Recentemente, Ariel Argobe, artista plástico do quadro técnico da Universidade Federal de Rondônia, assinou um artigo sob o título “Por que não vou ao Baile Municipal, de Máscara”. Acreditando no direito de deitar olhar sobre as ações públicas no campo da cultura e das artes, o Grupo de Discussão Cidade, Cultura e Inclusão quer, neste momento, entrar nesta arena dialógica, vislumbrando condições de criação de um espaço qualificado e coletivo, onde seja possível discutir e emitir opiniões acerca das ações, institucionais ou não, no campo cultural.
O Grupo Cidade, Cultura e Inclusão, do qual faz parte Ariel Argobe, espera, com esta atitude, contribuir para o debate e, a partir daí, colaborar na construção de possíveis ações públicas no meio cultural. Queremos, no entanto, deixar claro que nossa intervenção se dará no plano das idéias, sem ataques pessoais ou comentários pejorativos.
O artigo assinado por Ariel Argobe teceu comentários e emitiu sua opinião acerca do formato dado ao Baile Municipal, evento da iniciativa pública, financiado com dinheiro do contribuinte, no valor aproximado de quarenta mil reais e que, segundo o texto, trazia na sua gênese a anomalia da exclusão sociocultural. Em resposta à matéria assinada por Ariel, importante jornal local publicou o artigo intitulado “Por que o Pierrot iria ao Baile Municipal – Sem Máscara”, matéria assinada sob o pseudônimo de Pierrot Apaixonado. Trata-se de um texto escrito num português escorreito, que demonstra que o seu autor (ou autores) tem alguma leitura e que acredita ter uma definição pronta para a esquerda (política).
Antes de entrar propriamente no debate, gostaríamos de destacar, não obstante os méritos da sua forma, pelo menos dois grandes equívocos do texto do apaixonado Pierrot. Primeiro, o texto-resposta transcende o objeto analisado. A crítica faz atalhos por caminhos antiéticos, burla o conteúdo e a boa fé, entrando no campo do ataque pessoal, o que é lamentável e intolerável no princípio democrático, ainda que tenra seja nossa democracia. O argumento ad hominem se fez com expressões levianas do tipo ”... língua ferina do tamanho de um bonde...”, “... esquerda mal amada ...”, dentre outras contidas no texto, tentam desqualificar o autor, mas nada contribuem para o debate.
O segundo grande equívoco – no nosso entendimento – é a defesa da retomada do velho modelo de política cultural que imperou nesta cidade (antes, durante e depois da queda do Muro de Berlim): o poder público usado em favor dos privilegiados. Excetua-se aí apenas um breve intervalo de dois anos. Os desfavorecidos e desprovidos de qualquer política pública na área da arte e da cultura tiveram papel pré-marcado no modelo do Baile Municipal realizado pela instituição cultural da municipalidade. Papel há muito anunciado, cantado e decantado pelo saudoso e glorioso Cazuza, na letra da música Brasil: “Não me convidaram / Pra essa festa pobre / Que os homens armaram pra me convencer / A pagar sem ver / Toda essa droga / Que já vem malhada antes de eu nascer / Não me ofereceram / Nem um cigarro / Fiquei na porta estacionando os carros...”.
Curiosa e paradoxalmente, na contraposição estilística e conceitual da proposta do Baile Municipal, numa verdadeira carnavalização (inversão da ordem vigente – na definição de Mikhail Bakhtin), tivemos, em 2007, em Porto Velho, o 1° Carnaval do Povo, sucessor do Carnaval na Praça, evento que, de alguma forma, tinha um perfil democrático, com acesso livre e mais ou menos de caráter socializador, portanto guardando alguma semelhança com os programas, projetos e ações inclusivas defendidas e levadas a cabo nos dois primeiros anos de existência da Fundação Iaripuna: Instituição Cultural do Município de Porto Velho.
