ARTIGO - A música brasileira está de luto – Por Humberto Oliveira

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Foto: Divulgação

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Dora, a rainha do frevo e do maracatu, está órfã. Adalgisa, Marina, Rosa Morena e João Valentão também. Marancagalha está triste e os coqueiros de Itapuã nunca estiveram tão saudosos. Morreu Dorival Caymmi. Morreu não. Encantou-se, como diria Guimarães Rosa.
Caymmi nos deixou na manhã de sábado, 16 de agosto. Diacho de mês para gostar de levar nossas jóias raras. Foi no mês de agosto que também foi embora, tocar sua sanfona lá no céu, o velho Luiz “Lua” Gonzaga, o Rei do Baião que, assim como o compositor baiano nascido há noventa e quatro anos também era único em seu talento e forma de fazer música e de cantar.
Caymmi e Gonzagão são insubstituíveis, como Noel Rosa, Herivelto Martins, Cartola, Nelson Cavaquinho, Wilson Batista, Assis Valente, Ary Barroso, Lamartine Babo, Ataulfo Alves e tantos outros que agora ganharam um novo companheiro – Dorival Caymmi que reencontra outros velhos amigos – Caribé, Jorge Amado, Tom Jobim e Vinicius de Moraes. Benção. Saravá.
Nascido em Salvador, em 30 de abril de 1914, Dorival Caymmi, filho do casal Durval Henrique e Aurelina Cândida, começou a compor ainda na adolescência. Aos 20 anos cantava na rádio Clube da Bahia. Quando completou 22, venceu um concurso de músicas para o carnaval, com a canção cheia de malícia "A Bahia também dá". Como prêmio, levou para casa um abajur de cetim cor-de-rosa. No final dos anos 30 se mudou para o Rio de Janeiro, mas sempre retratou a Bahia em sua obra. A primeira composição foi a toada No sertão, de 1930.
A estrela de Caymmi começou a ter brilho mais forte em outubro de 1938 quando a sua composição “O que é que a baiana tem” substituiu “Na baixa do sapateiro”, de Ary Barroso, como parte da trilha sonora do filme musical “Banana da terra”, dirigido por Wallace Downey. Ary, com seu temperamento forte, teve um desentendimento com Downey que o demitiu da produção. “O que é que a baiana tem” seria gravado por Carmen Miranda. Com o sucesso da canção na tela e no disco, de repente Caymmi ficou conhecido em todo o Brasil apenas um ano depois de sua chegada ao Rio de Janeiro.
Nos três primeiros anos de carreira, Caymmi lançou treze canções que se tornaram clássicas, repertório que já apresentava três das quatro vertentes baianas que iriam pontuar sua obra, ou seja, as canções praieiras – “Promessa de pescador”, “Rainha do mar”, “O Mar” (O mar quando quebra na praia/é bonito, é bonito), “É doce morre no mar” (É doce morre no mar/ nas águas verdes do mar), “E a jangada voltou só” (A jangada saiu com Chico, Ferreira e Bento/ a jangada voltou só) – os sambas de remelexo, inspirados em sambas de roda como o citado “O que é que a baiana tem” (... Tem dorso de seda, tem/sandália enfeitada, tem//... Só vai ao Bonfim quem tem/Ai como ela requebra bem), “O samba da minha terra” (Quem não gosta de samba/bom sujeito não é/É ruim da cabeça/Ou doente do pé), “Requebre que lhe dou um doce” – As canções desenvolvidas sobre motivos folclóricos – “A preta do Acarajé”, e “Roda pião”, mostrando que ao estrear no meio musical carioca, Caymmi já era um compositor pronto para o sucesso, capaz de conquistar o público com a qualidade e a originalidade de seus versos e melodias, e sendo obviamente um excelente cantor. 
Aos vinte e seis anos conheceu e se apaixonou à primeira vista por Stella Maris, uma cantora de rádio cujo nome verdadeiro era Adelaide Tostis. Ela largou à carreira, mas manteve o nome artístico. Aliás, um nome bem apropriado que encantou o compositor Dorival Caymmi que sempre cantou o mar – Stella Maris, sua companheira por toda vida e até sua morte.
