Por Pastor Douglass Suckow
Foto: Divulgação
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Texto base da reflexão: Juízes 9.8-15 (a parábola das árvores e o espinheiro)
Gideão foi um dos juízes que julgou sobre Israel e depois de sua morte, Abimeleque, um de seus 70 filhos, tomou o poder ilegitimamente, fazendo alianças espúrias e matando 69 de seus 70 irmãos. O único que escapou foi Jotão, que profere uma sentença sobre o povo de Siquém, onde Abimeleque governou por 3 anos, através deste apólogo riquíssimo registrado em Juízes 9, pleno de verdades e princípios de administração, dos quais quero aqui destacar alguns, principalmente aqueles que dialogam com nosso tempo e momento político.
O primeiro princípio que quero destacar desta parábola é, hoje, um princípio da administração pública: a PROBIDADE.
O dicionário Aurélio assim conceitua probidade: Qualidade de probo (De caráter íntegro; honesto, honrado, reto, justo); integridade de caráter; honradez, pundonor.
Ora, desde a antiguidade então que se anseia por líderes honestos. As árvores da parábola procuraram árvores que davam frutos, uma expressão alegórica de quem anda em retidão, também trazida por Jesus (Mt 7.15-18; Mt 12.33; Jo 15).
Todos nós queremos líderes virtuosos, em todas as esferas da vida, que se preocupem conosco e nos governe com equidade. Na família, na empresa em que trabalhamos, nas comunidades religiosas e também na política.
Nunca conheci ninguém que almejasse o contrário disto. Nunca ouvi nenhum discurso neste sentido e creio que você também não, pois todos nós almejamos por líderes bons e honestos.
O segundo princípio destacado é o da OPORTUNIDADE.
Percebemos claramente que a oportunidade foi franqueada primeiramente às arvores frutíferas, no entanto elas declinaram de imediato, alegando não querer deixar de focar em seus afazeres, “que tanto agradava aos deuses e aos homens”, para ter que governar sobre as outras árvores. Que discurso egoísta e PERIGOSO.
Sim, perigoso!
Foi justamente a ausência de árvores frutíferas em posição de governo que fez com que as outras árvores fossem até o espinheiro para governá-las. Você se lembra do desabafo de Martin Luther King, citado anteriormente? Pois é, o silêncio dos bons, que eu aqui vou traduzir como PREVARICAÇÃO, foi exatamente a porta de acesso para o espinheiro, um arbusto parasita altamente nocivo do Oriente Médio que tirava a vida de tudo que vivia ao seu redor.
Do mesmo modo, nos nossos dias, governam como aqueles espinheiros, pessoas altamente nocivas, parasitas que amam o dinheiro e a vida fácil, pela prevaricação dos que realmente deveriam fazer a diferença em todas as áreas, inclusive na política.
Desculpe a franqueza, caro leitor, mas a culpa é nossa! Passamos muitos anos nos omitindo, cuidando de nossas “coisas” e deixamos a política (leia-se posições de governo) para os maus, sob a pecha de que nós, cristãos, somos separados e não podemos nos envolver com política, sendo que, em verdade, somos regidos por ela 24h por dia e, de acordo com os conceitos já expostos, somos seres altamente políticos em essência, pois, como cristãos, almejamos o bem dos outros, mais do que a nós mesmos, como orientação apostólica (Rm 12.10; 15.2 e I Co 10.24).
Quando eu afirmo que somos regidos a todo instante pela política me refiro às ações políticas das esferas de governo que afetam diretamente nosso modo de vida na cidade, negativa ou positivamente. São muitas as ações que poderíamos aqui elencar, como por exemplo, taxas de juros, aumento do combustível, obrigatoriedade de estacionamento para igrejas, leis que afetam as famílias e a educação infantil, e por aí vai. Quando não há um claro posicionamento político do povo de Deus, abre-se a brecha para que os homens de má índole política venham gerir estas ações, colocando em risco o equilíbrio social e nos fazendo passar por situações que poderíamos evitar.
Muitas vezes oramos muito a Deus para que ele resolva a desgraça que está instalada em nossa política, sendo que a culpa e a responsabilidade é totalmente nossa, inclusive de consertar os erros cometidos ao longo do tempo através de nossa omissão. Não quero dizer com isso, que não devamos orar, pelo contrário, nossa vida deve ser de constante e fervente oração, no entanto, aliadas às nossas orações, devem estar nossas ações políticas responsáveis, que refletem diretamente no modo como vamos conviver e influenciar gerações. Há muita coisa a ser feita que não é de responsabilidade de Deus e estamos pedindo a Ele pra fazer. É como se estivéssemos com muita sede e ficássemos em oração ao lado de uma nascente de águas minerais, pedindo insistentemente para que ele nos servisse com água. É demais não é? Ah me perdoe o aparente exagero, mas é praticamente assim que estamos agindo, orando pra Deus entrar na política, sendo que estamos em democracia, ou seja, nós é quem devemos estar lá influenciando e promovendo mudanças que trazem a felicidade humana na cidade.
