Após sete horas de julgamento, ocorrido nesta segunda-feira, 12, no plenário da 2ª Vara do Tribunal do Júri da Comarca de Porto Velho - Rondônia, Carina Pedraza Paixão foi condenada à pena de 19 anos, sete meses de prisão. Na sentença condenatória, o Juiz de Direito Aldemir de Oliveira, titular da 2ª Vara do Júri determinou também que o regime inicial para o cumprimento da pena seja o fechado.
Carina Pedraza foi acusada de matar Márcia Marques do Nascimento, tentado contra a vida de Roneymar Marques do Nascimento e Edilson da Silva Nascimento. Ela ateou fogo nas vítimas no dia 30 de outubro de 2009, por volta das 20h30minutos, na Rua Adoniram Barbosa, nº 5730, Bairro Escola de Polícia, em Porto Velho.
Na sessão de julgamento, o Conselho de Sentença decidiu que a Ré deveria ser condenada pelos crimes de homícidio consumado, lesão corporal de natureza gravíssima e lesão corporal de natureza grave. Na sentença o magistrado fez questão de mencionar que a vítima deixou filhos, os quais estão totalmente desamparados, recolhidos a abrigos públicos.
VEJA A SENTENÇA NA ÍNTEGRA:
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE RONDÔNIA
COMARCA DE PORTO VELHO
2ª VARA DO TRIBUNAL DO JÚRI
Autos nº 0102254-05.2009.8.22.0501
Ré: Carina Pedraza Paixão
Vistos e etc.
Carina Pedraza Paixão,já qualificada nos autos, foi pronunciada, sob a acusação de ter, mediante o uso de fogo, causado a morte da vítima Márcia Marques do Nascimento, tentado contra a vida da vítima Roneymar Marques do Nascimento e causado lesão corporal na vítima Edilson da Silva Nascimento,fatos ocorridos no dia 30 de outubro de 2009, por volta de 20h30min, na Rua Adoniran Barbosa, nº 5.730, Bairro Escola de Polícia, nestaCapital e Comarca.
Na data de hoje, a acusada foi submetida a julgamento pelo Tribunal do Júri, havendo os senhores Jurados decidido o seguinte:
1. Com relação à vítima MÁRCIA
O Conselho de Sentença reconheceu a materialidade do delito, o nexo de causalidade e a autoria por parte da acusada CARINA (1º, 2º e 3º quesitos).
A tese defensiva alternativa – ausência da vontade livre e consciente de matar – foi afastada na votação do 4º quesito, que reconheceu a existência do dolo direto.
A tese da desclassificação para homicídio privilegiado pela violenta emoção, de igual modo, foi afastada, no 5º quesito.
As qualificadoras descritas na pronúncia e sustentadas em plenário – emprego de fogo e surpresa - foram acatadas (6º e 7º quesitos).
2. Com relação à vítima RONEYMAR
O Conselho de Sentença reconheceu a materialidade do delito e a autoria por parte da acusada CARINA (1º e 2º quesitos).
Na votação do 3º quesito, o Conselho de Sentença reconheceu a tese principal apresentada pela defesa técnica, consistente na desclassificação para crime estranho à competência do Júri Popular, foi afastada.
Nesse contexto, basta adequar a conduta da acusada a um dos tipos penais, excluída a existência do crime doloso contra a vida.
Afastado o homicídio tentado, a conduta da acusada tem melhor adequação ao crime de lesão corporal dolosa, pois - mesmo que não tenha havido vontade livre e consciente de lesionar - evidencia-se que a acusada, com sua conduta de deitar combustível e atear fogo, assumiu o risco do resultado.
Assim, tem-se que o delito praticado pela acusada é aquele previsto no art. 129, §2º, IV do Código Penal, pois - do laudo (fls. 47/48) e dos esclarecimentos prestados pelo perito (fl. 137) - conclui-se que a pequena vítima teve perda de 65% da superfície dérmica.
As qualificadoras descritas na pronúncia e sustentadas em plenário – fogo e surpresa (outro recurso que impossibilite a defesa da vítima) – ficaram prejudicadas (4º e 5º quesitos).
A causa de aumento referente à prática de crime contra menor de 14 anos, compatível com o crime de lesão corporal, foi reconhecida pelo Conselho de Sentença (6º quesito).
3. Com relação à vítima EDILSON
O Conselho de Sentença reconheceu a materialidade do delito e a autoria por parte da acusada CARINA (1º e 2º quesitos).
A tese defensiva, consistente na ausência da vontade livre e consciente de lesionar, foi afastada, no 3º quesito, pois o Conselho de Sentença reconheceu a existência do dolo eventual.
A qualificadora da incapacidade para as ocupações habituais, por mais de 30 dias, foi reconhecida (4º quesito).
4. Resumo
Em resumo, a acusada deve ser condenada pelos crimes de homicídio consumado, lesão corporal de natureza gravíssima e lesão corporal de natureza grave.
