ARTIGO - O rio Madeira e a enchente do século! Por Marco Teixeira

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Foto: Divulgação

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A colonização do vale do rio Madeira definiu a formação da identidade territorial e social do povo rondoniense.  A História de Rondônia, em larga escala, se confunde com a história recente do rio e da exploração de seus potenciais.  De todo o processo de ocupação das margens do Madeira e do Mamoré, ficou, sempre, muito claro, que aos habitantes das margens desses rios restava a adaptação aos ritmos da natureza ou o seu aniquilamento. Sob os mais diversos aspectos, as intervenções humanas que ignoraram os fatores e condicionantes ambientais, mostraram-se desastrosas e causadoras de consideráveis perdas, tanto humanas, quanto econômicas e ambientais. Foi assim para a Ferrovia Madeira Mamoré e tem se revelado da mesma forma, na atualidade, com a mega intervenção das barragens das hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio.

Ao longo desse período, cerca de um século (1907/2014), os ocupantes das áreas ribeirinhas, registraram cheias consideráveis. No processo de construção da ferrovia Madeira Mamoré as fotografias de alagações são notáveis e mostram trabalhadores mergulhados nos pântanos e inundações desses dois rios, perecendo vitimados pelas doenças e pelo descaso das antigas empreiteiras. Com a consolidação da cidade de Porto Velho deveríamos ter melhores registros das ocorrências naturais da cidade, ciclos de enchentes e de secas, alterações ambientais e outros. Mas  existe uma triste tradição regional e local de destruição intencional e claramente criminosa das memórias e dos registros do passado histórico.  Vale lembrar a perda de arquivos de enorme importância para a construção de uma memória mínima de nossa sociedade: arquivo da EFMM, arquivo do Hospital da Candelária, arquivo do Hospital São José, arquivo do presídio de Santo Antônio, arquivo da Prelazia Nullius, entre muitos outros. Nada se salvou.

  A enchente do rio Madeira apresenta diversas facetas: grave desequilíbrio ambiental, inadaptação das populações migrantes para o convívio ambiental com a natureza e o meio amazônicos, as graves alterações climáticas de fundo antrópico (ainda mal compreendidas), intervenções desastradas sobre o meio natural e a desfaçatez dos políticos e governantes que nunca agem preventivamente e quando são forçados a agir reativamente o fazem da forma mais medíocre possível.  Quem tem culpa pelas enchentes? Obviamente não é São Pedro. A  culpa está nos gestores em primeiro lugar, por serem incapazes de levar a cabo estudos preventivos e por agirem de forma tão canhestra quando a tragédia se faz sentir. Relutei muito até escrever o presente texto, mas agora chegou a hora de externar um pouco daquilo que penso sobre a situação atual. Analisemos alguns dos mais dramáticos efeitos das enchentes do Madeira e Mamoré, começando pela questão do acervo histórico da Ferrovia Madeira-Mamoré/EFMM e do museu ferroviário em Porto Velho.

 Parece que a intencional eliminação das memórias não irá parar por aí. Não aprendemos nada com a história e para isso basta vermos a tragédia ocorrida com o acervo do museu da EFMM, abandonado há muito tempo, ultrajado por  “restaurações “ e “revitalizações” grotescas e sem o menor critério, feitas para ser o que se revelam nesse momento crítico: cosméticas e disfuncionais. O descaso beira a insanidade quando assistimos inertes à inundação do pátio, com todo o acervo submergindo lentamente. Nada de medidas preventivas, até mesmo a mureta de contenção do projeto compensatório teve sua retirada autorizada para fins de minimização dos custos (R$18.000.000,00 para uma pintura mal feita e outras medidas claramente cosméticas). As peças submersas passaram por um precário resgate realizado pela ação de membros das Forças Armadas, mas vale salientar, medidas tomadas após o desastre ter ocorrido.

Ninguém agiu preventivamente  no caso do Museu da EFMM. Da mesma forma ninguém tomou, com o menor cuidado técnico,  qualquer medida para proteger o “Marco Divisório” (popularmente chamado Marco Rondon) e o conjunto das propostas compensatórias pelo dano causado ultrapassaram o cinismo. O mesmo vale para o Monumento aos  Migrantes do antigo Trevo do Roque, único monumento inerente à criação do Estado de Rondônia, desaparecido e, parcialmente, arruinado em nome dos viadutos que nunca foram construídos. Decididamente as autoridades vinculadas ao patrimônio histórico entraram mudas e continuam caladas diante de tanto descaso, descuido e omissão. Revelam total inaptidão para o serviço que necessitariam desenvolver.

