USINAS - Jirau, um colosso de R$ 9 bilhões e muitos mal-entendidos

Os espíritos se armaram nos dias que sucederam a quebradeira na usina, um colosso de R$ 9 bilhões, 22 mil trabalhadores e o status de maior obra em andamento no País. Mas se armaram muitas vezes à revelia do que cobiçavam os trabalhadores, segundo relatos

USINAS - Jirau, um colosso de R$ 9 bilhões e muitos mal-entendidos

Foto: Divulgação

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Versões de operários para o início do quebra-quebra na obra nem sempre coincidem com as de agentes públicos e entidades de classe

 A casa de shows Nautilus, em Porto Velho, é eclética. Recebeu a banda Calypso em 2008, a cerimônia de posse do governador Confúcio Moura (PMDB) em 1º de janeiro deste ano e, na sequência do quebra-quebra ocorrido na semana passada no canteiro de obras da usina de Jirau, no Rio Madeira, abrigou também uma das levas de operários deslocados para a capital de Rondônia depois do incêndio nos alojamentos. Uma comitiva da Justiça do Trabalho foi outra a passar pelo local no último fim de semana (“Vocês vão ser indenizados! A empresa vai ter que pagar!”, diziam os profissionais do Judiciário). A missão jurídica interrompeu momentaneamente o entretenimento da peãozada, que assistia a um filme no telão da Nautilus. “O nome dessa operação deveria ser Operação Iraque”, disse no telão um tenso Coronel (ex-capitão) Nascimento, dando a senha: os operários de Jirau estavam relaxando com uma sessão de Tropa de Elite 2.

 

Os espíritos se armaram nos dias que sucederam a quebradeira na usina, um colosso de R$ 9 bilhões, 22 mil trabalhadores e o status de maior obra em andamento no País. Mas se armaram muitas vezes à revelia do que cobiçavam os trabalhadores, segundo relatos recorrentes e espontâneos. Nesta terça-feira, praticamente todos os operários já pegaram o trecho para seus Estados de origem. Mas, antes da partida, em alguns dos alojamentos improvisados em Porto Velho, deram suas versões dos fatos e também de seus desdobramentos, nem sempre coincidentes com as de agentes públicos e entidades de classe.

 

"Os abusos na usina beiram o escravismo (...), a ponto de só ter restado a revolta diante da situação humanamente insustentável", dizia comunicado da União Geral dos Trabalhadores (UGT, que programou para esta terça-feira uma manifestação em frente à sede da construtora Camargo Corrêa, em São Paulo). O Sindicato dos Trabalhadores na Indústria da Construção Civil de Rondônia (Sticcero), entidade ligada à Central Única dos Trabalhadores (CUT), por sua vez, foi para outro lado: "os fatos ocorridos não resultaram de uma ação sindical e trabalhista", dizia sua nota à imprensa.

 

O lamento de Antônio Pereira Sousa, o Pereira, era outro. “Agora vou ficar sem fazer um dinheirinho a mais com a hora-extra”, disse. O recurso adicional já tinha destino: colocar a fiação de sua casa em Gurupi (TO) para dentro da parede. Vai ser um passo à frente considerável na residência e um agrado e tanto para a patroa, admite o eletricista de 44 anos. A reforma ficará para mais tarde com a paralisação em Jirau. “Se tinha alguém descontente, tinha que negociar. Foram botando fogo sem dialogar”, diz. “E o nome disso é terrorismo”.

 

"Sempre tem laranja, gelatina, uma maçãzinha"

 

A Justiça do Trabalho concedeu no fim de semana uma liminar em ação movida pelo Ministério Público do Trabalho que obriga a Camargo Corrêa e o Consórcio Energia Sustentável do Brasil a cumprir uma série de exigências em relação aos trabalhadores da usina. "A Camargo Corrêa reitera que todos os compromissos contratuais estão sendo rigorosamente honrados, como salários, horas-extras e benefícios", dizia nota da companhia.