5. Concurso de crimes
Os crimes foram praticados mediante uma só ação, de modo que aplicável o concurso formal descrito no art. 70, caput do Código Penal, ou seja: aplica-se da pena do crime mais grave, com o aumento de 1/6 até 1/2.
6. Dispositivo
Em face do exposto, fiel à soberania do Tribunal do Júri, julgo parcialmente procedente a pretensão punitiva estatal descrita na denúncia e, em consequência, condeno a acusada Carina Pedraza Paixão, já qualificada nos autos, como incursa nas sanções do art. 121, § 2º, incs. III (fogo) e IV (surpresa), com relação à vítima Márcia Marques do Nascimento; art. 129, § 2º, inc. IV e § 7º, com relação à vítima Roneymar Marques do Nascimento; e art. 129, § 1º, inc. I, com relação à vítima Edilson da Silva Nascimento; c/c art. 70, caput; todos do Código Penal;
A pena será aplicada com relação ao homicídio consumado, que é o crime mais grave.
Pena-base
Trata-se de acusada imputável, que agiu com consciência da ilicitude de seu ato, sendo que dela era exigível conduta diversa, na forma do tipo penal pertinente. A acusada é primária e não registra antecedente criminal. A conduta social e a personalidade, à luz da prova produzida, devem ser consideradas dentro dos padrões da normalidade aceitos pela sociedade em geral. O motivo determinante do crime – ciúmes exagerados de seu companheiro - não pode ser considerado de forma desfavorável à acusada. As circunstâncias do crime, ao contrário, são desfavoráveis e devem ser sopesadas para agravar a pena-base. Duas foram as qualificadoras reconhecidas: a primeira, emprego de fogo, será utilizada para qualificar o crime; a segunda, surpresa, será utilizada neste item para a exasperação da pena-base, conforme entendimento do STJ (RHC 7.176-MS-DJU de 06-04-98, p. 162 - Rel. Min. Fernando Gonçalves. As conseqüências do delito, de igual modo, ultrapassam a previsão do tipo penal, pois a vitima deixou filhos, os quais estão totalmente desamparados, recolhidos a abrigos público, inclusive. Por fim, não há prova que a vítima, com o seu comportamento, tenha contribuído para a eclosão do delito. Na concorrência desses motivos, a pena-base deve ser fixada um pouco acima do mínimo legal. Assim, atendendo ao que dispõe o art. 59 do Código Penal, fixo a pena-base em 15 (quinze) anos de reclusão.
Agravantes e atenuantes
Reconheço em favor da acusada a existência da atenuante genérica da confissão espontânea (art. 65, III, d, CP), de modo que reduzo a pena imposta de 01 (um) ano.
Nesta fase intermediária, a pena repousa em 14 (quatorze) anos de reclusão.
Causas de aumento ou diminuição
Considerando o reconhecimento do concurso formal (art. 70, CP), aumento a pena 2/5 (dois quintos), ou seja: de 05 (cinco) anos e 07 (sete) meses e 06 (seis) dias.
Aumentei acima do mínimo previsto, em consideração ao número de delitos cometidos, ou seja: lesão corporal de natureza gravíssima e lesão corporal de natureza grave.
Pena definitiva
Dessa forma, na ausência de qualquer outra causa modificadora, fica a acusada Carina Pedraza Paixão condenada definitivamente à pena de 19 (dezenove) anos 07 (sete) meses e 06 (seis) dias de reclusão.
Regime da pena e outras determinações
A acusada cumprirá a pena privativa de liberdade, inicialmente, em regime fechado, nos termos do art. 2º, §1º da Lei dos Crimes Hediondos.
Os motivos invocados para a decretação da prisão cautelar ainda estão presentes. Trata-se de crimes graves e com grande repercussão negativa na comunidade, principalmente quando uma das vítimas é uma criança. Ademais, as circunstâncias em que foram praticados – principalmente o emprego de meio cruel, consistente no fogo - exteriorizam a necessidade da prisão cautelar, como forma de garantir a ordem pública. Ademais, já houve decisão do Júri Popular, de modo que a soltura daria a impressão de impunidade e, via de consequência, serviria de incentivo para fatos semelhantes, também trazendo risco à ordem pública. Recomende-se.
Isento a acusada do pagamento das custas processuais, porque é pobre, conforme demonstram as provas coletadas ao processo, tanto que assistida por Defensor Público.
Em caso de apelação, expeça-se a guia de recolhimento provisório.
Após o trânsito em julgado, proceda-se às seguintes providências: a) anotações nos livros; b) alimentação do SAP; c) comunicações necessárias, ao TRE/RO, inclusive, para a suspensão dos direitos políticos; d) lançamento do nome da ré no Livro do Rol dos Culpados; e e) expedição da guia de recolhimento definitivo e remessa à Vara de Execuções Penais desta Capital.
Dou a sentença por publicada em plenário e as partes por intimadas.
Registre-se.
Sala Secreta do 2º Tribunal do Júri, em Porto Velho, Capital do Estado de Rondônia, aos doze dias do mês de abril do ano de dois mil e dez, às 15h50min.
ALDEMIR DE OLIVEIRA
Juiz Presidente