CONSCIÊNCIA: Novembro para os Negros e as Páginas ainda não lidas em Porto Velho

Porto Velho, cidade considerada nos tempos da construção da Estrada de Ferro Madeira Mamoré – E.F.M.M. como cosmopolita, ainda desconhece as suas próprias raízes

CONSCIÊNCIA: Novembro para os Negros e as Páginas ainda não lidas em Porto Velho

Foto: Divulgação

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Em todo País, no mês de novembro, trabalha-se com a linguagem da luta dos povos afrodescendentes e sua identidade cultural e social. O que mais se fala é sobre o Mês da Consciência Negra e lutas contra todo tipo de discriminação, que vai desde um olhar depreciativo a xingamentos mais chulos, de um simples gesto de temor ao ver um negro passando perto de você na rua até um terrível assédio moral e sexual no ambiente de trabalho.

 

Brasil, país lindo pela miscigenação e oriundo de diversos povos, não reconhece sua própria história. Somos todos descendentes de negros e indígenas! Usamos o vocabulário “crioulo”, comemos a comida dos pretos, dançamos no ritmo dos escravos, cultuamos Deus desejando Axé.

 

No país onde que a comida favorita do brasileiro, no sábado, é a feijoada acompanhada de uma roda de samba, ainda se permite auto-descriminação pela sua própria ignorância.

 

Porto Velho, cidade considerada nos tempos da construção da Estrada de Ferro Madeira Mamoré – E.F.M.M. como cosmopolita, ainda desconhece as suas próprias raízes. Somente na Capital do Estado de Rondônia há um número estimado de 200 terreiros de umbanda e 50 de candomblé, fora os que não estão nesta classificação, como o terreiro mais antigo de Porto Velho, o Terreiro de Mina Santa Bárbara, que foi fundado em 1916, mais antigo que a própria cidade em que ele está.

 

Antes disso, em 1911, aportou na localidade de Santo Antônio do Rio Madeira um navio chamado satélite. O mais curioso é que atracaram por aqui os rebeldes da Revolta da Chibata: “Os punidos desagregados”, motim que todos os livros de história na escola de ensino regular contam, o que não contam é que atracaram por aqui. Foram aproximadamente 400 homens e 44 mulheres, essas consideradas prostitutas. Entre os poucos registros publicados sobre o ocorrido há artigo intitulado como “Os sobreviventes do Barco Satélite”.

 

Porém, a história carregada pela oralidade revela que as 44 mulheres consideradas prostitutas vieram por uma ordem da Primeira-Dama do Rio de Janeiro, que as considerava incorrigíveis. Essas mulheres foram abusadas de diversas maneiras antes e durante a viagem a Rondônia por vários homens ao mesmo tempo, e as que conseguiram sobreviver às diversas intempéries foram vendidas. Aos poucos foram resgatadas por uma mulher negra, analfabeta e “macumbeira” conhecida como Mãe Esperança Rita, que deu a elas uma nova história. Mãe Esperança resgatou essas mulheres e fundou o primeiro terreiro, conhecido como Santa Bárbara, que inicialmente fora instalado nas proximidades do córrego do Bairro do Mucambo.  As lavadeiras, como passaram a ser chamadas, tiveram o ofício dessa profissão e posteriormente formaram famílias. 

 

As prostitutas incorrigíveis do Navio Satélite infelizmente não são citadas na página da nossa história, somente registros orais e poucas citações em artigos.

Ainda no tempo em que a E.F.M.M. estava sendo construída havia um local conhecido como Alto do Bode. Lar dos negros, em sua maioria Barbadianos, viviam na região que foi fundado o primeiro bairro da cidade, conhecido como Triângulo. O Alto do Bode até já foi citado em alguns registros mas o que pouco se sabe é a origem desse nome. Infelizmente, os relatos levam a crer que o nome foi dado pela forma racista e pejorativa, desde o cheiro dos negros que ali viviam até a comunicação deles (os brasileiros na época diziam que eles não falavam e sim bodejavam).

 

Outro fato curioso e novamente oriundo de relatos orais da nossa história, aponta que no Alto do Bode tocava-se muito Blues e Jazz, praticamente o berço portovelhense do rock, lembrando que em nossa cidade os negros fizeram e ainda fazem parte da construção cultural, inclusive, a primeira igreja Batista da cidade foi fundada por negros, através dos Shockeness e dos Jhonsons.

 

Em tempos atuais não reconhecemos nada do que um dia foi vivido nas terras de Rondon. Nossos terreiros são discriminados, tratados como fossem práticas não religiosas. Não valorizamos as bandas locais de rock; ignoramos a memória viva pelas ruas dos bairros mais antigos da cidade, deixando morrer pelas violentas marcas que o rio Madeira deixou; não olhamos para os olhos dos nossos anciãos que tanto têm a nos dizer sobre nós mesmos, nem ao menos cumprimos uma pauta de luta sobre as políticas públicas para os negros com o mínimo de dignidade e apoio do Poder Público, pois esse mesmo poder público não os reconhece; e o pior, nem ao menos sabemos os nomes dos grandes homens e mulheres, principalmente mulheres negras que construíram e forjaram, através de luta, a nossa cultura e nossa identidade social.

 

Em Porto Velho, a pauta do Dia da Consciência negra, para muitos, ficará dentro de auditório debatendo políticas públicas na sociedade, enquanto para outros caminhando na Marcha da Paz contra a intolerância e discriminação dos povos de origem africana e suas religiões, ou apoiando na Feira Minas de D’Oyá. 

 

Entretanto, o que jamais podemos é deixar de lembrar a origem da nossa história e temos o dever, como cidadãos, de deslindar páginas que ainda estão somente em memórias, histórias orais contadas pelos mais antigos e pequenos registros, sem sua devida relevância.

 

Essa talvez seja a verdadeira resistência cultural que devemos pautar: as páginas ainda não lidas em Porto Velho.

 

 

Autora:CAMILA LIMA

Camila Lima é jornalista, egressa da Universidade Federal de Rondônia – Unir pelo curso de Letras Vernáculas, iniciou seus trabalhos no jornal universitário – Grau Informativo com o foco de disseminar as atividades acadêmicas e pesquisas de alunos e professores da Unir. Após este período laborou no periódico semanal Diário Na Escola, parte editorial do Jornal Diário da Amazônia que tratava de projetos educacionais e culturais das escolas públicas. 

 

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