ESPECIAL - Estrada de Ferro Madeira-Mamoré: um século de controvérsias

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Foto: Divulgação

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No dia 1º de agosto de 1912 – há um século exato – aconteceu a primeira viagem de passageiros da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré (EFMM). A ferrovia, além de contornar o trecho de cachoeiras do rio Madeira que impedia a navegação, fazia parte do Tratado de Petrópolis assinado entre a Bolívia e o Brasil em 1903. Em troca do Acre, o Brasil se comprometera a construir uma estrada de ferro que transportaria os produtos bolivianos da região – como a borracha – até os portos amazônicos com acesso ao Atlântico.
 
De olho nos possíveis lucros (graças a um trajeto mais curto que evitaria a longa volta pelo Pacífico), o financista norte-americano Percival Farquhar, um protestante quaker da Pensilvânia, resolveu bancar o empreendimento. Muito próximo à elite brasileira, Farquhar, proprietário da rede de bondes elétricos de Nova York, conseguiu regalias e diversos contratos de construção civil no Brasil.

 

 

A locomotiva 12, a Coronel Church, foi trazida à Amazônia em 1878 quando a empresa norte-americana P & T Collins tentou, sem sucesso, construir o primeiro trecho da ferrovia. Thomaz Collins morreu com seu pulmão perfurado por uma flecha envenenada. Em 1910, a locomotiva foi restaurada e chegou a ser usada na EFMM.

 

A ferrovia de 366 km que ligava Porto Velho, no rio Madeira, a Guajará-Mirim, no rio Mamoré, era considerada, na ocasião, uma das obras de engenharia mais desafiantes do planeta. Em cinco anos de construção, o empreendimento consumiu milhares de vidas, seja por doenças como por conflitos. Mas a missão quase-impossível foi concluída e durante mais de meio século (entre 1912 e 1966), a Madeira-Mamoré, passando por altos e baixos, por guerras e crises, uniu a fronteira boliviana à Porto Velho.

Quando conheci o fotógrafo Marcos Santilli em 1982, ele acabara de retornar de quatro anos de viagens intensas em Rondônia. Suas fotos de locomotivas tomadas pela mata amazônica marcavam também um renascimento da ferrovia: de 1981 a 2000, os sete primeiros quilômetros desde Porto Velho haviam sido reabertos para passeios turísticos.

 

A locomotiva 18, também chamada de Barão do Rio Branco, foi a última a deixar os trilhos.

Assim, quando chego em Porto Velho, desço imediatamente a avenida principal da cidade rumo ao rio Madeira. Lá encontro o Museu Ferroviário Madeira-Mamoré. “Está fechado, só abre aos domingos. E só na parte da manhã”, diz uma senhora no estande turístico da prefeitura. Ameaço ficar indignado, uma reação que não combina com Rondônia. “Mas converse com um dos guardas, ele tem a chave do Galpão 1, onde está uma das locomotivas antigas”, afirma. Dito e feito. Entro, fotografo e curto. Nem propina é necessária.

Depois de descobrir uma infinidade de ferramentas e instrumentos ferroviários – de apitos a manômetros de bronze –, saio do Galpão 1, vou para os jardins e me deparo com as locomotivas 50 e 18. Perambulo, buscando ângulos e detalhes. Mas o que me impressiona é o estado dos trens. Embora as locomotivas e os vagões tenham sido pintados recentemente – uma espécie de maquiagem – vidros estão estilhaçados, instrumentos enferrujados e a glória esquecida.

A 18 está hoje nos jardins do Museu Ferroviário em Porto Velho. As cores preto e laranja são as originais.
Uma campanha lançada pela Assembleia Legislativa do Estado de Rondônia pretende solicitar que a ferrovia histórica seja considerada como Patrimônio da Humanidade pela Unesco. Com as relíquias em tão triste estado, será difícil convencer os burocratas da cultura que a EFMM mereça esta honra. Na realidade, não há suficientes razões hoje nem para comemorar o centenário da ferrovia.

Mesmo assim, a partir das primeiras horas da manhã do dia 1º de agosto de 2012 (hoje), Porto Velho realiza sua Virada Cultural em homenagem à EFMM. São 24 horas de música, exposições, danças tradicionais, hasteamentos de bandeiras e muitos discursos daqueles que buscam um lugar ao sol na política de Rondônia. “Bancam a comemoração do centenário da ferrovia as mesmas entidades que a destruíram: bancos, governo e empreiteiros”, afirma Marcos Santilli.
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