Um dos maiores atores do cinema nacional, o astro de 'República dos assassinos' dirige 'Amor de mãe', um longa pocket sobre o imaginário de Rondônia
Foto: Divulgação
Receba todas as notícias gratuitamente no WhatsApp do Rondoniaovivo.com.
Nos anos em que o Brasil cheirava a chumbo, sob o jugo de fardas no Poder, sob a sombra do AI-5, fazer arte era fazer guerra pela dialética da paz, uma paz zangada, amortizada pelas flores do desbunde e pelas ervas do hipismo: foi nessa época, idos de 70, que pintou pelos palcos do teatro brasileiro e pelas telas nacionais uma figura com uma cota de androginia, malandragem, picardia e lucidez chamado Anselmo Vasconcellos. Todo sábado, ele assalta nosso riso e dá de comer à nossa inteligência no “Zorra”, mas foi um filme, “República dos assassinos” (1979), no papel da estrela da noite Eloína, que ele demarcou sua existência na História do cinema. Custa pensar uma atuação masculina, no Brasil dos anos 1970, com a sensibilidade do desempenho dele. E é esse parâmetro de excelência o que torna tão prazeroso ver o trabalho recente desse grande ator à frente (e atrás) das câmeras de “Amor de mãe”, uma produção de Rondônia que Anselmo dirigiu e estrelou a partir do mito amazônico do Boto. Sua atuação, assim como a dos dias de Eloína, cai numa zona do Indecifrável: há um misto de erotismo, de gira, de jogo de máscara e, sobretudo, de uma desconstrução das pilastras das técnicas de interpretar mais corriqueiras em nossa filmografia. Leitor de Adorno, Anselmo faz sua “Minima Moralia” ao dar um olé na “mais valia” da causa e efeito: os gestos de seu Boto, com face de Coringa, não têm a preocupação de informar o espectador acerca de seus sentimentos. Eles são um convite ao abismo nietzschiano que Anselmo persegue com uma ironia elegante, discreta.
Ator fetiche de Daniel Filho, com quem filmou “Boca de Ouro” e, agora, “O silêncio da chuva”, Anselmo realizou em 2017 um curta, “Paraíso insólito”, que fez longeva carreira em festivais. A manha com a direção, somada ao cabedal de quem foi Ricardo III nos palcos e de quem esteve em cults nacionais como “Eu matei Lucio Flávio” (1979) e “Bar Esperança” (1983), deu a ele o caminho para investir no exotismo em “Amor de mãe”. Rodado ao longo de quatro dia, o filme é uma espécie de “longa pocket”, com cerca de 50 minutos, duração típica de um telefilme. Há um timmimg de ação e de suspense inquietantes na trama, que vasculha o imaginário da Região Norte para recriar a figura sedutora do Boto. Anselmo faz dele Chico Boto, pirata dos escambos fluviais que se vê acossado pelo desejo por uma ribeirinha. Paixão e desejo unem forças para impulsionar Chico Boto em uma narrativa pautada pelo trágico, que Anselmo desenha com tensão, sem abrir mão de uma verve reflexiva sobre os perigos do querer. Papo de artista com status de mestre.
A política de comentários em notícias do site da Rondoniaovivo.com valoriza os assinantes do jornal, que podem fazer comentários sobre todos os temas em todos os links.
Caso você já seja nosso assinante Clique aqui para fazer o login, para que você possa comentar em qualquer conteúdo. Se ainda não é nosso assinante Clique aqui e faça sua assinatura agora!
* O resultado da enquete não tem caráter científico, é apenas uma pesquisa de opinião pública!