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Foto 1- José Mauro com uma edição em Japonês de O Meu Pé de Laranja Lima.

 

EVANILDO FERNANDO – ENTREVISTA Nº 706.

 

BIOGRAFIA

Evanildo Fernando é carioca, hoje aos 42 anos, mesmo formado ainda se sente um estudante. "Quero ser um eterno estudante, assim pagarei meia no cinema e teatro. Pena não poder pagar meia nos livros", relata com tom de brincadeira. Sempre cercado de livros, diz nunca vai esquecer de mãe lendo "Marcelo, Marmelo, Martelo" de Ruth Rocha. E que teve a maior sorte do mundo ao ter em sua rua uma biblioteca municipal, local que frequentava com assiduidade.  

     Depois quis ter a sua própria biblioteca, foi mordido pelo mundo magico da literatura, onde teve a oportunidade de conhecer a obra o escritor José Mauro de Vasconcelos. "A impressão que tinha era que José Mauro escrevia sobre mim, mesmo sem ter me conhecido". Por volta dos treze anos sentiu a necessidade de conhecer mais sobre o autor, daí a ideia de escrever a biografia.

     Está jornada de pesquisa biográfica e cercada por muitas histórias emocionantes, que poderiam também resultar num livro de bastidores. Mais ao ser perguntado sobre um momento marcante, relata emocionado:

     " Um é impossível, tenho vários. Esperei  mais de vinte anos para ser recebido por Dona Dulcinéa, esposa  do Totoca e prima de José Mauro. No dia do nosso encontro levei junto a minha querida amiga Conceição, filha de Jandira e sobrinha de José Mauro. Fiquei anos para conseguir localizar Conceição, visto que ela não utilizava o sobrenome Vasconcelos.  Sobrinha, tia e primos não se viam há cinquenta anos, foi um momento de pura emoção.

     Outro momento mágico foi quando ganhei a máquina de escrever na qual José Mauro escreveu O Meu Pé de Laranja Lima, um presente de Dona Aparecida Benatti e imaginem vocês quando recebi os romances inéditos. Parece a música do Roberto Carlos, pura emoções".

 

     Agora vamos aguardar a biografia, que segundo Evanildo será publicada até o final de 2019 e conhecermos a verdadeira historia de José Mauro de Vasconcelos.

 

ENTREVISTA

 

SELMO VASCONCELLOS  – Quais as suas outras atividades, além de palestrante, pesquisador e curador do Museu José Mauro de Vasconcelos?

EVANILDO FERNANDO - Antes de tudo gostaria de agradecer a oportunidade de poder conversar a respeito de José Mauro de Vasconcelos. Sou professor de literatura, sem exercer o ofício. Atualmente desenvolvo atividades educacionais sobre a importância do saneamento básico para crianças e jovens pelo Brasil.

 

SELMO VASCONCELLOS – Como você acompanhou e ainda acompanha a produção literária do escritor José Mauro de Vasconcelos? 

EVANILDO FERNANDO - Comecei a ler José Mauro por volta dos 10 anos, paixão à primeira vista, depois surgiu à necessidade de ler os outros livros. Por conta da pesquisa biográfica estou sempre relendo a obra. O livro As confissões de Frei abóbora devo ter lido mais de cinquenta vezes, aliás, o meu livro preferido.

 

SELMO VASCONCELLOS – Quais eram as outras atividades culturais do escritor José Mauro de Vasconcelos?

EVANILDO FERNANDO - José Mauro começou como ator de teatro, enveredou pelo cinema (atuando e escrevendo), pintura, música, rádio e TV. Mas o seu encontro com o grande público foi através da literatura.

Tenho certeza que se lhe perguntassem o que ele mais gostou de fazer, iria responder sobre a sua dedicação a causa indígena. 

 

SELMO VASCONCELLOS – Sua família o encorajou na publicação da biografia do escritor do livro Meu Pé de Laranja Lima e outros romances? E quais os amigos que o apoiaram nessa jornada?

EVANILDO FERNANDO - Família é sempre importante. Antes de tudo o encorajamento principal foi na fase de pesquisa. Foram muitos amigos que vibram a cada nova descoberta, tenho medo de enumerar e esquecer de alguém. 

 

SELMO VASCONCELLOS – Qual foi o maior desafio que você enfrentou e ainda está enfrentando no processo da criação do livro sobre a biografia do escritor José Mauro de Vasconcelos?

