*
EDITORIAL
*Almanaque presta aqui homenagem a dois grandes poetas, um usava palavras; MÁRIO QUINTANA (destaque na foto), o outro, SILVINO SANTOS, a imagem.
*Lembremos o poeta MÁRIO QUINTANA, que completaria cem anos este mês. Dono de versos simples, este poeta também foi um frasista ferino e sarcástico. Um dia sentado numa roda de amigos, alguém perguntou por que ele nunca havia se casado, Quintana, nem piscou e respondeu “sempre preferi a solidão propriamente dita”. Este é apenas um exemplo de sua capacidade de desconcertar e assim como os versos “estes que aqui estão atravancando o meu caminho, eles passarão, eu...passarinho” que facilmente poderíamos usar como um mantra para afastar aqueles que insistem em atrapalhar nossa vida. Ave Mário Quintana, salve poeta!
*Nos primeiros anos do século passado o cineasta português SILVINO SANTOS, nosso segundo homenageado desta semana, acabara de regressar ao Brasil vindo da França onde fora para aprender cinema com ninguém menos que os irmãos Lumière, criadores do cinematógrafo e pais da chamada “sétima arte”. Silvino tinha uma idéia na cabeça e com a câmera na mão resolveu filmar a Amazônia. Deste mergulho na floresta, nasceu o documentário NO PAÍS DAS AMAZONAS, finalizado em meados de 1922. Setenta e cinco anos depois as imagens captadas por Silvino Santos, estão de volta no longa-metragem O CINEASTA DA SELVA, do diretor amazonense Aurélio Michiles, que misturou documentário e ficção com o ator José de Abreu atuando como Silvino Santos.
*Quanto ao Silvino Santos real, que está longe de ser apenas um documentarista, tinha pretensões artísticas evidentes nas seqüências sobre o cotidiano de Manaus. Uma cena especialmente inspirada mostra uma operária quebrando cascas de castanha. Um corte leva a imagem para a selva, onde um macaquinho, sofre para quebrar o mesmo fruto – associando a razão humana com a luta dos animais pela sobrevivência. Por tanto, O CINEASTA DA SELVA resgata a vida e a obra do pioneiro chamado SILVINO SANTOS.
*No último domingo, 06 de agosto, estive no CINE OCA para assistir ao documentário de Wladimir Carvalho BARRA 68, sobre a invasão da UnB – Universidade de Brasília pelos militares em 1968, durante o cerco foram presos alunos e professores, houve conflitos entre estudantes e policiais, quebra-quebra generalizado, truculência por parte de soldados e comandantes a soldo da então ditadura militar vigente no país. O conflito teria sido o estopim para promulgação em 13 de dezembro daquele ano do famigerado Ato Institucional nº 05,mais conhecido por AI-5, que daria plenos poderes ao exército para prender, interrogar, exilar e muitas vezes até matar quem fosse contra o regime.
*Wladimir Carvalho reuniu testemunhas oculares dos fatos ocorridos no campus da UnB, depoimentos de figuras importantes como o próprio Darcy Ribeiro, criador da universidade, entrevistas com professores e alunos que ali trabalham e estudavam e sofreram violências, a experiência vivida pelo futuro cineasta Hermano Penna, que na época era estudante e que com sua 8 mm conseguiu captar algumas imagens,que Wladimir usa em seu documentário. Pena que o público presente era mínimo, para não dizer inexistente, apenas seis pessoas, e dois ainda saíram quarenta minutos antes do filme terminar. Acredito que um documentário como BARRA 68 poderia suscitar acalorado debate envolvendo política, ditadura militar, atividades estudantis e cinema.
*-
*No ALMANAQUE desta semana...
* DVD I - VLADO - 30 ANOS DEPOIS
*No dia 25 de outubro de 1975 o jornalista Vladimir Herzog se apresentou para depor no DOI-CODI, órgão da repressão política do regime militar e nesse dia Vlado seria morto e segundo fonte oficial, teria se suicidado na prisão. Trinta anos depois o diretor João Batista de Andrade traz à tona a trajetória deste jornalista que acabaria por se tornar um dos símbolos da luta contra a ditadura militar com o documentário VLADO - 30 ANOS DEPOIS, realizado em 2005 com depoimentos de Clarice Herzog, Dom Paulo Evaristo Arns, Henry Sobel, Fernando Morais, Paulo Markun, João Bosco, Aldir Blanc, Alberto Dines, Mino Carta - amigos, familiares, colegas que viveram com Vlado a história, as perseguições dos anos de chumbo, a trajetória do jornalista, sua passagem pela TV Cultura de São Paulo onde atuou como diretor de jornalismo, a perseguição a ele iniciada naquele momento.
*VLADO – 30 ANOS DEPOIS estará disponível para venda a partir de 11 de agosto.
* DVD II - IRACEMA, UMA TRANSA AMAZÔNICA
*Em 1974, Jorge Bodansky, Orlando Senna e Wolf Gauer realizaram o filme que se tornaria uma pequena obra-prima do cinema brasileiro: IRACEMA, UMA TRANSA AMAZÔNICA, as imagens captadas pela câmera de Bodansky contrastava com a propaganda oficial da ditadura, que alardeava um país em expansão com a construção da Transamazônica.
