ARTIGO: Por que não vou ao baile municipal de máscara - Por Ariel Argobe

ARTIGO: Por que não vou ao baile municipal de máscara - Por Ariel Argobe

ARTIGO:  Por que não vou ao baile municipal de máscara -   Por Ariel Argobe

Foto: Divulgação

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Quero, de público, agradecer o gentil convite do Presidente da Fundação Iaripuna para participar do Baile Municipal de Carnaval. Inúmeras razões, no entanto, impedem-me de participar desse significativo certame cultural que traduz um aspecto importante da alma do povo brasileiro. Elencarei, aqui, apenas alguns argumentos que entendo coerentes o suficiente para impedirem-me de participar desse evento momesco. Antes, porém, faz-se necessário trazer à luz, num esboço sucinto, a história dos bailes de máscaras. *Os Bailes de Máscaras, também chamados de Bailes à Fantasia ou 'Bals Masqués', foram os eventos precursores do carnaval moderno no Brasil. Importados pela elite carioca para fazerem frente ao conjunto de brincadeiras conhecido como entrudo, os bailes marcaram a adesão da nova burguesia capitalista à folia e a incorporação ao carnaval brasileiro do luxo e sofisticação característicos das festas de Paris e Veneza. Os registros dos primeiros bailes carnavalescos brasileiros com esse perfil remontam à primeira metade do século XIX, no Rio de Janeiro, capital do império, como nos informa Felipe Ferreira, em O livro de ouro do carnaval brasileiro. *O entrudo foi trazido para o Brasil pelos portugueses. No noroeste da Península Ibérica e no norte de Portugal, ainda na Idade Média, costumava-se comemorar o período carnavalesco com brincadeiras diversas. Em algumas delas, havia, inclusive, grandes bonecos. No Brasil, essa forma de brincar — que consistia num folguedo alegre, mas tido como violento — já pode ser notada nos primórdios da colonização, persistindo, com o nome de entrudo, até as primeiras décadas do século XX. *Não é arriscado afirmar que os bailes de máscara de então serviram como uma forma de pasteurizar as brincadeiras populares, tidas como agressivas, adaptando-as ao perfil e ao gosto das camadas sociais mais favorecidas, compostas por pessoas que não queriam ficar de fora dos festejos profanos do período anterior à quaresma católica, mas também não queriam correr os riscos do contato com a população das ruas, composta basicamente por escravos negros e mestiços pobres, que festejavam o entrudo, lançando uns nos outros "todo tipo de líquidos ou pós", ainda seguindo o raciocínio de Felipe Ferreira. *Combatido – como inúmeras outras manifestações populares –, o entrudo não nos chegou com esse perfil. São, no entanto, resquícios dessa brincadeira a pipoca do Carnaval Axé e os blocos de sujo, cujo exemplar mais vivo em Porto Velho não ocorre no Carnaval, mas na virada do ano. Refiro-me ao Mistura Fina, agremiação que conserva todo o espírito e autenticidade dos blocos de sujo, como o fez, no passado, o histórico Bloco da Cobra e o Bloco do Valdemar Cachorro, dentre tantos outros igualmente representativos. A Banda do Vai Quem Quer não pode ser tida exatamente como um bloco de sujo, mas certamente tem também como ancestral o entrudo medieval galego-português. *Com as mesmas características da Banda do Vai Quem Quer, sobretudo no que diz respeito ao alcance popular, ao acesso democrático e ao repertório musical, claramente norteado para valorizar, salvaguardar e perpetuar as marchinhas de carnaval – um verdadeiro patrimônio cultural nacional – temos um conjunto de históricos cordões carnavalescos. Compõem este leque, blocos como o Galo da Meia Noite, Rio Kaiari, Pirarucu do Madeira, Coruja, Calixto & Cia, dentre outros, que insistem em existir como genuínos exemplares da memória e história local – ainda que contra a vontade de alguns. São agremiações que se traduzem em relíquias vivas da nossa cultura, solo fecundo para os nossos artistas, músicos, poetas, dançarinos, alegres foliões e, sobretudo, palco de expressão das camadas populares, dos desempregados e excluídos de toda sorte. Não é absurda a possibilidade de vermos desaparecer das ruas e avenidas de Porto Velho todo este patrimônio imaterial. Concepções e posturas preconceituosas de alguns setores oficiais, opções pelos eventos elitistas e excludentes e a histórica falta de compromisso dos nossos gestores públicos para com as manifestações populares são, sem dúvida alguma, uma ameaça à continuidade do nosso carnaval de rua. *Disso temos exemplos na nossa história recente. Grandes escolas de samba deixaram de passar na nossa - sempre improvisada - passarela do samba. Escolas como Pobres do Kaiari, Unidos da Castanheira, Triângulo Não Morreu, por exemplo, reuniam milhares de brincantes e arrastavam verdadeiras multidões nos dias de suas apresentações, promovendo, à