1 – FESTAS X LUTAS
Diversamente da inesquecível obra cinematográfica de Elio Petri - “A Classe Operária vai ao Paraíso”, 1971, trajetória de um operário que, por ocasião de um acidente, descobre a vida sindical -, no Brasil, pelo que se viu neste 1º de Maio, entorpecida pela ação insidiosa de peleguismos de toda ordem, a classe trabalhadora pensa que já está no próprio Éden e anda se chegando mais para festas do que para lutas. Forrobodó por forrobodó, em São Paulo o da Força Sindical humilhou miseravelmente a da CUT – levou 1 milhão e 300 mil pessoas ao mega-show recheado com sorteios de carros e apartamentos contra cerca de desproporcionais 45 mil gatos pingados da central governamental.
Sem falar que o fuzuê da Força teve o condão de mostrar-se filosoficamente mais instrutivo, resultado da reflexão do presidente da central, Paulo Pereira da Silva, ao tentar explicar o ecológico tema da folia – “Os Trabalhadores em Defesa do Planeta” -, e terminar por formular que “esse negócio de meio ambiente, até pouco tempo, era coisa do veado”. Um espanto! O tema, em si, chegou a ser alvo de crítica até do empresariado, pela voz de Guilherme Affif Domingos, secretário do Trabalho de São Paulo, que disse preferir o bordão do ano passado - Menos Imposto, Mais emprego. De fato. Aqui para nós, tem mais a ver.
Se não pelo demagógico “mais emprego” – só possível com crescimento, de cujo espetáculo os brasileiros ouviram falar no primeiro ano do primeiro governo Lula da Silva pela voz do próprio e só agora estão se dando conta de que era apenas mais uma das suas indigitadas metáforas -, quando nada pelo “menos imposto”. Mas, pelo visto, nem coisa e nem lousa. Tanto que este 1º de Maio, a falta de iniciativas que lhe honrassem a memória, terminou ficando marcado por ter sido precisamente neste dia que o governo atingiu a marca dos R$ 300 bilhões em arrecadação de impostos pagos pelos brasileiros. Mais um espanto! Porquanto, no ano passado, a cifra só seria alcançada no dia 11 do mesmo mês.
2 – MALOCA VADIA
Enfim, no ano passado, o volume de impostos pago em todo o País foi de R$ 812,7 bilhões, contra R$ 731,8 bilhões verificado em 2005 – diferença de R$ 80,9 bilhões. Para este ano, a projeção é que se chegue a mais de R$ 900 bilhões, ou seja, cerca de R$ 90 bilhões a mais do que no ano anterior. A constatação é da Associação Comercial de São Paulo (ASCP), que desde 2005 tem um contador em tempo real denominado “impostômetro”, que verifica quanto o governo já arrecadou em tributos.
De modo que, de um ano para o outro, verifica-se que o governo Lula da Silva aumenta a arrecadação de impostos em cerca de quase R$ 100 bilhões sem que se ouça um pio dos brasileiros, não obstante a progressiva degradação dos serviços públicos – a segurança é um pavor, a saúde uma tragédia e a educação uma piada. Em qualquer outro país, se o governo ainda não tivesse caído, a população estaria nas ruas exigindo a cabeça dos governantes. Como se vê pelo mundo afora, em situações análogas, a julgar especialmente pelo que ocorreu em outras plagas neste 1º de Maio. Por que será que, por aqui, os da terra são tão abestalhados, mormente quando se trata de o governo fazer do seu bolso uma casa de mãe Joana?
Tem a ver, leitor, com a fundação da maloca. Diversamente de outras nações – os EUA, para ficar só num exemplo -, o Brasil não teve sua formação associada a uma revolta de cidadãos produtivos contra tributos infligidos por colonizadores de mentalidade extorsiva. Nos EUA, na segunda metade do século XVII, quando a Inglaterra resolveu aumentar vários impostos e taxas, além de criar novas leis que tiravam a liberdade dos norte-americanos, os colonos se insurgiram e promoveram uma guerra de sete anos para proclamar a independência.
Por aqui, as elites locais nem se deram ao trabalho de substituir as estrangeiras no processo de independência, tendo confiado a tarefa a um membro da casa real tirana, emprestando-lhe vassalagem automática. Por isso a máxima dos revolucionários norte-americanos - “não à taxação sem representação” - não ficou na cultura tupiniquim.
3 – PARVOÍCE HERÓICA
Ai de um presidente norte-americano que inventasse de cobrar, de uma hora para outra, uma CPMF. E na improvável hipótese de que o cometesse e ficasse vivo, não o permaneceria para contar a história caso o “P” da sigla fosse apenas para engabelar a cidadania. Por aqui, no entanto, o mais próximo do que ocorreu nos EUA ficou por conta da chamada “Inconfidência Mineira”, uma fantasia libertária de um magote de poetas bem nascidos prontamente destroçada, restando apenas a memória do parvo Joaquim José da Silva Xavier, o apalermado alferes tomado como bode expiatório pela coroa portuguesa.
Mais fibra, determinação e coragem terá demonstrado Bento Gonçalves, que com seus farrapos se insurgiu também contra os impostos numa guerra de 10 anos. Mas aí o Brasil já era um império e, quando este ruiu, o heroísmo do general terminou preterido pelos fundadores da República como símbolo da independência em favor da parvoíce do alferes repaginada como heróica. De forma que ficou essa atitude atoleimada por parte dos brasileiros em relação aos impostos. Tanto que ainda lhe pespegaram o infame apelido de contribuinte. Umas cordas! Na observação do impagável Millôr, a vaca não dá leite – como dizem. Amarram-lhe as pernas e tiram-no.
Por incrível que pareça, no entanto, um dia já foi como nem o gozador que inventou essa história de contribuinte imaginou. Na Atenas clássica não havia impostos e, portanto, sequer cobradores do dito cujo. Os recursos necessários ao Estado, embora coletados regularmente dos cidadãos, eram voluntários e oferecidos em procissões públicas, das quais toda a população tomava parte. O cidadão sabia que, assim como em períodos de guerra a polis podia demandar suas vidas, na paz, requeria recursos e tempo com os assuntos comunitários. Entretanto, mais do que tudo, acreditava que a virtude consistia em oferecer o sangue, o tempo e os recursos voluntariamente, em defesa da liberdade da cidade. A isso se chamava civismo e, ao contrário do que ensinou o sindicalista, não era coisa de veado.
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