Medite comigo, caro leitor, nesta passagem bíblica abaixo:
Ao comerem o fruto da nova terra, no dia seguinte, cessou o maná de cair do céu. E os filhos de Israel nunca mais tiveram o maná, todavia deste ano em diante começaram a se alimentar dos frutos da terra de Canaã. Josué 5.12
Grifei propositalmente a frase para meditarmos nisso. Ora, os hebreus comeram o Maná por quase 40 anos, como uma provisão sobrenatural de Deus, que traduzia, em verdade, Seu profundo amor e zelo por aqueles a quem havia tomado como filhos. O que aconteceu agora? Seu amor acabou?
Não, claro que não!
O que aconteceu é que, quando não há mais possibilidades humanas, entra o agir de Deus (vice-versa), e por isso eles comeram o Maná. Não havia plantação de trigo no deserto. Então ao entrarem na terra que manava leite e mel, é nitidamente óbvio que o Maná precisaria cessar. Não que ele seja desprezível, ou enjoativo, ou qualquer outra conjecturação, mas agora ele é desnecessário, visto que a terra prometida já tinha a provisão necessária para o sustento da nação hebraica.
Pois bem! Dentro deste mesmo princípio quero dizer que a RESPONSABILIDADE das alterações políticas de nosso país, Estado e cidade, não é de Deus, mas é nossa, visto que habitamos em um país cujo regime político é a DEMOCRACIA, ou seja, em suma, nós participamos ativamente dos processos políticos. E são várias as formas de exercermos nossa cidadania, enquanto igreja e cidadãos em nossas comunidades: exercendo escolha através do voto, militando por alguém que julgamos ser árvore frutífera, nos candidatando a cargos eletivos, promovendo campanhas sociais em nossas comunidades (como sensibilização à sustentabilidade, por exemplo, ou limpeza dos canais nos bairros, ações globais, oferecimento de cursos profissionalizantes para quem está na margem da pobreza, colocação de lixeiras nas casas para evitar sujeiras pelo chão que atraem animais peçonhentos e doenças, luta contra pedofilia, violência doméstica, racismo, etc…).
Neste ponto quero destacar e defender a teologia da missão integral da igreja, que, segundo Bezerra (2017, pg 16), afirma:
A fé cristã não é desconexa da vida humana. Os diversos aspectos relacionados à vida do sujeito, como vida familiar, profissão, formação cultural, possibilidades econômicas e concepção política, estão interligados com a fé. Em todos esses pontos devem prevalecer os valores cristãos; cabe ao Cristão buscar aplicar na própria vida os fundamentos referentes à palavra de Deus.
Somos cristãos em toda parte, a qualquer momento. A vida cristã não se dissocia da vida prática. Logo, levamos nossos valores e princípios para toda a vida, no trabalho, no passeio familiar, nas férias, no shopping Center, e na política. Deus, nosso Pai, nos santificou integralmente, espírito, alma e corpo, logo nossa vida cristã também deve ser vivida e exercida na totalidade, inclusive como aspiração missiológica enquanto igreja, preocupando-nos com o TODO do ser humano. João Calvino, teólogo e o grande reformador francês do séc. XVI, promoveu mudanças não apenas no ambiente religioso, mas também na vida social e política de seu tempo, trabalhando e liderando a reconstrução de Genebra, na Suíça.
Não somos cristãos somente quando estamos na liturgia de nossos cultos. Não foi para isso que fomos chamados. Nosso chamado é para fora. Por isso Jesus chamou sua igreja de ekklesia, que do grego significa chamados para fora. É lá fora que pregamos e alcançamos o perdido, através da mensagem que carregamos. A propósito, esta mensagem é na vida e não só na língua. Por isso Pedro disse que somos cartas vivas, para sermos lidas pelas pessoas. Esta mensagem que carregamos é traduzida em nossos comportamentos, nossas ações, nossas boas obras e são, em via de regra, na vida comum, em qualquer lugar, sempre com o objetivo coletivo da felicidade humana, sem motivações torpes nem ganância.
Mas pastor, e os “irmãos” que se envolveram com política e depois foram flagrados com comportamentos maus? Porque eles se corromperam? Esta não é a prova de que a política não tem jeito?
Neste ponto encontro outro problema conceitual que confunde muita gente: a diferença entre política e POLITICAGEM, que o dicionário Aurélio define como: Política mesquinha, estreita, de INTERESSES PESSOAIS (grifo meu).