EVANILDO FERNANDO – Um dos desafios é que realizei esse trabalho por conta própria, sem apoio financeiro de nenhuma instituição, grupo ou pessoas, fui  no meu tempo e seguindo o coração. Outro ponto é que sou um apaixonado por José Mauro e sua obra, quando se escreve uma biografia é necessário manter uma distância do biografado, não deixando a emoção falar mais alto.

 

SELMO VASCONCELLOS – Tem outras ideias amadurecendo?

EVANILDO FERNANDO – Muitas: exposição, documentário, peça de teatro e a publicação de um farto material inédito.

 

SELMO VASCONCELLOS – Quais as fontes de pesquisas para a criação do livro? E Estados e municípios visitados para consultas in loco? 

EVANILDO FERNANDO – Estou há um pouco mais de vinte cinco anos nesse desafio de contar a vida de José Mauro de Vasconcelos. Visitei muitos lugares. Sou do Rio de Janeiro, sempre que posso vou à Bangu. São Paulo virou a minha segunda casa, estive em Natal, onde o escritor passou a adolescência, Goiás e me emocionei muito quando estive no Rio Araguaia, onde fui guiado por um dos personagens do livro As Confissões de Frei abóbora.

 

SELMO VASCONCELLOS – Quando você começou a escrever o livro e quando estará pronto para publicação? E o lançamento onde será? Pensa em correr o Brasil  divulgando-o?

EVANILDO FERNANDO - Meu processo de pesquisa começou no inicio dos anos 1990 e a escrever em 2007. Espero lançar no final de 2019, como mencionei anteriormente. Se puder vou percorrer todo o Brasil com o livro debaixo do braço para divulgar e falar de José Mauro de Vasconcelos. O titulo da biografia é PEDAÇOS DA MEMÓRIA.

 

SELMO VASCONCELLOS – Como conseguiu reunir tantas informações e bens materiais sobre o escritor? 

EVANILDO FERNANDO – Às vezes fico espantado com tudo que consegui! Ganhei muitas coisas de presente e outras comprei. Aqui me sinto na obrigação de citar nomes: Mercedes Cruañes Rinaldi, Erich Gemeinder, João Roberto Petta, Família Benatti e Família Pinagé de Vasconcelos. Sem essas pessoas o acervo que tenho não existiria. Meus sinceros agradecimentos a todos.

 

SELMO VASCONCELLOS – Quais e como conseguiu os contatos com diversos amigos do escritor para obter tantas informações e lembranças dele?

EVANILDO FERNANDO - José Mauro costumava dedicar os livros a vários amigos. Pesquisava no guia telefônico, olha que comecei essa pesquisa antes da era da internet e as ligações interurbanas eram verdadeiras fortunas. Um amigo indicava outro e assim entrevistei dezenas de pessoas.

 

SELMO VASCONCELLOS – Fale do seu interesse literário pelo escritor José Mauro de Vasconcelos.

EVANILDO FERNANDO – Comecei com O meu pé de laranja lima. Aconteceu uma forte identificação com o Zezé. Eu era um Zezé, era não, sou um Zezé. Existem milhares de Zezés pelo mundo. Por isso o sucesso da obra.

 

SELMO VASCONCELLOS - O escritor José Mauro de Vasconcelos teve o seu reconhecimento como escritor em 1962, com o livro Rosinha Minha Canoa. O livro Meu Pé de Laranja Lima-1968, seu maior sucesso editorial, foi adotado pelas escolas, foi tema de novela, e atualmente foi lançado o filme. Apesar de todo esse sucesso, houve retorno e reconhecimento pela crítica no Brasil? 

EVANILDO FERNANDO – Sucesso no Brasil é ofensa pessoal, agora fazer sucesso com literatura no Brasil é quase um crime. E a crítica literária não passou a mão na cabeça de José Mauro. Vou abordar esse fato na biografia.

 

SELMO VASCONCELLOS - Há muitas homenagens dedicadas para preservar a memória do escritor no Brasil (escolas, bibliotecas, ruas... )? Poderia citar algumas? 

EVANILDO FERNANDO – Há muitas escolas, ruas, bibliotecas pelo Brasil. Cito aqui o Grêmio Literário José Mauro de Vasconcelos em Bangu.  

 

SELMO VASCONCELLOS  – O livro Meu Pé de Laranja Lima atualmente é publicado em quais países? 

EVANILDO FERNANDO – Coréia, Turquia, Romênia, Tailândia, Portugal, Japão, França, Argentina e muitos outros.  

