Tramita na Assembleia Legislativa do Estado do Amazonas (ALEAM) um projeto de lei que pretende flexibilizar o licenciamento ambiental de obras e atividades de manutenção na BR-319, que liga Manaus (AM) a Porto Velho (RO).
De autoria do deputado Fausto Junior (União Brasil), o projeto foi apresentado na última terça-feira (10) e segue regime de tramitação ordinária na ALEAM.
A proposta do parlamentar é que, em trechos da rodovia onde a competência para licenciamento ambiental seja do governo do Estado, atividades como supressão de vegetação nativa secundária e realização de obras na faixa de domínio, como instalação de praças de pedágio, estejam dispensadas de realização de licenciamento.
Faixa de domínio é a área lateral das rodovias, adjacente à faixa de rolagem, usada para acostamento e para construção de estruturas de apoio. Sua largura varia de acordo com o tipo de rodovia e conforme o órgão responsável. Segundo o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), a faixa de domínio da BR-319 pode chegar a ter 50 metros.
Em sua justificativa, Fausto Junior defende que a exigência de licenciamento ambiental para realização de obras e para manutenção da estrutura rodoviária gera “impasses” à finalização da BR-319.
“Não se pode olvidar que por vezes o licenciamento ambiental obstaculiza até o desempenho de atividades básicas e rotineiras nas faixas de domínio das rodovias, como conservação de rotina (poda e roçada de vegetação), intervenções, terceiras faixas, etc. […] Por isso, urge a necessidade de regulamentar a matéria no âmbito do Estado do Amazonas a fim de evitar ainda mais entraves que impeçam eventuais intervenções básicas que se façam necessárias para recuperação da BR-319”, diz.
A publicação da norma foi captada pelo Foco Amazônia, ferramenta do projeto Política por Inteiro que monitora políticas públicas relacionadas à mudança do clima nos estados da Amazônia Legal.
Imbróglio sobre competência
O projeto de Lei do deputado Fausto Junior esbarra em um entrave jurídico que se estende há anos: a competência para o licenciamento ambiental da obra.
Atualmente, para toda e qualquer obra na BR-319, em qualquer um dos trechos e independente de ser na faixa faixa de rolagem ou na área adjacente, a competência para licenciamento ambiental é do Ibama.
Mas não foi sempre assim. Desde que as obras de reconstrução em trechos amazonenses da BR-319 foram retomadas pelo DNIT, em 2000, e até 2005, quem emitia as licenças era o órgão licenciador do estado do Amazonas, o Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (IPAAM).
Em 2005, o Ministério Público Federal (MPF) entendeu que a competência para o licenciamento das obras na rodovia deveria ser do órgão federal, seguindo o que previa a Resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) nº 237/97, que regrou o licenciamento ambiental no país.
Nos 10 anos que se seguiram, o Departamento de Trânsito apresentou três versões de Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA), que foram rejeitados pelo Ibama, por não estarem de acordo com o Termo de Referência criado para o licenciamento da obra.
Em 2014, o DNIT licenciou junto ao IPAAM a realização de obras de manutenção e conservação da rodovia, obras estas que foram embargadas, de novo baseado no entendimento de que qualquer alteração deveria ser autorizada pelo Ibama.
Em 2015 o governo do Estado do Amazonas tentou uma manobra para que parte do licenciamento ficasse sob sua responsabilidade, mas novamente foi barrado pelo Ministério Público Federal.
“Essa tentativa [a partir do PL de Fausto Junior] de que as obras de manutenção fiquem na competência do governo estadual me parece muito semelhante àquela primeira manobra, vamos dizer assim, que aconteceu em 2015”, explica a pesquisadora Fernanda Meirelles, coordenadora de governança territorial do Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável da Amazônia (Idesam) e secretária executiva do Observatório BR-319.
“Por se tratar de uma rodovia interestadual, a BR-319 é uma rodovia de licenciamento federal. A respeito da faixa de domínio é a mesma coisa, porque ela é para uso rodoviário, então, não faz sentido ser [competência] federal e existir uma faixa de domínio que quem faz o licenciamento é o estado, ela continua sendo uma área da União, usada para fins rodoviários”, complementa.
Se projeto de lei passar
A Assembleia Legislativa do Estado do Amazonas é fortemente marcada pela presença de deputados ruralistas. Em julho de 2021, o legislativo amazonense já havia aprovado um projeto de lei que a frouxava as licenças ambientais no estado.
Em uma eventual aprovação do PL de Fausto Junior e sanção do governo, os licenciamentos na BR-319 poderiam se tornar menos rigorosos e criteriosos, explica Fernanda Meirelles.
“No estado o processo de licenciamento é pouco transparente, não permite nenhum controle social. Em termos de impacto, com certeza seriam licenciamentos menos criteriosos e mesmo na parte técnica e financeira, a dedicação, com certeza, seria menor”, explica.
Estando o licenciamento nas mãos do estado ou do Ibama, as obras na BR-319 não deixam de ser polêmicas.
Em 2019, o projeto de reconstrução do chamado Trecho do Meio, que tem maior extensão e corta as porções mais intocadas da floresta, foi qualificado no Programa de Parcerias de Investimentos do Ministério da Economia.
Ambientalistas e organizações que trabalham pela proteção da Amazônia tentam barrar as obras nesse trecho, pelos grandes impactos que elas trarão não só ao meio ambiente, mas também às populações tradicionais da região.
“Não estamos no melhor cenário federal. Sabemos que, sendo o licenciamento hoje em dia de competência do Ibama, não há nenhum impedimento para sair”, diz a secretária-executiva do Observatório BR-319. Segundo ela, a previsão é que o Ibama emita a licença prévia das obras nas próximas semanas.
“Não sabemos quais serão as condicionantes, as medidas compensatórias e mitigatórias que o Governo Federal vai trazer, mesmo assim, é um cenário melhor do que se [o licenciamento] estivesse no estado”, finaliza.