Amazônia – De Galvez a Chico Mendes não se limita ao relato de uma autora que deseja apresentar o Acre ao Brasil e levantar a discussão sobre o destino da Amazônia. A iniciativa tem raízes bem mais profundas e, por isso, é particularmente especial: Glória Perez nasceu em Rio Branco, a capital acreana. *Portanto, ela viu, sentiu e vivenciou muito do que será mostrado na minissérie. *Antes de desbravar a nova trama, conheça o que está por trás dela lendo esta entrevista com a idealizadora da obra, Glória Perez.
*Por que você resolveu escrever a minissérie Amazônia – De Galvez a Chico Mendes?
*É o meu projeto mais antigo. Sempre quis escrever essa história. É uma das páginas mais bonitas da história do Brasil e nunca foi contada para todos os brasileiros – nem sequer figura nos livros escolares. A televisão permite que façamos isso.
*Por que o nome não foi Acre – De Galvez a Chico Mendes, já que a minissérie conta a história do Acre?
*Porque a história do Acre é maior do que o Acre. A conquista deste território explica porque a Amazônia não deixou de ser brasileira já no início do século XX. Certamente o mapa do Brasil seria diferente, e o da Bolívia também, se o Bolivian Syndicate (consórcio internacional criado pela Bolívia para administrar o Acre) tivesse se estabelecido lá, com direito de explorar a região economicamente por 30 anos e de manter tropas regulares ali.
*Qual é a principal proposta da minissérie?
*Apresentar o Acre ao Brasil e levantar a discussão sobre o destino da Amazônia. *A televisão não tem o poder de mudar a realidade, mas tem o poder de disseminar a informação, de jogar um holofote sobre um assunto, de promover uma discussão nacional a respeito de um tema. O que chega ao Brasil é a “floresta”, o “pulmão do mundo”. A vida que pulsa ali, os dramas, os conflitos, as tragédias humanas, permanecem invisíveis – é como se não existisse gente ali dentro. Desejo que a minissérie contribua para fortalecer projetos que preservem a floresta sem esquecer os homens que vivem na e da floresta, e que desde sempre a souberam manejar sem destruir. A trama começa no final do século XIX, mas tem discussões bem atuais.
*Como é essa relação com o tempo?
*Ali, no século XIX, a discussão é mais do que atual - já estamos falando sobre o que fazer com a floresta amazônica! O assunto continua em pauta: temos até quem discuta ainda a legitimidade da posse do Brasil sobre a floresta. O amor retratado na minissérie não é apenas o amor entre os personagens, mas também o amor ao Acre. A acreanidade é muito forte. Temos um sentimento de pertencimento, de compromisso com a terra, que não é comum de se ver pelo resto desse Brasil. Penso que é um sentimento forjado na luta (somos o único estado que lutou para ser brasileiro) e no isolamento e abandono a que fomos relegados durante quase toda a nossa história, tanto pela situação geográfica quanto pelos poderes públicos. Todo acreano conhece sua história, cultua seus heróis e sabe cantar seu hino. Nós temos memória!
*Quanto à história da minissérie traz de suas memórias?
*O tempo inteiro. Você tem uma visão de mundo diferente quando vive numa clareira no meio de uma floresta, dependendo da cheia e da seca dos rios para receber toda a sorte de gêneros: alimento, vestuário, livros, remédios, enfim, tudo! *E numa época em que não havia chegado lá a televisão nem o telefone. De modo que essa vivência, esse ponto de vista, está presente em toda a minissérie. Não se pode compreender as personagens, seus dramas, suas esperanças, suas crenças, fora dessa realidade, desse isolamento.
*Você conheceu alguns dos personagens da trama, como Padre José e Maria Ninfa?
*Conheci muitas dessas personagens. Muitos filhos de boto e mães de filhos de boto, muitas donas Maria Ninfa. O padre José, então, era uma figura querida e presente na vida de todos nós. Adorava ouvir suas histórias. E continua vivo na memória do povo. Até hoje, no Acre inteiro, as pessoas lembram de sua atuação humana e de sua imaginação amazônica. Conheci também o mestre Irineu Serra, que levou a Ayahuasca para Rio Branco e fundou o Alto Santo. Era um homem muito carismático e altíssimo. Não me lembro de ter visto alguém tão alto. Já o poeta Juvenal Antunes, quando nasci, não estava mais nesse mundo. Mas cresci ouvindo seus versos e o relato de suas façanhas. Também conheci muitos veteranos da guerra do Acre. Meu próprio avô, Antônio Rebello, foi um deles. *Muito amigo de Plácido de Castro, foi uma das pessoas que o avisou da iminente emboscada, e está lá, no registro policial, como uma das testemunhas principais de seu assassinato.