 

SELMO VASCONCELLOS – Tem planos para publicar outras obras inéditas do escritor José Mauro de Vasconcelos? 

EVANILDO FERNANDO -  Os fãs de José Mauro precisam ler :

O CÃO QUE FALAVA PÃO,

AS TROMBETAS DE JERICÓ,

O ULTIMO PAU DE ARARA,

MINHA SOMBRA NA CALÇADA

e outros escritos. 

 

SELMO VASCONCELLOS – Como visitar o Museu José Mauro de Vasconcelos, onde é localizado e quais os horários de visitas?

EVANILDO FERNANDO – Fica no Rio de Janeiro, no momento não está aberto para visitação publica. Mas recebo pessoas do Brasil inteiro para conversar e mostrar parte do acervo. 

 

SELMO VASCONCELLOS – Contato para palestras sobre o renomado escritor?

EVANILDO FERNANDO – meu e-mail e evanildo.efe@gmail.com ou por zap: 21-988582978

 

SELMO VASCONCELLOS – Uma mensagem aos admiradores do Zezé?

EVANILDO FERNANDO -  Aguardem PEDAÇOS DA MEMÓRIA, uma biografia de José Mauro de Vasconcelos. E uma gota de ternura não só para salvar a adolescência. Mas a humanidade.

 

     Depois de nos presentear com um capítulo do livro O CÃO QUE FALAVA PÃO, Evanildo Fernando abre mais uma vez o seu baú e trás a tona um conto escrito por José Mauro de Vasconcelos em 1937, quando escritor tinha apenas dezessete anos. O conto é um relato biográfico dos últimos dias de vida de Glória de Vasconcelos, a Godóia. Evanildo aproveita para ressaltar que Glória e Luiz não cometeram suicídio, como muitos leitores acreditam. 

     O conto ficou por muitos anos guardado com o escritor Caio Porfírio Carneiro, de quem José Mauro foi amigo. Sobre o conto José Mauro escreveu: " Foi isso mesmo. Assim mesmo. E a vida não seria linda se assim não fosse."

    Já estamos curiosos por novos textos e fotos inéditas e esperamos ansiosos a primeira biografia de José Mauro de Vasconcelos.  

 

A MÚSICA

De José Mauro de Vasconcelos

 

     Do lado de fora a noite tinha um aspecto completamente triste e abandonado.

     Do lado de dentro, a tosse de minha Irmã continuava quase incessantemente. Era uma tosse seca e amarela.

     Eu estava ali, vendo tudo, sentindo tudo, se bem que a minha vista não se desviasse do dedão grande do meu pé descalço.

     Um guarda passou lá fora e trilou, por dentro do corpo, um apito fino como um soluço de alma penada. O frio deveria rondar por todos os cantos. Abrigava-se pela sombra das luzes dos postes. Um sapo procuraria o mesmo local para a caça de mosquitos. A areia da rua unia-se com o molhado da noite.

     O guarda tornou a apitar na esquina.

     Minha irmã tossiu com força. Remexeu-se nervosamente na cama. Chamou-me em voz baixa. Levantei-me e tirei a importância da vida que estava fixada no meu dedo grande.

     Olhei aquele monte magro de ossos, onde os olhos tinham tomado um aspecto enorme, e não chorei de tristeza. Não chorei por um adeus que se aproximava dia a dia, noite a noite, lentamente.

     Sua boca descolorida se abriu e a linguagem da morte veio falando baixa e ofegante. Parando em cada palavra.

     - Zé... Esse apito... Peça ao guarda que...

     - Eu sei mana, falarei ao guarda.

     Sorri, sentindo sem exageros, uma porção de limalhadas de ferro fustigando o meu resto de coração.

     Atravessei a sala. Levantei um pouco mais a torcida do lampião. Mamãe dormia no chão ao lado do meu irmão mais velho. Amanhã ela estaria lavando a roupa do médico. Há anos ela fazia a mesma coisa. Como o odiava! Como todos nós odiávamos o médico, que obrigava mamãe a ir para um tanque e nos privava dos carinhos que aquelas mãos enferrujadas sabiam proporcionar. As suas mãos enferrujaram de viver dentro do tanque.

     Não espiei para a pobreza da sala porque eu já sabia de cor a sua disposição. Suspendi a gola do paletó e saí.

     O muro da fábrica ao longe sobressaia branco dentro da noite.

     Aquela fábrica que comera o pulmão de minha irmã. Que comeria o meu e dos outros irmãos.