Passemos para a questão evidente das tragédias econômicas e sociais: o isolamento de populações, a destruição das estradas, perda de lavouras e rebanhos e o que ainda está em suspenso: epidemias, perda de moradias, desbarracamento das margens ao se iniciar a vazante dos rios.  É certo que enchentes são naturais e a intensidade das mesmas ainda carece de estudos mais efetivos. Há relatos de enchentes devastadoras nos anos 1950, 1986/87; 1997. No entanto, pensemos, é impossível ignorar os efeitos do barramento do rio Madeira e as proporções da inundação que atinge o estado e a vizinha Bolívia, sem esquecer das funestas conseqüências para nossos irmãos do Acre, tão vítimas quanto nós mesmos.

No mínimo, os estudos de impactos das UHEs parecem ser muito imperfeitos e sem respostas a apresentar. Por outro lado, a migração decorrente das  “novas oportunidades” trouxe levas de pessoas que não souberam se adequar às realidades amazônicas e se tornaram vítimas dessa inadaptação.  Os relatórios não apresentam explicações convincentes sobre diversos fenômenos como os banzeiros, que jamais provocaram danos do porte  do que vem ocorrendo nos últimos anos. Não há um estudo conclusivo sobre o rio e seus fenômenos, a tal ponto isso fica evidente que não se tem nem mesmo um estudo sobre os ciclos regulares próximos e distantes de enchentes, de pequeno, médio e grande porte, coisas que deveríamos ter conhecimento absoluto antes do barramento.

Ao passo que políticos e outros “experts” se apressam em isentar completamente de toda e qualquer responsabilidade das UHEs do rio Madeira sobre o drama da atual enchente, vale á pena reler alguns trechos da matéria publicada pela revista Carta Capital (13/03/2014), ressaltando a imperfeição dos estudos de impacto. O  jornalista Felipe Milanez cita as opiniões de dois grandes especialistas na questão dos impactos socioambientais das UHEs sobre o meio e as populações dos vales do Madeira e Mamoré: Philip Fearnside, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) e Jorge Molina, do Instituto de Hidráulica e Hidrología (IHH) da Universidad Mayor de San Andrés (UMSA). “Um de cada lado da fronteira do Madeira, que nasce nos Andes e deságua no Amazonas.”

“Para Molina, "há fortes suspeitas" de que as usinas pioraram as coisas no Brasil. E o problema, completa Fearnside, é que a credibilidade do Ibama e da ANA foi posta em dúvida, no momento em que o governo prepara-se para leiloar mais uma série de usinas na Amazônia. A questão é tão grave que a Justiça Federal determinou que os estudos de impacto ambiental sejam refeitos.”

Falando sobre o futuro da região impactada Fearnside é categórico: “O futuro? Cheio de incertezas. Esta cheia excepcional e o que aconteceu nos últimos três ou quatro anos anteriores, como a erosão que Santo Antônio provocou em Porto Velho, colocam em dúvida muitas coisas: os estudos e os projetos das duas usinas, a operação dos reservatórios, os níveis d'água de inundação reais, as verdadeiras consequências do impactos destes projetos no Brasil e na Bolívia e o que pode ocorrer no futuro.

 

Eu temo que também foi posta em dúvida a credibilidade do IBAMA, da ANA e a sua capacidade de cumprir suas próprias normas e condições. As duas usinas devem estar contribuindo, de maneiras diferentes, ao agravamento dos impactos da enchente atual.  A presença da barragem de Santo Antônio, logo acima de Porto Velho, pode estar aumentando a erosão da orla da cidade.  O vertedouro da barragem modificou as correntezas em frente à cidade, jogando mais água contra a orla, como foi demonstrado em 2011-2012 quando cerca de 300 casas foram derrubadas ou condenadas. A velocidade da água neste local também deve ser maior do que no rio natural, sendo que toda a liberação da energia está agora concentrada em uma única queda só 7 km acima do centro da cidade.

