Durante o tratamento, Soraia lembra que a região começou uma intensa divulgação com carros de som alertando para a importância da vacinação. “E o bordão da campanha era: ‘Vacine seu filho, não tem contra indicação’. Pensa a bomba de Hiroshima caindo na minha casa”. Dona Antonia chorava com a filha, lamentando não ter tido esse conhecimento antes.
Soraia Alvarenga no Campeonato Brasileiro de Tênis de Mesa de 2018, em Santa Catarina — Foto: Arquivo pessoal
Em 2009, ela fundou a Associação em Defesa da Inclusão e Paradesporto dos Portadores de Necessidades Especiais, a ADIPPNE, onde forma atletas paralímpicos para competições nacionais e internacionais de tênis de mesa.
Há quatro anos, ficou no Top 20 entre os atletas no tênis de mesa, 1ª no ranking nacional e 1ª no Paulista e durante III Copa Brasil Sul Sudeste de Tênis de Mesa, Soraia ganhou duas medalhas de bronze da competição que reuniu aproximadamente 100 atletas paralímpicos.
Após perder a mãe para o Covid-19, no pico da pandemia, ela utilizou o espaço de sua casa para expandir sua atuação e criou a academia MoVida, que conta com uma piscina de três metros na garagem e um vestiário com banheiro adaptado.
Infância desprotegida
Os estados que mais sofreram com a queda na imunização contra a poliomielite estão na região Norte e Nordeste. Roraima no topo, com baixa de -14,8%, Amapá com -14,3%, Rondônia com -12,1%, seguidos de Paraíba, Ceará e Acre, com quedas na casa dos 10%, segundo os dados do mapeamento das universidades públicas.
“Mesmo grupos que não aceitam vacinas, eles davam a vacina da pólio aos filhos. Entretanto, isso está mudando e a situação da vacinação tem nos preocupado. Os dados estão indicando queda generalizada, não somente da vacina contra a pólio”, diz a pesquisadora da Unicamp, Maria Rita Donalisio, ao explicar o contexto do risco de surtos de doenças já erradicadas no Brasil.
“Existe pressão para a reintrodução do sarampo e da poliomielite no país. Nós não podemos deixar isso acontecer”, complementa.
Entre os vírus mais conhecidos, o sarampo é considerado o mais transmissível de todos. Foi considerado eliminado em 2016, mas voltou a circular em 2018. Os dados da revista científica Fapesp mostram que entre fevereiro e julho daquele ano, 822 pessoas foram infectadas nas seguintes regiões: Amazonas (519), Roraima (272), Rio de Janeiro (14), Rio Grande do Sul (13), Pará (2), São Paulo (1) e Rondônia (1).
Uma das principais complicações é a contração de infecções, por conta da baixa imunidade, na qual, o infectado pode adquirir outras doenças, como sinusite, otite, encefalite, pneumonia e também sequelas neurológicas.
Em um dos maiores picos vivenciados no Brasil, no ano de 1986 foram mais de 129 mil casos de sarampo notificados e na década de 70, por ano morreram mais 2,6 milhões de pessoas no mundo.
Com os casos de poliomielite não foi diferente. Entre os anos de 1968 e 1989 o Brasil havia contabilizado mais de 26 mil casos da infecção, segundo números do Ministério da Saúde.
A infecção, assim como o sarampo, é transmitida com facilidade e surge principalmente da falta de saneamento básico, contato direto com fezes ou com secreções de pessoas doentes com o vírus.
Ela pode ser assintomática ou se manifestar com febre, mal-estar, dor de cabeça, de garganta e no corpo, podendo gerar paralisia ou até mesmo meningite.
O último caso de pólio do Brasil
Para Deivson Rodrigues, de 35 anos, a imunização o salvou das sequelas da poliomielite. Natural de Sousa, sertão da Paraíba, seu caso foi o último registrado da doença no Brasil.
O ano era 1989 e ele tinha por volta de uma ano e meio quando apresentou os primeiros sintomas. Por orientação da pediatra da região, a mãe precisou se deslocar por 6 horas à capital, João Pessoa, para conseguir realizar os exames e ter um diagnóstico preciso.
“Foi tudo pelo SUS, entre os exames e o diagnóstico demorou uns quatro dias”, relembra Devaneide. “Era uma sexta-feira da paixão quando chegamos”. A rápida atuação dos médicos garantiu o tratamento do caçula. Deivson e os outros três filhos precisaram se mudar para a casa de uma das irmãs em João Pessoa para continuar com a rotina médica — que duraria cerca de 6 meses.