      Os pés de Jamelão estavam imobilizados, formando sombras rendadas na areia do quintal. Quando éramos pequenos, vivíamos trepados nos seus galhos que também eram pequenos. Até ela, que agora tossia lá dentro...

     Caminhei para a esquina e divisei o vulto escuro do guarda-noturno, parado num canto.

Dei boa noite. Ele já me conhecia de vista. Falei-lhe.

     - o senhor sabe... minha irmã está nas últimas. O apito a deixa nervosa. O senhor poderia...

     E ele concordou. Naturalmente ele tivera também uma irmã naquele caso. Olhei agradecidamente o rosto bondoso do guarda que de hoje em diante não apitaria mais por ali.

     Voltei pensando. Um apito dentro da noite. Enchendo uma alma de horrores. E não era um apito que a incomodava. Era o tic-tac do relógio, o vento das telhas, a água da bica...

     Há mais de um ano que ela começara. E só nos últimos dias o apito da noite a incomodava a ponto de suplica-me para que falasse ao guarda.

     Que tristeza! Apenas uma alma acordada dentro da noite. Uma alma que não se levantaria mais, presa ao mundo de um quarto. Horas a fio de insônia rodopiando pelas paredes brancas. E lá fora havia muita música. Muita vida. As estrelas estariam penduradas no céu. Passos passariam  compassados na estrada. Caminhões buzinariam pelas encruzilhadas...

     Entrei e me sentei de novo. Meus olhos se pegaram novamente no meu dedão do pé. Pé grande! Quarenta e dois.

     O relógio da fábrica berrou três horas. Meus olhos continuavam abertos. Nem reclamavam por sono. Fazia aquilo para que mamãe dormisse. Durante o dia o contramestre me chamaria a atenção por dormir em pé...

     - Chega de farras, meu rapaz. Ou trabalha, ou farreia...

     Olhava para os seus olhos idiotas e nem pensava em explicar.

     As horas iam indo. Iam indo. Quando a fábrica apitava, mamãe levantava e acendia o fogo e fazia o café. Café ralo, para não fazer mal aos nervos.

     Eu lavava o rosto na bica e ia para a fábrica. Olhava a minha irmã que dormia. Que só dormia quando o dia vinha lhe dar boa noite. Levava como última lembrança, a sua mão magra, comprida, com quase dois metros. Sim quase dois metros, pendurada fora do lençol encardido.  

     Quando chegou meia noite, eu me levantei. Mamãe ia dormir.

     Sentei-me na espreguiçadeira e fiquei olhando o dedo do pé.

     Minha irmã removeu-se na cama. Tossiu mais forte. Levantei-me. Seus olhos estavam esbugalhados. Chorava. Quase não podia falar.

     - O guarda?... por que... o guarda não apita?

     Compreendi horrorizado o significado daquilo. Ela sentia falta do apito do guarda. Aquilo lhe significava vida...

     Tornei-lhe as mãos e murmurei baixinho:

     - Ele tem apitado. Durma... Você adormeceu e não está ouvindo...

     De fato, na noite seguinte ela não ouviu mais o apito do guarda. Trouxeram muitas flores. Juntamos dinheiro para comprar um caixão branco e o demos para ao meu tio para que se encarregasse disso. Ele foi e comprou um caixão muito ordinário, para jogar o resto no bicho...

     Depois veio muita gente. Quanta gente boa!

     Eu não chorei. Nem mesmo quando alguém murmurou sem ter noção das noites de insônia:

     -Morreu depressa!

    Depois alguém chegou e me apertou as mãos. Olhei aquele rosto bondoso que me oferecia um ramo de flores.

     Era o guarda-noturno.

     Depois ouvi a areia molhada caindo fria sobre o caixão.

     Depois vi minha mãe tingindo a roupa velha, numa lata de gasolina, vestindo a roupa de preto.

     Depois notei que podia dormir, e que a tosse secara dentro de casa e que o contramestre não me chamou mais de farrista.

     Depois comecei a notar que todos os guardas-noturnos eram bondosos.

     E a ouvir todos os apitos dentro da noite...

     Depois resolvi nunca mais ser triste... para quê?

     Pode ser que depois desse depois venha uma música bonita. Sim, meu Deus, pode ser que venha uma música muito bonita...

 

     Foto 2 – Evanildo Fernando com a Dona Dulcinéa Pinagé de Vasconcellos – prima e cunhada do escritor José Mauro de Vasconcellos

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