A pesquisa “Pandemia e os Impactos Financeiros”, realizada pela Serasa em parceria com o Instituto Opinion Box, revela o que mudou na vida financeira dos brasileiros após dois anos de luta contra a Covid-19, com reflexos nas transformações nos hábitos de consumo, lazer e comportamento.
O estudo mostra que o brasileiro aumentou sua disposição para empreender, buscando renda por conta própria, reduziu o uso do dinheiro vivo, substituindo-o pelo PIX. Também passou a priorizar os gastos em casa, como TVs por assinatura, e reduziu drasticamente os investimentos com lazer externo. A tendência também foi seguida na região Norte.
O levantamento da Serasa e Opinion Box é a consolidação de um estudo comparativo entre os resultados obtidos em fevereiro de 2021, quando a pandemia completou um ano, e fevereiro de 2022, após dois anos da chegada da Covid-19 ao Brasil.
Quase metade dos nortistas também sentiram queda nos vencimentos
Renda
A pesquisa constatou que a renda diminuiu para um terço da população brasileira entrevistada (34%). E 41% dos consultados afirmaram não ter tido alteração na renda. Entre os que registraram aumento de renda no período, percebe-se um crescimento de oito pontos percentuais: eram 17% em 2021 e, agora, são 25%.
Já na Região Norte, 41% das pessoas entrevistadas afirmaram que a renda diminuiu, 35% não tiveram alteração e 24% tiveram aumento de renda.
Para o professor de Economia da Universidade Federal de Rondônia (UNIR), Otacílio Moreira, os participantes da pesquisa não souberam avaliar o peso da inflação em seus salários.
“Para esses 41% nem todos estão colocando o impacto da inflação do ano passado, que foi de 10%. Só nos 3 primeiros meses do ano tivemos uma inflação de 3,2% e já estamos chegando na meta, que é de 3,5%. Ou seja, em abril e maio vamos extrapolar esse índice. O IBGE apontou que o brasileiro teve a pior remuneração da série histórica”, pontuou ele.
Moreira ainda destaca: “O trabalhador que já ganhou 3 mil reais, hoje ganha menos R$ 2.500. Durante a pandemia caiu drasticamente. Cerca de 35% disseram ao IBGE que a renda não caiu e 24% apontaram que a renda até aumentou. A gente pergunta para um servidor público que já não tem aumento há 3 anos e vai ter 5% de reajuste, ele vai dizer que não perdeu. Mas perdeu sim. A inflação corrói o poder de compra da população”.
Inflação tem impactado poder de compra e também a rotina de pagamento de atrasos nas contas da população
Mais gastos
Cresceu também o número de pessoas que afirmaram ter verificado aumento nas despesas: de 50% (2021) para 63% (2022). O mesmo patamar segue na Região Norte, em que 62% dos entrevistados relataram ter mais despesas.
“Teremos três anos de inflação acima de dois dígitos. Só em 2023 que esperamos que não tenha isso, mas há muito tempo o brasileiro não experimentava inflação alta. Isso é muito ruim para economia. Tudo está caro e a população não sente muito, porquê tem feito malabarismos. Está substituindo o produto mais caro pelo mais barato”, falou o professor da UNIR.
Mesmo com o aumento de gastos e a queda da renda, mais brasileiros voltaram a pagar as contas em dia. O percentual de pontualidade aumentou de 46% no primeiro ano da pandemia (2021) para 51% (2022).
“No Norte, a situação é mais precária: 38% dizem que conseguem pagar todas as contas. Muitas pessoas não conseguem pagar todas as contas e tornam-se inadimplentes”, afirmou Otacílio Moreira.
Cortes
Para passar a pandemia sem dívidas ou sem atrasar as contas, 51% dos entrevistados disseram ter cortado os gastos desnecessários, enquanto em 2021 eram 46% nessa situação. Na região Norte, 46% dos entrevistados afirmaram ter cortado os gastos desnecessários atualmente.
“Já estamos vendo as pessoas substituindo sabão em pó, amaciante, detergente, o café, que aumentou demais. Aquele que consumia determinada marca, compra um mais barato. Pessoas que consumiam carne de primeira, agora está comprando músculo, espinhaço, costela para balancear a renda. Se não, a conta não fecha no final do mês”, explicou Moreira.