Incógnito interlocutor Apaixonado, não seria seu discurso um estratagema para erigir sólidos, altos e largos muros invisíveis que separam cruel e covardemente as classes sociais, os gêneros e as raças? Será sua reflexão um aceno na direção neoliberal que se apropria enviesadamente do discurso pós-moderno, apregoando o fim da esquerda e da direita, do centro e da periferia, negando artificiosamente as posições conflitantes entre abastados e desprovidos de toda sorte, brancos e negros, patrão e trabalhador, colonizador e colonizado, hetero e homossexuais, primeiro e terceiro mundo, urbanos e camponeses, dentre tantas outras posições-sujeito? Discurso arrevesado que quer nos impor a idéia estúpida de que não há diferença entre ouvir Quilomboclada ou Coronel Churchill, entre ir ao Madeira Festival ou ir ao Festival dos Beradeiros.
De fato, como você disse – e todos sabem – o muro físico de Berlim há muito caiu. Mas, cotidianamente, manobras ardilosas erguem, em todo o mundo, muros para proteção das minorias favorecidas, dos elitizados, dos brancos privilegiados. Barreiras que nem sempre são percebidas no campo físico, mas sentidas na pele pelos discriminados. Na mesma Alemanha que derrubou o vergonhoso Muro de Berlim, milhares de africanos, latino-americanos e terceiro-mundistas de todos os continentes são impedidos de desembarcar. Procedimento este adotado por todos os países de “primeira classe”. Os estadunidenses, neste momento, empenham-se em erguer um grande muro – físico – separando os Estados Unidos do México. Israel faz o mesmo com a Palestina.
Apaixonado Pierrot, sinceramente, gostaríamos de pegá-lo pelas mãos e sair passeando por Porto Velho, descobrindo os encantos desta senhora urbe, sua história, sua gente e nossa memória. Nessa caminhada, se as brisas das mudanças soprarem em nossa direção, dissipando nuvens que escondem nossos Muros de Berlim, descobriríamos, infelizmente, muitas trincheiras segregadoras em nossa amada cidade que, como as de Berlim, precisam ser demolidas. Novos condomínios, de puro luxo, surgem em nossa frente, cercados por altíssimos muros adornados por cercas eletrificadas, separando o pobre do rico, o empregador do empregado ou desempregado, o centro da periferia, o letrado do analfabeto,o índio do não-índio, o "caboco" do ariano.
Finalizando, gostaríamos de lembrar que as idéias constantes no texto do nosso companheiro Ariel Argobe e por ele defendidas, na verdade, não são dele. É claro que o artista comunga e resguarda esses princípios, “tal qual uma loba parida defende seus filhotes ameaçados pelo perigo”, nas palavras do Manelão, General da Banda. Não se tratam, também, dos sinais que prenunciam os fins das eras. As suas idéias não conduzirão o município ao caos social. São, na verdade, princípios básicos – nada pandemônico - no campo do patrimônio cultural, formulados pela Secretaria de Cultura do Partido dos Trabalhadores, discutidos e depurados em vinte e sete anos de históricas lutas. São os princípios que alicerçaram, nos últimos dois anos, o Plano de Governo da Prefeitura de Porto Velho no terreno cultural e artístico. Um perfil que coaduna com as diretrizes do Ministério da Cultura da era do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Continuamos firmes, como milhões de brasileiros, acreditando nos propósitos do Partido dos Trabalhadores.
— Pierrot Apaixonado você ainda está aí? Oi! Tem alguém aí? Quem taí, do outro lado do muro? Responda, é você Pierrot? Diga-nos, o que são a máscara e o pseudônimo senão muros?!
MEMBROS DO GRUPO:Alejandro Bedotti – Diretor teatral; Alexandre Ronald – Ator e Diretor teatral; Almira Lopes – Produtora cultural do Clube Teatral Êxodo; Altair Santos (Tatá) – Músico; Ângela Cavalcante – Atriz e Diretora, responsável pelo Setor de Teatro da Universidade Federal de Rondônia; Ariel Argobe – Artista Plástico e Coordenador de Cultura da Universidade Federal de Rondônia; Arlene Bastos (Leninha) – Atriz e Presidente da Federação de Teatro de Rondônia; Gregório da Silva (Greg) –Ator e Professor de Teatro – Representante do SATED; Jamyle Vanessa – professora e membro da UNEGRO; Justino Alves Barbosa (Tino) – Músico; Marlúcio Emídio – Ator; Paulo Motta – Produtor de áudio e vídeo; Pedro Wilson Barros – Professor; Roberto Farias – Professor; Waldson Pinheiro (Misteira) – Funcionário público e músico; Zamyrton Júnior – Funcionário público.