MEIO AMBIENTE: Projeto de lei transfere responsabilidade do licenciamento para o empreendedor

O relatório do deputado Neri Geller (PP-MT), aprovado por 290 a 115 votos, dispensou do licenciamento ambiental 13 tipos de atividades

MEIO AMBIENTE: Projeto de lei transfere responsabilidade do licenciamento para o empreendedor

Foto: Divulgação

Receba todas as notícias gratuitamente no WhatsApp do Rondoniaovivo.com.​

O relatório [do marco geral do licenciamento, aprovado na Câmara há um mês] traz esse grande foco de que aquele que descumprir a lei será punido. Só que a punição no Direito Ambiental não é o objetivo. O objetivo do licenciamento ambiental não é punir ninguém, o objetivo do licenciamento ambiental é justamente evitar que o dano ocorra, é um instrumento de prevenção ao dano. Então, quando o PL traz a figura da punição como uma figura muito importante no licenciamento, isso descaracteriza um pouco o que é o licenciamento”, explica Luiza Antonaccio, que atua como Analista Legal com foco em Direito e Governança do Clima do Climate Policy Initiative, em conversa com ((o))eco ocorrida na semana em que o projeto foi aprovado. 
 
O relatório do deputado Neri Geller (PP-MT), aprovado por 290 a 115 votos, dispensou do licenciamento ambiental 13 tipos de atividades, como obras dos sistemas e estações de tratamento de água e de esgoto sanitário.
 
Além de exceções, o texto também tornou regra a adoção do chamado autolicenciamento, quando o empreendedor recebe a licença automática e se compromete a respeitar a legislação ambiental e não causar danos. A proposta está sendo analisada agora no Senado, com relatoria da senadora Kátia Abreu (PP-TO). 
 
Para as pesquisadoras Joana Chiavari e Luiza Antonaccio, do Climate Policy Initiative, a proposta aprovada ignora a realidade dos órgãos ambientais. “Esse PL joga a responsabilidade para o empreendedor e o relator argumenta que faz isso porque o órgão ambiental deve focar os seus esforços na análise de impacto e na fiscalização e deixar que o empreendedor cumpra a lei. Isso é bem complicado porque a gente sabe muito bem que as coisas não funcionam assim e que o órgão ambiental com constantes redução de orçamento não tem capacidade de fiscalizar se de fato todos os empreendedores estão cumprindo a lei. Então, o objetivo máximo é evitar que o dano ocorra. Se você tem que punir é porque já é tarde demais, o dano ocorreu. E muitas vezes a gente sabe que os danos são irreversíveis. Então, a punição também não é suficiente”, explica Luiza Antonaccio.
 
O licenciamento não é um problema
 
No começo do ano, o ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, fez um mea culpa e admitiu que no momento em que o Ministério melhorou a qualidade dos Estudos de Impacto Ambiental encaminhados aos órgãos ambientais, o licenciamento seguiu sem atraso. “Muitas vezes, o licenciamento trava por causa da baixa qualidade desses estudos. A gente estuda mal e, de repente, oferece um produto ruim para o órgão de meio ambiente analisar. É um aprendizado para nós”, disse. A fala do ministro ilustra bem um diagnóstico já conhecido de quem analisa as obras de infraestrutura: falta planejamento. 
 
Para Joana Chiavari, que lidera o Programa de Direito e Governança do Clima do Climate Policy Initiative, o debate sobre o licenciamento peca ao não olhar o quadro anterior, antes do empreendedor acionar o órgão ambiental. 
 
O licenciamento acabou assumindo um papel muito grande porque aspectos socioambientais, normalmente, deixam para ser tratados no momento do licenciamento ambiental. Eles não são tratados anteriormente. E, eventualmente, o risco socioambiental pode ser tão grande a ponto de tornar-se um projeto inviável. E se o empreendimento chega na fase de licenciamento sem que isso tenha sido discutido, analisado, a priori, não era nem para ele ter chegado na fase de licenciamento. Se essas questões são tratadas pela primeira vez, praticamente, na fase de licenciamento, é isso que gera insegurança jurídica e não o licenciamento em si”, explica Joana, que afirma que parte da insegurança jurídica seria sanada se os projetos chegassem mais maduros nessa etapa: “Se eles chegassem na fase de licenciamento com todas as arestas aparadas, com os riscos já levantados, medidas mitigatórias ou alternativas já discutidas, o licenciamento, necessariamente, estaria mais rápido e com menos ponto de conflito”. 
 
