Da cidade que não estava lá... – Por Marcos Domingues Teixeira

DA CIDADE QUE NÃO ESTAVA LÁ À CIDADE EM QUE NINGUÉM ESTÁ AÍ.

Da cidade que não estava lá... – Por Marcos Domingues Teixeira

Foto: Divulgação

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DA CIDADE QUE NÃO ESTAVA LÁ À CIDADE EM QUE NINGUÉM ESTÁ AÍ.

Em 30/03/2009 a revista Época publicou uma reportagem de Eliana Brum sob o título “ A cidade que não estava lá”. Vão-se, quase exatos, 06 anos e, vivíamos na época o auge da euforia “pseudo desenvolvimentista” e em um dos raros momentos de quase unanimidade social, a população se indignou com a matéria veiculada e tomou o texto como caso grave de ofensa cidadã e pessoal. Das vozes ecoantes, desde o gabinete da Prefeitura Municipal até os mais remotos grupos periféricos, estrondou um retumbante “NÃO” ao texto de Brum. Ofensa inadmissível falar contra a cidade que crescia, renovava e dinamizava sua economia e recebia migrantes ao milhares para trabalhar nas obras da Construção Civil, construção das UHEs do rio Madeira e prestação de serviços. Conforme alardeava a administração municipal, havíamos, finalmente, encontrado o caminho do desenvolvimento e da prosperidade.


A quimera durou pouco e mesmo que a catástrofe social, urbana e ambiental já houvesse sido anunciada pelos arautos dos movimentos anti-hidrelétricas, ninguém quis acreditar que o apocalipse seria tão devastador e iminente. 
Hoje, janeiro de 2015 a cidade se percebe por um espelho que parece mágico, reflete ruína e desolação. Passada a euforia das obras e do dinheiro fácil, vimos que não sobrou absolutamente nada, além da desolação e do abandono. A cidade, outrora próspera voltou a viver como viveu a maior parte de sua existência, a partir da economia gerada pelo contracheque do enorme contingente se servidores públicos que nela residem e gastam seus salários. A construção civil recuou e obras foram interrompidas, o comércio amarga situação vexatória e reduz sua importância. Os imóveis, até há pouco tempo sobrevalorizados têm seus preços em queda livre. Literalmente: “metade da cidade está à venda e a outra metade não dinheiro para comprar nada”.
As ruas da cidade demonstram muito mais do que o óbvio: buracos, sujeira, matagal. Água empoçada e lixo por toda parte. Elas demonstram o estado de apatia do povo, ou talvez, da multidão que aqui reside e se percebe incapaz de se organizar para reagir e exigir que seus impostos sejam convertidos em bons serviços e administração minimamente satisfatória. 
O caos no trânsito responde por acidentes incalculáveis. Parece ser muito mais barato atender os casos de óbito e traumas médicos do que providenciar condições dignas para o trânsito e os pedestres que circulam pela cidade, disputando vagas com animais, carroças, bicicletas, buracos, lamaçais, lixo e veículos motorizados dos mais diversos. Não temos calçamento e nem meio fio. Nas raras calçadas s centros comerciais da cidade, o pedestre disputa com as “bancas” e produtos dos comerciantes que tomam todo o espaço e jogam o transeunte para o asfalto, onde carros estacionam em filas duplas e trafegam impunemente pela contramão. 
Nos meses que marcam os princípios do verão (seca) ou do inverno (chuva) prosperam as epidemias de “viroses variadas” nome tão genérico quanto a exiguidade de estudos sobre esses males tropicais que levam a saúde pública a uma situação caótica. As campanhas contra doenças tropicais aqui esbarram no problema de que a cidade é literalmente um pântano que enche ou esvazia de acordo com a estação. Ou sufocamos na poeira ou nos afogamos nas águas de enchentes e enxurradas que nunca são sanadas, muito embora um certo candidato à prefeitura tivesse dito que sua primeira ação após ser eleito seria resolver esse mal. Dengue e viroses parecem ter ocupado o histórico estrelato da malária no rol de nossos males tropicais. Mas, diferentemente dos tempos da EFMM e do Hospital da Candelária, onde estão as estatísticas atuais? De que padecemos? Quantos de nós adoecem a cada estação? Quais os percentuais de cura, óbito e outros?
Mudando o tema, podemos pensar ainda nas ruas por onde circulamos e onde somos vítimas de toda sorte de violência, que vãos dos assaltos generalizados, passando pelos crimes de violência contra a mulher, contra minorias em geral, abusos sexuais, tráfico de drogas, latrocínios e homicídios. Onde estão as estatísticas? O que sabemos sobre os males que nos afligem? Que está discutindo com a sociedade tais problemas?
Em se tratando de cultura e patrimônio histórico, cultural e arquitetônico? O que nos sobrou? Falemos da Madeira Mamoré, dos nossos arremedos de museus e dos prédios históricos mais significativos, tais como o antigo cine Resky, a catedral do Sagrado Coração de Jesus, o prédio do Instituto Maria Auxiliadora e tantos outros, completa e impunemente descaracterizados e “desmemorializados”. Excetuando-se o raro caso da “restauração” do prédio da antiga Câmara Municipal de Porto Velho, em que situação se encontram nossos sobrados históricos e o mais grave de tudo, o vasto acervo da EFMM, que a cada dia se perde mais e mais?
Passemos para as nossas festas mais tradicionais, reduzidas a “eventos realizados (quando o são) fora de época, onde se privilegia exclusivamente o valor comercial em lugar do patrimônio cultural. O que aconteceu com o “melhor carnaval da Amazônia Ocidental”? o que estão fazendo com nossos festejos juninos? Onde foi parar o festejo do Expovel? o que aconteceu com as festas de seringais e festejos típicos dos bairros e comunidades?