No caso de Jirau, deve estar contribuindo à inundação na Bolívia no trecho logo acima do final do reservatório propriamente dito em Abunã, na divisa entre Brasil e Bolívia.

 

Os sedimentos amontoados, justamente no início do reservatório em Abunã, devem represar a água rio acima, aumentando a inundação. As afirmações das empresas de que este fenômeno de “remanso superior” não aconteceria no caso de Jirau foram contestadas por mim em um artigo em 2013 na revista Water Alternatives (versão em português disponível em http://philip.inpa.gov.br).”

 Como se constata da leitura dos trechos acima, a fala de cientistas renomados diverge clara e ostensivamente daquelas feitas pela presidente da república, Dilma Rousseff, que numa fala ilógica e embolada causou mais confusão do que esclarecimentos e não evidenciou atitude concreta alguma para a região afetada pelas inundações. Da mesma forma falas do governador de Rondônia e de políticos  locais são ágeis em isentar as UHEs de quaisquer responsabilidades, bem ao contrario daquilo que cientistas responsáveis  evidenciam.

 

Por fim, vale ressaltar que nós da Amazônia em geral, e mais especificamente de Rondônia, seguimos sendo tratados como colonos e degredados de um regime autoritário que nos remete às próprias políticas colonialistas metropolitanas de Portugal para com o Brasil. Brasília e mesmo o Palácio Rio Madeira nos tratam da mesma forma. Jogam o lixo nacional nesse imenso quintal, de onde retiram célere e irresponsavelmente a riqueza possível. Infra-estrutura e investimentos duráveis? Só os estritamente necessários para viabilizar a sangria de riquezas. Foi assim desde as drogas do sertão, passando pela borracha, poaia, madeira, ouro, cassiterita e, agora energia elétrica. Mercantilismo colonialista e nós, colonos silenciosos, sem mesmo nos incitarmos como o fizerm outrora Ajuricaba, os irmãos Beckman ou algum Felipe dos Santos.  Aqui tudo acontece  dentro da mais óbvia previsibilidade e as autoridades locais, bem diferente de suas congêneres  coloniais não precisam temer nem mesmo reclamações. É como diz Zé Ramalho: “ Ê vida de gado, povo marcado, povo feliz.”

 

Nesse contexto e para terminar, questiono o completo  abandono da cidade de Porto Velho. Fato  ímpar, pois involuímos e regredimos na última década. Lixo acumulado, ruas esburacadas, trânsito caótico e assassino, violência extremada, sujeira, total falta de iniciativa administrativa e gerencial de nossos “alcaides” (não apenas do último). A cidade mais parece uma praça de guerra ou a ruína de um povoado destroçado por um bombardeio ou tsunami.

E como não nos voltarmos às responsabilidades de autoridades e empreiteiros? Até nisso as enchentes nos remetem às responsabilidades políticas e gerenciais. A cada dia as autoridades de trânsito isolam avenidas e ruas inundadas, submetendo a população a um stress violento e sem explicações, na medida em que somos forçados a seguir “caminhos improvisados” cheios de riscos, de lixo, buracos, sem iluminação alguma e sem sinalização nenhuma. Improviso grosseiro, improviso grosseiro e mais improviso grosseiro. É só o que vemos. É só que temos.

Como não perceber responsabilidades?

 

Todos temos nossas parcelas de culpa. Votamos mal e pagamos o preço do péssimo voto. Mas isso não dá às autoridades eleitas o direito de serem tão ruins. Deveriam, antes, renunciar ao invés de “des”governar com base em desculpas e mentiras sem fim. Talvez o pior ainda esteja por vir: o pós-enchente trará as epidemias, trará a necessidade de contabilizar clara e publicamente os prejuízos e de apresentar um plano ou proposta de reconstrução. Como esperar isso de autoridades que não conseguiram mandar limpar a cidade de seu lixo e mato em mais de um ano de governo?

 Triste Porto Velho, triste Guajará-Mirim, abandonadas pela metrópole e forçadas ao silêncio, conformismo e autofagia em nome de algum lucro desmedido de metropolitanos que vêm aqui e nos tiram tudo o que temos, deixando apenas o rombo e, no caso presente, a sensação, à La Luís XV, que “depois deles o dilúvio”.

 

 

 

 

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