época, o maior carnaval de rua da Amazônia. Foram escolas de samba que silenciaram suas baterias nota dez, pulsação do nosso povo. Mestres-salas e porta-bandeiras, que evoluíam com elegância e gracejo em seus bailados, lembrando-nos um casal de beija-flor enamorado, como que embebido por delicioso néctar, não mais brindam o olhar do público amante. Ricas baianas, luxuosos destaques, passistas desvairados e belíssimas e sincronizadas comissões de frente habitam, hoje, apenas o palco de nossas saudosas memórias. *Não à toa, assistimos, ainda hoje, mesmo dentro de um regime democrático, a perseguição dos aparelhos repressivos do Estado a manifestações populares. A Banda do Vai Quem Quer, por exemplo, vem sendo questionada pelas forças conservadoras e reacionárias sob variadas alegações: percurso inoportuno, poluição sonora, falta de higiene, atitudes dos brincantes - na sua grande parte pessoas de baixa renda. E certamente a Banda sucumbirá se não for defendida pelos agentes culturais que identificam nela um importante ícone da identidade local. Em outras partes deste mesmo Brasil, e exemplos não nos faltam, manifestações populares assemelhadas tiveram e têm sorte melhor. Instituições dessas regiões, responsáveis pelo desenvolvimento da política cultural, em parceria com a sociedade civil preocupada com o número alarmante de desemprego, conseguem perceber e planejar políticas para o setor, estabelecendo interfaces com a economia, o turismo, a cidadania e as linguagens artisticas, criando, dessa maneira, amplas possibilidades de alavancar e fazer girar o comércio local e incluir, neste planejamento, grande parte da juventude sem experiência profissional e os trabalhadores e empresários do campo da cultura, das artes e do turismo. *Para finalizar e, enfim, justificar minha ausência no certame carnavalesco municipal, alardeado como importantíssima ação no campo do patrimônio imaterial, quero aqui contrapor-lhe as propostas de políticas públicas elaboradas pelo Grupo Cidade, Cultura e Inclusão a partir de discussão com o segmento cultural, no calor da campanha de 2004, quando o hoje prefeito da capital, nosso companheiro Roberto Sobrinho, ocupava a derradeira posição nas pesquisas eleitorais. Propostas ancoradas, sobretudo, na salvaguarda e preservação dos saberes e fazeres do povo brasileiro, tendo um especial foco na cultura popular – sem excluir a cultura erudita e universal – e nas perspectivas de inclusão sócio-cultural, no pleno exercício da cidadania, na geração de ocupação e renda para aqueles munícipes historicamente injustiçados com a total ausência das políticas públicas de cunho universalizador, aplicadas no campo da cultura e das artes. *O evento intitulado “Baile Municipal 2007: Resgatando a Tradição” expõe claramente o formato da nova-velha concepção de política municipal para a cultura. Trata-se, de onde vejo, de uma ação eventualista, festiva, elitista e excludente, considerando que a proposta contempla apenas seleto público. Exclui o agente cultural, o artesão, o figurinista, o serralheiro, o marceneiro, a costureira, o passista, o ritmista e, enfim, todos aqueles e aquelas que constroem - segundo alguns especialistas - a oitava maravilha do mundo moderno: o popular carnaval brasileiro. *Do baile apregoado como instrumento revitalizador de tradições – e é bom sublinhar que nem tudo que é tradicional é democrático –, até onde conheço a proposta, escapam-lhe três palavrinhas mágicas que norteiam qualquer atitude das administrações posicionadas à esquerda dos discursos e das práticas: inclusão, cidadania e democracia. Trata-se, pois, de uma excelente idéia para a indústria cultural – que poderia até contar com o apoio do poder público – mas nunca ser financiado com dinheiro do contribuinte. Por estas e outras razões, inclusive porque se acena com a intenção de realizar um outro evento assemelhado, em local aberto para população baixa renda e excluída do baile oficial, assentando, desta feita, a ação pública na vala do Apartheid sócio-cultural – e com as quais não posso e não devo coadunar. Não defendo e nem acredito nessa ação como política pública eficaz e com possibilidades de consolidação da democracia cultural. Com todo respeito, declino o convite para participar do “Baile Municipal 2007: Resgatando a Tradição”. Como de costume, na sexta-feira, marcarei presença nos ensaios das Escolas de Sambas Asfaltão, Armário Grande, São João Batista e nos Blocos Calixto & Cia e Rio Kaiari, cordões carnavalescos populares e democráticos. E, mantendo a prática, fazer penúltima escala no Reggae do Bairro JK e, por derradeiro, uma breve passagem no queridíssimo e animado Paposo. Nesse circuito nos encontramos. Vai Quem Quer... *O autor é artista plástico
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