Deivson (o menor) e os irmãos — Foto: Reprodução/Instagram
Por conta da paralisia, ele perdeu completamente os movimentos. “Minha mobilidade ficou como a de um recém-nascido”, conta. Mas com apenas dois meses, começaram os avanços, Deivson voltou a engatinhar, com três, voltou a andar e com seis meses recuperou os demais movimentos e teve alta.
“Eu ficava com medo dele não voltar a andar, o médico não tinha certeza”, diz Devaneide e atribui a conquista a completa imunização do filho. “Eu tenho para mim que se ele não tivesse tomado as três vacinas, quem sabe que ele não tava hoje assim, né? Sem nenhuma sequela”.
Ter a chance de voltar para a casa com o filho completamente recuperado foi um alívio duplo para ela, que na década de 70 perdeu o irmão para a mesma doença. “Nessa época não existia vacina, a gente morava na zona rural e ele morreu com sintomas muito parecidos, ficou sem andar”.
Deivson e sua mãe — Foto: Arquivo
Desde então, Deivson se engajou no combate à doença, participando de campanhas e debates.
Em 2017, ele veio a São Paulo para participar do II Simpósio Internacional de Sobreviventes da Poliomielite, organizado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO).
“Eu espero continuar sendo o último caso. A vacina foi fundamental na minha recuperação e na proteção. Eu agradeço bastante a Deus, a minha mãe, meus pais e a vacina”, afirma. Atualmente, Deivson é educador físico, personal trainer e tem um filho de dois anos.
As perspectivas para a vacinação
Em Roraima, o estado brasileiro com a menor cobertura vacinal contra a pólio, com apenas 31% da população-alvo vacinada, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) uniu 23 instituições do setor público, sociedade civil e organizações internacionais para alavancar o número de vacinados.
Para Ana Spiassi, médica consultora de Saúde e Nutrição do UNICEF do estado, as ações de estímulo à vacinação demandam uma resposta integrada do poder público. “Nós temos desde sempre todas as entidades, todos os gestores públicos precisam dar suporte para as atividades de saúde. A resposta não pode ser só da saúde pública”, afirma.
No caso deste plano de enfrentamento, a estratégia da vacinação volante garantiu que outros espaços públicos de Roraima, como os tribunais de Justiça, tivessem estrutura para oferecer os imunizantes, além da melhoria na comunicação das campanhas para a população.
A médica que atua diretamente em uma das fronteiras de Roraima, avalia que a diminuição gradativa também é consequência do negacionismo científico. “A queda da cobertura vacinal como um todo, é um problema internacional, o movimento antivac ganhou repercussão. É uma articulação ideológica contra o papel da vacina no cuidado em saúde pública“, comenta.
O anticientificismo se fortaleceu no Brasil com a pandemia do Covid-19. A partir de teorias conspiratórias de que as vacinas seriam uma estratégia de controle populacional, viriam com chips ou até mesmo transformaria a população “em jacaré”, como dito em discursos anticiência do presidente Jair Bolsonaro (PL).
A campanha de desinformação virou aliada para perpetuar uma situação de pânico e medo na população. “Antes, era só abrir a porta dos postos no sábado que lotava com filas e filas, as pessoas tinham isso como prática de saúde incorporada no seu cotidiano”, relata Spiassi.
A Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) e outras entidades médicas, já apontam o movimento antivacina como um dos responsáveis pelo retorno de doenças erradicadas, como o sarampo, por ter fragilizado a cobertura preventiva contra esses agentes.
O mapeamento realizado pelos pesquisadores das universidades públicas também ressalta que a pandemia aumentou a lacuna vacinal.
Em 2021, cerca de 25 milhões de crianças menores de 1 ano não tinham recebido o esquema básico de vacinação, o número mais elevado desde 2009.
Além disso, caso o vírus circule, há a possibilidade de novas mutações. “É possível pelos intercâmbios de viagens, comerciais, transportes, [os vírus] podem sofrer uma mutação. Toda vez que tem uma intensa circulação de um vírus numa população suscetível ele pode sofrer mutações aleatoriamente”, aponta a pesquisadora Maria Rita Donalisio.
A expectativa para que isso não aconteça, é o fortalecimento da gestão pública. Em 2022, o Ministério da Saúde teve corte de R$ 3,7 bilhões.
Para 2023, o orçamento estipulado segue em queda. Somente em imunização pública, saiu de R$ 13,6 bilhões para R$ 8,6 bilhões.
“Precisamos de investimento nos SUS, na sala de vacinas, em treinamento. É um desafio grande. A gente tem que ficar com muita esperança que essa seja uma prioridade do Ministério da Saúde a partir de 2023”, afirma Donalisio.