Política em Três Tempos
Por Paulo Queiroz
1 – MISSÃO DHESCA
Embora ainda não tenham sido publicadas, as conclusões da missão ao complexo das usinas do rio Madeira daRelatoria Nacional para o Direito Humano ao Meio Ambiente, da Plataforma Brasileira de Direitos Humanos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais (Plataforma Dhesca Brasil), foram, nesta segunda-feira (17), objeto da abordagem do professor Luiz Fernando Novoa, da Universidade Federal de Rondônia (Unir), durante a primeira mesa do II Seminário de Educação em Direitos Humanos.
Não por acaso o texto de fechamento do relatório alude a Dolores Ibarruri (“La Passionária”), a lendária líder comunista espanhola que, entre muitas das suas heróicas peripécias, ficou famosa com os seus discursos na Rádio Republicana de Madri, durante a Guerra Civil Espanhola. As frases "É melhor morrer em pé do que viver de joelhos" e "No passarán!" foram o lema da resistência da capital espanhola que, atacada logo no início da guerra (1936), combateu por três anos e só se rendeu em 1939, no fim do conflito.
Para o conjunto dos movimentos sociais unidos em torno do rio Madeira, conforme proclamam seus líderes, a luta pela manutenção da integridade dos biomas existentes ao longo do seu curso e agora ameaçada pelo projeto do complexo das usinas em andamento é de resistência – penosa, longa e desigual, mas nem por isso menos merecedora de empenho, decisão e sacrifícios.
Nesse sentido, a Relatoria Nacional para o Direito Humano ao Meio Ambiente da Plataforma Dhesca realizou, entre os dias 15 e 19 de novembro do ano passado, uma missão ao estado de Rondônia para investigar as possíveis violações de direitos humanos decorrentes do Projeto de Implementação das Usinas no Rio Madeira, conhecido, tamanha a dimensão, como Complexo do Madeira.A missão - realizada em parceria com o Fórum Independente Popular e a Rede Brasil – foi completada com visitas às comunidades atingidas, tomada de depoimentos, reunião com as organizações e movimentos populares e encontros com autoridades públicas.
2 – PONTOS PRINCIPAIS
De acordo com o relatório, o padrão de violação de direitos inclui a)déficit de participação popular e caráter impositivo: no licenciamento a decisão política já está tomada, as consultas públicas não garantem à população o poder real de participação e decisão; b) preponderância dos aspectos econômicos, referenciados na lógica do desenvolvimento capitalista, sobre a dimensão dos direitos humanos, com a maior capacidade lucrativa e menor custo de implantação possível.
Sobre a conjuntura na região a missão observou que a “Amazônia vive uma grande pressão sobre seu território e seus povos, numa velocidade nunca vista antes”, tendo como conseqüências a “permanência de índices elevados de desmatamento; Aquecimento do mercado de terras e desterritorialização de populações locais; Crescimento desordenado de periferias urbanas; Proliferação/disseminação de conflitos socioambientais na região”.
As recomendações da Missão Dhesca são: “Realização de estudos de impactos ambientais em toda a bacia do Madeira; Garantia do direito à informação e discussão através de audiências publicas com efetivo poder de participação e compreensão pelos participantes; Busca de dialogo com os governos peruano e boliviano para decisão institucional sobre viabilidade e interesse no empreendimento; Realização de um amplo processo de regularização fundiária na região, incluindo titulação das terras de comunidades ribeirinhas e demarcação dos territórios indígenas já reivindicados junto à Funai.”
Além disso, “compensação financeira e social de todos os atingidos pela barragem de Samuel por parte da Eletronorte; Revisão e discussão participativa do Plano Diretor da cidade de Porto Velho, com imediata realização de audiências públicas; Levantamento detalhado de índios isolados na região pela Funai; demarcação e homologação dos territórios indígenas; Proposição de amplo debate publico sobre política energética com base um modelo multicriterial que inclua outros valores além dos econômicos.
3 – NÃO PASSARÃO!
Enfim, numa evocação à lendária Dolores Ibarruri, La Passionária, o relatório é concluído com o texto intitulado “Não Passarão!”, cuja íntegra é a que se segue:
“Desenvolvimento” nenhum se obtém com a supressão das potencialidades e dos protagonismos locais. Que país é esse que insiste em negar os povos que lhe deram origem, que insiste em queimar, alagar, arrancar e tratorar as comunidades enraizadas na Amazônia em nome dos “grandes negócios”? E que região é essa que não existe para si, mas apenas em função de necessidades externas? Amazônia como colônia da colônia precisa ser ainda mais servil ao Império?
O rebaixamento de exigências sociais, ambientais, institucionais e econômicas seria uma prova da “abertura” e da “boa vontade” do país com os capitais. Para que continuem vindo, e mandando livremente. É o risco de vida da população do Madeira pagando o risco dos investidores do Projeto do Madeira. Maquiagem dos dados relativos à contaminação por mercúrio, à exponencial expansão dos focos de malária e das áreas potencialmente inundáveis. Dissimulação dos efeitos de quebra da economia pesqueira por conta do fim dos ciclos migratórios dos peixes com a construção das represas.
Nem se deram ao trabalho de realizar estudos de impacto urbano que trariam os enormes canteiros de obras das Usinas, seus empregos transitórios e conseqüências permanentes em termos de exclusão social e violência redobrada. Nenhum esforço de recuperação e capacitação das instituições públicas reguladoras, muito menos de sua articulação transversal. Absoluto desprezo às comunidades indígenas e ribeirinhas, a seu modo de ser, a sua sofisticada economia agro-extrativista, a sua identidade fundida no território, a sua sabedoria inata. Os verdadeiros sujeitos e filhos da terra vistos como os próximos a despejar, “entraves” no meio do caminho. Mais um caminho feito de corpos para que passem as mercadorias por cima? Por isso nos unimos os movimentos sociais do Madeira para dizer: Não passarão!