Foto: Divulgação
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Inesperadamente o ano de 2014 ainda reservava uma estupenda surpresa para mim. Liso, sem cartão de crédito e muito endividado não pude viajar, como faz a maioria dos portovelhenses ricos todos os anos, para passar os festejos natalinos fora da cidade e do Estado. Poderia ter escolhido uma belíssima praia no litoral do Nordeste, ir para o Réveillon de Copacabana ou da Avenida Paulista, ter viajado à paradisíaca Serra Gaúcha ou, como sonhar ainda não é proibido, ter ido com toda a minha família para a Europa ou os Estados Unidos a fim de ver neve, civilização, limpeza, pessoas educadas e elegantes, organização, frio aconchegante e um verdadeiro Natal com direito a comer pratos raros e beber vinhos deliciosos. Mas como não trabalho na Petrobras, o jeito foi encarar mesmo as horrorosas e toscas festas natalinas deste triste fim do mundo.
Se neste ano eu tivesse caído em uma das inúmeras operações da Polícia Federal e do Ministério Público, até que poderia ver neve ou degustar finas iguarias no Natal. Com o dinheiro minguado e com pouquíssimas opções de lazer, minha esposa já foi me advertindo que eu não poderia beber muito nesta noite, pois no trabalho ainda teria que participar de um enfadonho Conselho de Classe. “-Vê se não gasta o dinheiro do IPTU e dos outros impostos que sempre pagamos no início do ano”, fui advertido pela fiscal que casou comigo. Sem dinheiro e sem perspectivas, não aceitei a rotina de ir à casa de parentes para participar de uma ridícula brincadeira de amigo oculto, beber cerveja ruim, ou então comer aquela gororoba horrível. Em Rondônia é tanta comida de baixa qualidade que procurei evitar uma indigestão ou uma bruta diarreia nos dias seguintes.
Como fui obrigado a passar o Natal em Porto Velho, não perdi tempo. Para ficar igual a muitos habitantes locais, bebi cachaça barata como se estivesse com o maior desgosto do mundo. Vesti uma roupa molambenta e a pé saí de casa reclamando e fui para o centro da cidade. Na Avenida Jorge Teixeira, próximo à rodoviária, caí no chão depois de escorregar numa poça de água suja. Bem perto dali, num boteco repleto de pessoas fedorentas e bêbadas ouvia-se repetidas vezes a música “Porque homem não chora”. Encostado numa “ruma” de pneus velhos enfeitados com detalhes natalinos, todo ensopado e tentando me livrar do calor e da chuva que caía, me senti no inferno. A cidade estava escura como sempre e em vez de neve, havia muita lama. Queria ouvir Beethoven, Vivaldi, Bach, mas só tinha o tal de Pablo. Que “sofrência”, meu Deus!
Chupando uma cabeça de mandi frito, fedendo a álcool, sujo e todo se cuspindo, um sujeito se aproxima de mim e puxa conversa. “-Nasci aqui mesmo e nunca passei um Natal tão bom quanto este em toda a minha vida”, disse querendo me impressionar. Elogiou umas dez vezes a decoração natalina da cidade, falou bem das autoridades locais e não escondia sua satisfação por todos os envolvidos nas operações policias já estarem soltos e passando o Natal “Deus sabe onde” com seus familiares. O miserável com bafo de onça ainda me provocou: “-Sabe, mano! Nas últimas eleições, ganhei todos os meus votos. Por isso estou aqui feliz e comemorando”. Cansado de matar carapanãs, molhado, decidi voltar para casa antes que uma “cadela no cio” começasse a me lamber. Quase fui assaltado no caminho. Em casa estava faltando água, não tinha energia nem internet. Pior: não vi Papai Noel nas ruas como haviam me falado. Feliz Natal uma ova!
É Professor em Porto Velho.
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