Da união de Caymmi e Stella nasceram Dinair que, mais tarde se tornaria a cantora Nana Caymmi, Dorival, mais conhecido como Dori, músico, compositor e com timbre de voz quase idêntico ao do pai, e ainda o caçula, e não menos musical, Danilo Caymmi, cantor e compositor e parceiro do pai na música “Vamos falar de Tereza”, tema da minissérie global Tereza Batista, baseada em romance de Jorge Amado. Assim como o pai, os três se tornaram parte da história da música brasileira.
Em 1947 Dorival inaugura a quarta vertente quando passa a compor sofisticados sambas-canção de inspiração carioca, precursores da bossa nova e da moderna canção brasileira. Composições de sucesso como “Marina” (Marina, morena, Marina/Você se pintou/Marina, você faça tudo/mas faça o favor/não pinte este rosto/este rosto que é só meu//... Desculpe Marina, morena, mas eu estou de mal/de mal com você). Ao contrário que muitos possam pensar este samba-canção não foi inspirado por uma mulher, mas sim pelo filho mais velho, Dori que magoado com alguma reprimenda que o pai lhe fez disse que estava “de mal com você”. Caymmi então ficou com aquelas palavras na cabeça e daí nasceu o mote de “Marina” que foi gravado quase simultaneamente por Francisco Alves, Nelson Gonçalves, Dick Farney e pelo próprio compositor.
1947 marca também o início da melhor fase da carreira do compositor baiano que compôs o maior número de sucessos, mais gravou e foi gravado. Nesta fase, que se estendeu por dez anos destacamos os sambas-canção: “Saudade” (1947), parceria com Fernando Lobo (pai de Edu Lobo), “Adeus” (1948) e cantada durante o sepultamento de Caymmi, “Nunca mais” (1949), “Você não sabe amar” (1950), com Carlos Guinle e Hugo Lima, “Sábado em Copacabana” (1951) eternizada na interpretação de Lúcio Alves, “Não tem solução” e “Nem eu”, ambas de 1952 compostas com Carlos Guinle (gravadas com sucesso, respectivamente por Agostinho dos Santos e Ângela Maria), “Só louco” (1955), além da citada “Marina” entre outras. No final dos anos 1950, Caymmi diminuiu suas atividades artísticas.
Segundo levantamento feito pela neta e biógrafa Stella Caymmi, publicado no livro – Dorival Caymmi, o mar e o tempo – a obra do compositor reúne cento e vinte composições em mais de sessenta anos de carreira, vinte discos gravados e dezenas de intérpretes que gravaram suas canções, em diversas versões, entre eles Gal Costa que gravou um disco apenas com músicas do compositor no antológico “Gal canta Caymmi” (1976) interpretando sucessos como “Vatapá”, “Só louco”, (tema da novela O Casarão, da Globo), “Nem eu”, “Peguei um Ita no norte” totalizando dez faixas.
Dorival Caymmi foi um dos maiores compositores brasileiros do século XX e com a sua morte a música brasileira que já era pobre, ficou ainda mais. Caymmi viveu em constante busca da simplicidade, e utilizou com anos de antecedência harmonizações que depois foram consideradas precursoras da bossa nova.
O amigo Jorge Amado dizia que Caymmi era “o cantor das graças da Bahia”. Um dos papas da bossa nova, Antônio Carlos Jobim, afirmou que “Caymmi é ilimitado como o mar que ele cantou”. Tom e Caymmi gravaram a antológica “Saudade da Bahia” onde Dorival cantava – “Pobre de quem acredita na glória e no dinheiro para ser feliz”. Caymmi teve muito mais e nós também, as suas composições, sua voz e sua presença luminosa e inesquecível. Benção. Saravá.

Humberto Oliveira é jornalista e especialista em MPB.

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