pela primeira vez na Globo, depois do Fantástico, aos domingos - e quebrou paradigmas e conceitos. Nunca se viu em um programa de TV serial, uma história contada e realizada dessa forma. Com uma adolescente muito querida na cidade, de família tradicional e que fazia ações sociais na comunidade ter sido morta e descartada da forma como foi encontrada.

Essa série teve três temporadas, sendo a primeira com oito episódios. O primeiro episódio, o piloto, foi dirigido por David Lych, que ao lado do roteirista Marf Frost, criaram “Twin Peaks”.

A narrativa que envolve principalmente um agente do FBI extremamente inteligente, que é designado para investigar o crime, acaba entrando em uma espiral de fatos que misturam fantasia, sonhos, mensagens e metáforas do além que vão sendo absortas em sua investigaçao e se torna intrigante ao encontrar figuras pitorescas como o anão que fala ao contrário, o gigante calado, a mulher do toco de madeira, jovens arruaceiros e outros cheios de segredos.

Tudo isso é mostrado com uma peculiaridade inédita até então, onde a narrativa linear conduz a um mistério que envolve a vida alternativa da jovem Laura, não tão santa assim - envolta com prostituição, tráfico e consumo de drogas e dividindo a sua vida com dois amigos fixos, um namorado idiota e uma família superprotecionista e conservadora, mas cheia de segredos.

É um painel sombrio sobre pessoas, comunidade, onde a psi de cada um é mostrada de forma implícita, em alguns momentos crus, mas com um aprofundamento que cabe ao expectador avaliar moralmente.

David Lynch, o diretor e criador dessa obra prima, imaginou tudo isso e abriu uma porta para uma revolução que viria depois na TV, influenciando a cultura pop de forma absurda.

Essa série teve uma segunda temporada exibida logo depois - não tão boa quanto a primeira (o diretor já estava envolto e produções cinematográficas e a deixou um pouco de lado) - e uma terceira temporada vinte anos depois, revisitando personagens e situações.

A primeira temporada mostra quem é o responsável pela morte de Laura Palmer, revelação inesperada e chocante, mas as motivações levam a dois caminhos distintos, entre a possessão e a loucura.

Eu poderia falar muito de David Lynch que morreu aos 78 anos, discorrendo sobre a sua filmografia maravilhossa, mas preferi citar a abertura de uma série que até hoje eu acho perfeita e me marcou muito. Lynch foi um diretor extraordinário e que se sobressaiu com filmes cults - como o seu primeiro filme “Eraserhead” (1977), ou de “O Homem Elefante” (1980), que muitos consideram o seu melhor filme e que foi indicado a 08 Oscars. Mas os meus filmes preferidos ainda são “Veludo Azul” (1986), um neo noir espetacular - feito logo após o fracasso retumbante de “Duna” (1984) - e “Cidade dos Sonhos” (2001), que é absuudamente belo. Gosto muito do surreal e estranho “A Estrada Perdida” (1997).

David tinha um estilo único nos seus filmes, que nunca eram padrões ou acadêmicos, mas pontuavam com um roteiro cheio de referências onírícas, por vezes violentas - como o seu drama alegório “Coração Selvagem” (1990), que lhe rendeu a Palma de Ouro em Cannes. Tinha a capacidade de levar o espectador a enxergar as suas tramas com um certo desconforto, propondo uma experiência, um exercício mental sensorial que fazia pensar, meditar, analisar o que tinha se visto na tela.

Era refinado e um cinema de autor. Deixou uma escola cinematográfica perpretada pelo seu estilo inovador e instransferível como artista e realizador.

Um cineasta que deixa um legado irrepreensível, seja com seus fracassos e suas vitórias, mas nunca indiferente. O diretor Steven Spielberg o homenageou com uma participação muito, muito especial no filme “Os Fabelmans”, de 2022.

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