Fiz questão de grifar acima pra compreendermos que este conceito, então, é a antítese (oposição flagrante) de política, segundo Aristóteles, pois enquanto a política é a ciência que busca encontrar formas de governo que promovam a felicidade do homem na cidade, politicagem é a forma mais individualista e inescrupulosa de obter a tal felicidade, ou seja, são ações que visam à obtenção de vantagem individual em detrimento da coletividade.
Como exemplo, quero usar uma ilustração fictícia: um funcionário de uma empresa, não qualificado para ser promovido, mas que tem dinheiro e influência, começa a presentear seu chefe imediato, com vistas a agradar-lhe e obter sua tão sonhada promoção, ou, ao menos, não receber dele alguma missão muito árdua, em detrimento de outro funcionário que é apto para a promoção mas nunca procura bajular este chefe. O empregado bajulador quer ascender de cargo para poder, além de ganhar mais dinheiro, ter mais poder na empresa e ser também alvo de bajulação.
Infelizmente a politicagem está em todas as esferas da vida e é, facilmente, confundida com política. Ela está na família, nas empresas, nas comunidades religiosas e também nos órgãos governamentais, e não podemos correr o risco de fazer esta confusão, alterando o conceito REAL de política.
O politiqueiro e o político
Através dos conceitos expostos até neste momento, concluímos que a filosofia aristotélica, a teologia de Paulo e o apólogo de Jotão dialogam harmoniosamente, sem nenhum ponto de conflito. Mas por que então condenamos a política? Por que não interferimos e não permitimos nossos irmãos interferir, quer seja através do voto ou da militância sadia ou até mesmo de uma possível candidatura de um cristão? E por que também permitimos invadir nosso pensamento aquela velha frase eivada de preconceitos: “ah, se entrar na política vai se corromper, pois todos se corromperam”?
A Bíblia tem estas respostas. Há um personagem emblemático que traduz o homem aparentemente bom, mas que, a depender da circunstância, se transforma em um homem de maus comportamentos. A este vou chamar de um JUSTO CIRCUNSTANCIAL.
Este homem é Agur. Preste muita atenção em seu pedido a Deus, em uma oração:
“Duas bençãos peço a Ti que me dês, não mas negues, antes que eu morra: Afasta de mim a falsidade e a mentira; também também não me permitas viver em extrema pobreza nem em grande riqueza; concede-me o sustento diário necessário. Para que não ocorra que, tendo em demasia, venha eu a imaginar que não preciso do Senhor. Ou, passando miséria, acabe roubando e envergonhando o Teu nome, ó meu Deus!” Pv 30.7-9
Que homem virtuoso! Querendo viver longe da falsidade e da mentira. Que linda também sua sinceridade. Um corrupto sincero! Sim, isto mesmo, corrupto e sincero, mas só diante de Deus. Diante dos homens um homem bom, exceto se acontecer uma das duas coisas que ele pede de ser livrado.
Talvez seja chocante para você estar lendo isto sobre Agur, pois talvez, como eu, já tenha ouvido algum sermão exaltando sua humildade e total ausência de cobiça. Mas me perdoe a franqueza, não é o que o texto revela. Não era por humildade e ausência de cobiça que ele só queria sua porção diária. Era porque sabia que não tinha um coração justo e reto. Isso mesmo! Se ele tivesse pouco, roubaria. Se tivesse muito deixaria o Senhor. Francamente isso é modelo de homem pra você? Para mim não o é.
Prefiro ter como modelo de homem justo e reto o apóstolo Paulo. Veja sua declaração:
“Sei bem o que é passar necessidade e sei o que é andar com fartura. Aprendi o mistério de viver feliz em todo lugar e em qualquer situação, esteja bem alimentado, ou mesmo com fome, possuindo fartura, ou passando privações. Tudo posso naquele que me fortalece.”Fp 4.12-13
Viu como estes dois personagens bíblicos estão em extremos opostos?
Do mesmo modo, na vida real, também há aqueles que ainda não alcançaram a solidez da cristandade de Paulo, e por isso vivem como Agur, vivendo uma vida híbrida, dupla, camuflada, envergonhando os cristãos, suas comunidades religiosas, o evangelho e o nome de Jesus. Mas do mesmo modo há os que têm tal solidez na vida e dão bom testemunho de vida, levando uma vida reta e justa, praticando o bem e apartando-se do mal.
Estes devem ser estimulados a uma consciência politizada (dentro dos conceitos aqui abordados) com vistas a participar efetivamente dos processos políticos, promovendo profunda transformação social a partir de suas vidas avivadas.
A mensagem do evangelho, as Boas Novas, precisam ganhar mais vida e mais abrangência, mais efetividade e mais relevância, a partir do estilo de vida bíblico VIVIDO em todas as esferas da vida humana e da sociedade. Não há mais espaço para a omissão e a prevaricação, precisamos provocar um avivamento político e social em nosso país (leia-se Estados e Cidades).
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