 

Até o fogaréu, que consumiu alojamentos e ônibus, o soldador Antônio Pereira Vasconcelos estava feliz da vida: em pouco mais de um mês em Jirau, ia ser promovido. Ele vai ter que esperar a retomada das obras para esse passo adiante. No último fim de semana, estava desconfortável no ginásio do Sesi, outra das acomodações provisórias dos operários que de Porto Velho partiriam para seus estados de origem. “Mas a gente tá assim porque tem gente que não sabe valorizar o que tem. Como a empresa vai achar dez mil colchões de uma vez só, moço? E ônibus pra todo esse povo”. Antes da fila para o lanche da tarde, o paraense Vasconcelos descrevia sua rotina de poucos dias antes. “Tem campo de futebol, DVD, lanchonete e ar condicionado. Até ônibus pra fazer compra na Bolívia eles davam”, relata. “E no almoço a sobremesa não se repetia. Sempre tinha uma laranja, uma gelatina, uma maçãzinha”. Vasconcelos terminou seu relato com um vaticínio: “agora quem botou fogo lá vai pra casa comer ovo”.

 

"Os vagabundos estão aqui"

 

A boataria tomou Porto Velho quando circulou a informação de que parte dos operários de Jirau, distante 80 quilômetros da capital, seriam levados para a cidade. Falou-se de lojistas cerrando portas por medo de saques no comércio. Nada de concreto foi registrado.

 

Edson Vieira não testemunhou o início da briga entre um operário e um motorista de ônibus , que, segundo a versão corrente, foi o estopim para a crise na hidrelétrica – mas viu quando ela começou a tomar corpo. “Tinha gente que estava lá no meio do ‘fervo’ e agora tá aqui dando entrevista com cara de coitado. Os vagabundos estão aqui dentro”, disse. A interrupção das obras deu a Vieira a oportunidade de ver mulher e filha em Águas de Chapecó (SC). Mas a visita fora de hora tem seus senões – até porque ele tem direito a viagem a cada quatro meses. “Eu quero crescer. Essa parada vai atrasar minha ideia de crescimento”.

 

Logo depois dos incidentes, a Camargo Corrêa - que tenta rever o contrato da construção de R$ 9 bilhões para R$ 13 bilhões, segundo o "Valor Econômico" informou antes do quebra-quebra - já tinhaassinado um termo de ajustamento de conduta (TAC) com o Ministério Público do Trabalho para garantir o emprego dos trabalhadores que queiram continuar no empreendimento durante a interrupção das obras. No documento não estão pontos como horas-extras.

 

Nem todos os operários têm direito a hora-extra em todas as etapas da construção. O mecânico Raimundo Pereira, há 11 meses em Jirau, não informou se fazia carga adicional de trabalho. Ele disse que gosta do emprego (“o quarto é muito bom”), mas que a féria podia ser um pouco melhor. “Mas também, no Brasil, só quem tem dinheiro é jogador, cantor, político e ganhador da Mega Sena. Não é assim?”

 

Entre o ministério e o hip hop

 

Na manhã desta segunda-feira, em um hotel de Porto Velho, representantes da Central Única dos Trabalhadores (CUT) discutiam o papel da entidade – no governo. “Não é que não queremos um ministério. Nós não queremos  um ministério”, afirmou um dos membros da comitiva. Sobre a confusão na hidrelétrica, ponto secundário no debate - ao menos enquanto ele pôde ser ouvido por quem estava próximo -, concordaram que não podia uma obra do tamanho de Jirau não ter lá dentro um representante da entidade.

 

No fim de semana, Fábio Gonçalves Bastos aguardava sua vez de embarcar de volta para o Maranhão. Lá, reencontraria a esposa, Diana, e as filhas Dainara e Dandara. "Mas não fala disso não que piora as coisas", disse, contendo as lágrimas. Não fez qualquer reclamação em particular sobre suas condições de trabalho, e sim sobre a dor de cabeça que o acometia no abrigo improvisado no Sesi. Aos 29 anos, Bastos, veterano em obras de usinas - Jirau é sua quarta -, bateu um recorde pessoal: completou um ano no trabalho. Alheio às denúncias sobre trabalho escravo feitas por uma central ou à disputa por um ministério debatida por outra, foi para o Maranhão ouvir hip hop e esperar a hora de botar a mão na massa de novo. (Patrick Cruz/IG)

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