Apesar das conquistas profissionais dos últimos anos, a violência continua sendo uma dolorosa realidade no cotidiano de muitas mulheres amazonenses. A Delegacia da Mulher recebe uma média de 50 denúncias por dia, tendo registrado 700 ocorrências em janeiro de 2006.
*No ano passado, o número de denúncias recebido pelo órgão cresceu 25%, e inclui tanto agressões físicas, quanto psicológicas. Em alguns casos, a vítima não costuma ser poupada nem mesmo quando está grávida.
*Segundo a delegada adjunta da Delegacia da Mulher, Márcia Chagas Maciel de Araújo, na tarde de segunda-feira (6), em torno de 45 mulheres haviam comparecido ao órgão - localizado na rua Recife, Parque Dez, zona sul - para denunciar parceiros por espancamentos e ameaças. A média de ocorrências diárias é de 50 casos. “Apesar disso, podemos perceber uma maior conscientização das mulheres, que estão criando coragem em denunciar a violência praticada contra elas”, avaliou.
*Na avaliação da delegada, o maior acesso das mulheres à cultura e à informação, assim como a crescente busca pela ampliação de seus horizontes profissionais, costuma causar conflitos em alguns lares. “É o caso do homem que se sente ameaçado pelo sucesso pessoal e profissional da parceira”, explicou.
*Ela destacou que isso acontece em todas as esferas sociais, embora os resultados costumem ser diferentes, dependendo da formação e dos recursos disponíveis da vítima. “A delegacia atende mulheres de todas as zonas da cidade. No caso de mulheres das classes A e B, a maioria costuma fazer a denúncia. Quando possuem recursos financeiros, contratam um advogado e partem para o divórcio”, informou.
*Medo
*Márcia Chagas contou que, geralmente, a mulher passa dez anos sofrendo agressões em casa até resolver fazer a denúncia junto à polícia. “Muitas vezes, a violência começa com um empurrão, e a cada nova briga a agressão aumenta”, ressaltou.
*Em janeiro, foram registrados mais de 700 casos, mas a delegada alega que o número de agressões é o dobro da quantidade de denúncias. “Infelizmente, muitas mulheres desistem de levar o inquérito em frente e faltam à audiência, o que impossibilita a punição do agressor”, lamentou. A média anual registrada pela delegacia é de 14 mil casos, mas apenas 9.000 deles viram inquéritos, em virtude de desistência.
*Um dos motivos para isso é o medo de represálias, levando em conta as penalidades previstas pela Lei 9.099. Ela classifica o crime de violência contra a mulher como de menor potencial ofensivo, ou seja, aquelas consideradas de menor gravidade, cuja pena máxima prevista em lei não seja superior a um ano. Dependendo da situação e da gravidade do crime, as penas podem variar de um comprometimento formal de não agredir mais seu cônjuge, a dar cestas básicas até prestar serviços comunitários.
*A delegada, contudo, destaca a importância de denunciar o parceiro violento. “Na primeira ocorrência, o agressor receberá um termo circunstanciado. Embora não possa ser preso com tal documento, isso diminui bastante as possibilidades dele voltar a agredir a parceira, pois o homem fica com medo de ser processado e detido. Quando é feito o primeiro registro de agressão, é aberto um inquérito contra o agressor”, informou.
*Humilhações diárias
*A dona de casa Ivanilse Alfaia, 41, contou que foi espancada pelo marido - que ela prefere não informar o nome - durante doze anos. Segundo ela, nos últimos cinco anos, a violência começou a aumentar, chegando ao ponto de levá-la ao hospital por várias vezes. Ela destacou que não havia registrado queixa antes pois amava o marido, mas as humilhações se tornaram diárias.
*“Ele dizia que gastava muito dinheiro comigo e que não tínhamos filhos, e então me batia. Na semana passada, levei um soco no seio e tive de ir ao hospital. Nos últimos dias, levei um soco no olho e tive de levar dois pontos no supercílio direito. Só tive coragem de fazer a denúncia porque meu esposo me desafiou. Agora pretendo me separar, pois não somos casados no papel”, desabafou.
*Violência que se repete
*A psicóloga Simone Abrain frisou que a violência pode deixar marcas profundas - físicas e psicológicas - e, quando praticada uma vez, tende a se repetir. De acordo com ela, algumas famílias, por apresentarem esse tipo de comportamento há várias gerações, vêem a violência como algo natural, embora existam centros de atendimento à mulher espancada ou violentada que ajudam na recuperação emocional de quem passa por esse tipo de experiência.
*Simone Abrain declarou que a violência contra a mulher sempre existiu e esse fato é decorrente da pouca valorização dada pela sociedade ao gênero feminino. De acordo com ela, antigamente isso não representava um problema, pois a mulher tinha o papel de servir ao homem e a ele demonstrar submissão. Na avaliação da psicóloga, à medida em que as mulheres conquistam maior igualdade de direitos e alcançam independência financeira, a violência começa a sair da clandestinidade e passa a ser denunciada.