No Norte, as famílias têm priorizado pagamento de aluguéis, planos de saúde e financiamentos de carro ou casa
Pagamentos de contas
A pesquisa constatou que, mesmo em meio às dificuldades, houve um aumento significativo dos brasileiros que conseguiram pagar em dia uma ampla gama de contas.
Eles deram prioridade para os planos de saúde (2022: 88% - 2021: 74%), seguros (2022: 87% - 2021: 73%), serviços de assinatura como Netflix e Amazon (2022: 84% - 2021: 77%), escolas ou faculdades (2022: 82% - 2021: 65%) e aluguel (2022: 81% - 2021: 68%).
Comparado com os números nacionais, o Norte apresenta um percentual menor de pagamento em dia, sendo prioridade o aluguel (84%), plano de saúde (78%), financiamento de carro ou casa (76%), serviços de assinaturas como Netflix e Amazon (75%), empréstimos com instituições financeiras (75%) e seguros (71%).
“Mesmo assim, as pessoas não estão conseguindo nem comprar o básico. Pelo menos 77,7% da população brasileira está endividada. Outros 29% estão inadimplentes. São 62 milhões de brasileiros que estão com ao menos uma conta em atraso. Isso é reflexo do aumento da despesa. As pessoas não estão conseguindo pagar a conta de luz, a parcela de algum bem comprado em alguma loja atrasada ou deixando de pagar o total do cartão de crédito”, destacou o economista.
E ele ainda vai um pouco mais além: “Só não está pior por conta dos programas feitos pelos Tribunais de Justiça, Procons, Fecomércio, CDL, Serasa, SPC com feirões Limpa Nome, com derrubada de juros, multa, dando condição de novos prazos para que as pessoas paguem. Se não fosse isso, o índice no Norte seria muito maior”.
Brasileiros têm dificuldade de colocar gastos em planilhas ou até fazerem lista de supermercado, afirma professor da UNIR
Planejamento financeiro
Fazer um planejamento financeiro também ajudou: 42% dos entrevistados no país revelaram que agora se planejam mais, contra 21% em 2021. Na Região Norte esse percentual ficou em 36%.
“Uma situação grave dos brasileiros é a falta de educação e do planejamento financeiro. A maioria não consegue fazer uma lista quando vai ao supermercado para comprar o que é estritamente necessário. Boa parte não faz pesquisas de preço, alegando que vai gastar gasolina. Não precisa mais isso, todos os mercados têm redes sociais ou WhatsApp com preços”, analisou o professor da UNIR.
Muitas lições de como lidar com o dinheiro foram assimiladas nos tempos difíceis do confinamento: 67% disseram que agora dão mais importância em ter dinheiro guardado, 62% admitiram ter aprendido a cuidar melhor do dinheiro e 54% perceberam que gastavam muito com o que não precisavam.
Mas, para o especialista em economia, colocar no papel todos os gastos e ganhos ainda não é uma realidade para a maioria da população.
“São poucas as famílias que usam planilha de gastos. Quanto gastou com a casa, na educação, saúde, com transporte, com tudo. Hoje você pode separar ou aplicativos que colocam o estabelecimento de metas mês a mês. Com esse planejamento você se policia. Tipo, nesse mês gastei mais com energia, gastei mais com água, no mercado”, comentou Otacílio Moreira.
Lazer
Entre os participantes, 31% dos entrevistados no Brasil disseram não investir nenhum dinheiro com lazer atualmente, enquanto 58% disseram ter reduzido os gastos com esse tipo de atividade. No atual cenário, 26% dos entrevistados do Norte declararam não investir dinheiro com lazer.
“Esperava-se que o brasileiro viajasse mais, porém a inflação está prejudicando isso. O aumento no querosene de aviação aumentou 50% só esse ano. O preço das passagens aéreas está impraticável. Valores das hospedagens e locações de veículos têm aumentado muito. Esses fatores têm inibido que as pessoas gastem mais com lazer”, lamentou o especialista.
Antes da pandemia, a população da Região Norte que participou da pesquisa tinha gastos com shoppings (46%), feiras (45%) e bares e restaurantes (39%). Agora, houve uma redução nas atividades e apenas 28% preferem ir a shoppings, 38% a feiras e 24% a bares e restaurantes.