Para Luiza Antonaccio, que atua como Analista Legal com foco em Direito e Governança do Clima do Climate Policy Initiative, o relator coloca o órgão ambiental como passivo no processo de licenciamento, ao mesmo tempo que inclui a necessidade de fortalecê-lo. “O PL vem com as essas figuras de licença por adesão e compromisso, por dispensa de licenciamento ambiental em diversas atividades e joga no colo do empreendedor essa responsabilidade pelo cumprimento da legislação e deixa o órgão ambiental sem papel, porque em muitos casos fala que já é automático, que não tem sequer uma análise humana na emissão da licença e a dispensa da licença. Então você reduz bastante o papel do órgão ambiental ao mesmo tempo em que você espera que o órgão ambiental fiscalize tudo aquilo, sendo que a gente sabe que não existe essa capacidade de fiscalização”, observa. “Então não vai ser uma lei que vai falar ‘vamos fortalecer o órgão ambiental’ e logicamente o órgão ambiental vai ficar fortalecido, capaz e com pessoas suficientes para fazer todo esse tipo de fiscalização, simplesmente não é real. Acho que essa é a principal inversão que o projeto de lei traz, é quase um liberalismo ambiental, você deixa o órgão ambiental mínimo ali para o empreendedor agir por si e vamos na base da confiança”, critica.
 
Há regras (desde 1986)
 
Outro argumento usado pelos apoiadores do texto do marco geral do licenciamento é que há um vácuo jurídico em relação ao regramento sobre o licenciamento em nível federal. Para Joana e Luiza, as regras podem ser esparsas, mas elas existem e são conhecidas. “A gente não está em situação de vácuo legislativo, a gente tem o CONAMA, tem regulamentações do Ibama e uma lei geral pode ser bem-vinda sim para unificar esse regramento existente e pode inclusive aperfeiçoar alguns pontos. Mas a ideia de que a gente está num vácuo e que é pela falta de lei geral que os problemas do licenciamento ocorrem não procede”, rebate Joana. 
 
“Ninguém quer investir onde o risco é alto”
 
Um dos pontos levantados pelos apoiadores do projeto de lei era que a demora no licenciamento trava os investimentos e um licenciamento mais flexível corrigirá isso. As especialistas do Climate Policy Initiative discordam: “O diagnóstico que a gente enxerga é que o problema é herdado pelo licenciamento, ele não é criado pelo licenciamento. Logo, não é uma lei de licenciamento que vai resolver esses entraves para ter mais investimento, para conseguir agilizar obras que estão planejadas, para fazer com que eles demorem menos tempo. Se o problema não está no licenciamento, a solução também não está numa nova lei de licenciamento na nossa visão”, diz Joana. “Ninguém quer investir onde o risco de dano é alto, e a gente não está vendo essa regulamentação gerir bem esse risco. Acho que esse é o ponto fundamental que não é simplificando e reduzindo a fiscalização e o controle que você vai efetivamente reduzir o risco. Na verdade, você começa a avaliar esse risco em fases anteriores ao licenciamento para poder conhecer bem qual é esse risco, mensurar, pensar em como mitigar, é assim que você vai reduzir o risco e é assim que você vai atrair investidores’. 
 
Ainda mais num contexto em que a gente está de alta de títulos verdes, emissões de títulos verdes, o governo querer certificar empreendimentos do PPI com títulos verdes e tal e chega esse PL de licenciamento e traz uma insegurança enorme porquê de fato não tem como garantir que é verde em nada”, completa Luiza.
Direito ao esquecimento

A política de comentários em notícias do site da Rondoniaovivo.com valoriza os assinantes do jornal, que podem fazer comentários sobre todos os temas em todos os links.

Caso você já seja nosso assinante Clique aqui para fazer o login, para que você possa comentar em qualquer conteúdo. Se ainda não é nosso assinante Clique aqui e faça sua assinatura agora!

Na sua opinião, qual companhia aérea que atende Rondônia presta o pior serviço?
Você ainda lê jornal impresso?

* O resultado da enquete não tem caráter científico, é apenas uma pesquisa de opinião pública!

MAIS NOTÍCIAS

Por Editoria

PRIMEIRA PÁGINA

CLASSIFICADOS veja mais

EMPREGOS

PUBLICAÇÕES LEGAIS

DESTAQUES EMPRESARIAIS

EVENTOS