Comemoramos o centenário da cidade de forma triste e vexatória, sem ter mesmo o que comemorar. A indignação social tem se manifestado de forma pontual e individualizada, sobretudo nas redes sociais. Um ponto nevrálgico foi a desoladora “decoração natalina” oferecida à cidade, mais semelhante a um insulto e um tripúdio do que a uma ação pensada para favorecer o povo e a época em que comércio e relações sociais e interpessoais são mais sensíveis a projetos de beleza e sensibilidade. (note-se que não falo de questões de reciclagem - até gostaria de saber o destino dos “reciclados pneus após o espetáculo das festas de natal e fim de ano.)
Por fim, precisamos pensar muito sobre a educação que temos, tanto formal, quanto informal, condições de salubridade, empregabilidade, geração de renda e desenvolvimento econômico, moradia e urbanização.
Como eu havia escrito há alguns dias atrás, quero começar o ano refletindo e propondo uma reflexão sobre nossos problemas e nossas virtudes como povo e cidadãos de Porto Velho. Este texto abre tal discussão e pretendo abordar sucessivamente vários problemas:
1- Urbanização e modelo urbano da cidade,
2- Sistema viário urbano, transporte e circulação do cidadão pelas ruas e avenidas da capital de Rondônia;
3- Lixo e limpeza urbana; 
4- Segurança pública, violência e criminalidade;
5- Saúde pública e surtos de doenças tropicais sazonais;
6- Patrimônio Histórico, arqueológico e cultural;
7- Moradia;
8- Economia e ocupação da população;
9- Migração e cidadania;
10- Hidrelétricas e legado das Usinas;
11- Temas abertos para sugestões.
Os textos que pretendo publicar deverão circular semanalmente e serão produzidos a partir de matérias pré-existentes disponíveis em relatórios de estudos, artigos acadêmicos e imprensa em geral.
Acredito que seja necessário discutirmos nossa cidade e as condições em que nos encontramos como moradores, cidadãos e povo de Porto Velho. Não basta estarmos individual ou mutuamente indignados. É necessário que passemos a reagir de forma mais organizada e utilizando os meios legais disponíveis para essa reação. Precisamos cobrar de forma mais intensa e esclarecida. Exigir que instituições que “pensam” a partir da sociedade, como Universidade Federal e outros, se posicionem sobre o problema e emitam leituras sobre a situação, capazes de criar condições para a leitura, análise e superação de tantas dificuldades. 
Esse é um primeiro esforço no sentido de dialogar com a sociedade, sobretudo pela via das redes sociais. Dessa forma deixarei os textos sempre abertos e prontos aos comentários, críticas, acréscimos e contribuições que os leitores possam fazer. 
Mais do que isso, considero necessário que como sociedade nos organizemos , acredito que a realização de um Seminário sobre a cidade de Porto Velho e seus problemas possa ser de grande valia na produção de um primeiro diagnóstico de nossa realidade e de possíveis caminhos para enfrentarmos tamanha adversidade. Não temos como mudar a realidade imediata, mas podemos reagir dentro dessa realidade que nos deixa tão insatisfeitos e isso poderá ter repercussões diversas, quer nas urnas do pleito municipal, quer nos manifestos e de insatisfação, quer na pressão social legitima que devemos exercer sobre as autoridades, quer na produção de estudos que possam contribuir para a mudança do quadro.
Que 2015 nos deixe menos apáticos, mais reivindicativos e muito mais organizados. Que esse 04 de Janeiro possa ser uma data a ser comemorada com semblante altivo de cidadãos que “nessas paragens do poente gritam com força” somos porto-velhenses.

 

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