“Na pandemia, as pessoas frequentaram mais a farmácia, com compra de álcool em gel, máscaras e remédios para aumentar a imunidade. Os supermercados também tiveram grande movimento, com aquele alvoroço todo”, detalhou Moreira.
Hoje PIX lidera formas de pagamento preferidas pelos consumidores
PIX
Com a chegada do PIX e outras soluções digitais, o dinheiro em espécie não figura mais entre as três principais opções de pagamento do brasileiro. Antes da pandemia os pagamentos eram realizados com cartão de crédito (63%), cartão de débito (54%), dinheiro vivo (54%), aplicativo do banco (43%) e carteiras digitais (23%).
“O Banco Central introduziu facilidades para o pagamento, com o PIX. Com ele, você faz transferências de um banco para o outro, sem pagamento de taxas e de forma instantânea”, disse Moreira.
Atualmente, o cenário mostra a liderança do PIX (67%), cartão de crédito (67%), cartão de débito (41%), aplicativo do banco (41%) e dinheiro vivo (32%).
“Isso tem dado uma chacoalhada no mercado financeiro, tirando a concentração daqueles cinco grandes bancos que detinham 90% do mercado de ativos. Hoje ainda é de 80%, mas tem os bancos digitais e startups aparecendo, tirando clientes das instituições tradicionais. Isso é muito bom, pois os juros diminuem. Há um grande investimento no mercado imobiliário, por exemplo. Em 2020 e 2021 houve uma grande injeção de recursos nessa área”, expressou ele.
Quem perdeu o emprego aproveitou a oportunidade para fazer o que já sonhava ou para sobreviver e pagar as contas
Donos do próprio negócio
Durante a pandemia, 35% das pessoas entrevistadas começaram a empreender. Entre elas, 31% passaram a vender produtos que não usavam mais, 23% se tornaram filiados digitais e 20% foram trabalhar como freelancer.
Já no Norte do país, 40% das pessoas começaram a empreender. Entre elas, 32% se tornaram filiados digitais, 25% passaram a vender produtos que não usavam mais, 19% foram trabalhar como freelancer e 17% fizeram comida ou doces para vender.
“Com o fechamento de vários estabelecimentos, as pessoas que foram demitidas abriram seus negócios em suas casas. Passaram a produzir pizzas, bolos, doces. Outros fizeram ornamentos para festas em casa, tábuas de frios, cestas de café da manhã. São coisas que vieram para ficar. Hoje estão abrindo formalmente o próprio negócio”, tabulou Otacílio Moreira.
Problemas psicológicos afetaram vida dos trabalhadores em geral, segundo pesquisa da Serasa e Opinion Box
Saúde mental
Ao longo de dois anos de pandemia, as questões psicológicas impactaram a vida da população, graças aos reflexos com as preocupações econômicas.
A pesquisa constatou que 67% declararam estar com problemas de concentração para realizar tarefas diárias, 65% tiveram pensamentos negativos devido a uma situação financeira complicada e 65% sofreram crise de ansiedade pelo excesso de preocupações com dinheiro.
“Os abalos emocionais aconteceram bastante durante a pandemia. Muitas pessoas que tentaram e outras que, lamentavelmente conseguiram tirar a própria vida. Muito a ver com a preocupação financeira. Situação financeira, briga conjugal, pessoas que não conseguem honrar os compromissos. Insônia, atrasos no trabalho, a pessoa não consegue produzir bem”, analisou o professor da UNIR.
A pesquisa constatou que 74% dos entrevistados do Norte tiveram pensamentos negativos devido a uma situação financeira complicada, 71% sofreram crise de ansiedade pelo excesso de preocupações com dinheiro e 69% relataram estar com problemas de concentração para realizar tarefas diárias.
“Muitos perdem o emprego e o abalo aumenta ainda mais. Há o atendimento psicológico da UNIR e outras faculdades particulares tiveram muito trabalho durante a pandemia. Os efeitos da Covid aliado ao fato de ter que ficar em casa muito tempo, resultou em impactos emocionais terríveis”, disse o economista.