*A câmera sensível de Bodansky revelava os problemas que essa estrada traria para a região: desmatamento, queimadas, trabalho escravo, prostituição infantil. Misturando documentário e ficção, o filme narra à história da jovem Iracema e do motorista Tião Brasil Grande (vivido brilhantemente pelo ator Paulo César Pereio) dois personagens emblemáticos da realidade brasileira. O filme permaneceu proibido pela censura durante seis anos, no entanto, nesse período, ganhou prêmios em festivais internacionais e, em 1980, quando liberado, foi o grande vencedor do Festival de Brasília. O filme tem argumento do cineasta Hemano Penna, diretor do aclamado SARGENTO GETÚLIO.
*O dvd traz como extras, o documentário MAIS UMA VEZ IRACEMA: com duração de 45 min, dirigido pelo próprio Jorge Bodansky. Tem ainda faixa por Jorge Bodansky, Eduardo Escorel e João Moreira Salles, galeria de fotos, filmografia dos diretores e premiações.
*Jorge Bodansky é pai da cineasta Laís Bodansky que obteve sucesso com seu filme BICHO DE SETE CABEÇAS, e que alavancaria a carreira do ator Rodrigo Santoro, que a partir daí participaria de produções internacionais e também participação na terceira temporada da nova febre mundial, seriado LOST.
* DVD III – BEM-VINDO A SELVA
*Não vamos aqui forçar a barra chamando The Rock de ator, mas perto de Steve Seagal e Van Damme, ambos decadentes, o citado acima engana bem. The Rock trabalhou nos filmes O RETORNO DA MÚMIA, ESCORPIÃO REI, DOOM, COM AS PRÓPRIAS MÃOS, este último um exemplo das características que os produtores vêm explorando em The Rock, ou seja, o rapaz, nos filmes, é chegado a quebrar ossos com a facilidade de quem palita os dentes, e ele manda muita porrada para valer! Claro, nenhum dos filmes que citei até agora podem ser chamados de obras edificantes, porém, são no mínimo divertidos e despretensiosos até a medula.
*Sem sombra de dúvida o melhor dos filmes de The Rock é BEM-VINDO A SELVA dirigido por Peter Berg (ele atuou na primeira temporada de ALIAS quando interpretou um assassino chamado Homem de Gelo e pode ser visto ainda no filme O PODER DA SEDUÇÃO ao lado de Bill Pullman e Linda Fiorentino) que também conta no elenco com Christopher Walken (cada dia mais canastrão e absolutamente perfeito no seu enéssimo papel de vilão) e o chatinho Seann William Scott (PREMONIÇÃO, CARA, CADÊ MEU CARRO entre outras pérolas).
*The Rock é Beck, misto de cobrador, guarda-costas e especialista em resgates, que tem que cumprir uma última missão, resgatar o filho de seu chefe que está no meio da floresta amazônica numa cidade fictícia chamada Eldorado (que original) dominada por Hatcher (Walken) e seus capangas. Daí para diante acontece de tudo - tiroteios, perseguições, ataques de babuínos, luta com rebeldes que vivem na floresta, quedas impossíveis, e muitos ossos quebrados - até o clímax quando Beck, que não gosta de armas, pois “coisas ruins acontecem as pessoas”, segundo ele, resolve enfrentar fogo com fogo e aí não tem jeito e o grandalhão parte para o confronto final. Barra pesadíssima.
*Na contracapa do dvd um gênio escreveu que BEM-VINDO A SELVA “é um entretenimento sólido como uma rocha”, apesar do trocadilho infame com o nome do ator principal e de um roteiro sem pé nem cabeça, o filme cumpre sua missão, ou seja, diverte, diverte e diverte, mas meia hora depois de terminado, com certeza o espectador não lembrará sequer o nome do filme (exagero da minha parte).
*Uma dica – na cena inicial do filme, que se passa numa boate, preste bem atenção quando The Rock vai entrando, veja quem passa por ele e o cumprimenta com um sarcástico “divirta-se”. E cinco minutos depois tome porrada para ninguém botar defeito.
* LIVRO I - COLEÇÃO APLAUSO
*JOÃO BATISTA DE ANDRADE - ALGUMA SOLIDÃO E MUITAS HISTÓRIAS
*Numa manhã de 1981, João Batista de Andrade recebeu um telefonema e ao atender ouve a notícia de que seu filme O HOMEM QUE VIROU SUCO, que havia sido selecionado para a competição oficial do Festival de Cinema de Moscou, na época um dos mais conceituados do mundo, tinha recebido a Medalha de Ouro, prêmio máximo do referido festival. João Batista quase desliga o telefone achando que aquilo não passava de um trote, uma brincadeira,que segundo ele “mexia demais com sua sensibilidade”. O HOMEM QUE VIROU SUCO originalmente realizado em 16 mm, mal-ampliado., porém, o diretor teve de ceder às evidências: era verdade!
*Esta é uma das histórias que você poderá ler no livro-depoimento - JOÃO BATISTA DE ANDRADE - ALGUMA SOLIDÃO E MUITAS HISTÓRIAS recordando sua vida e sua carreira cheia de sucessos. Palavras recolhidas pela jornalista e crítica Maria do Rosário Caetano em entrevistas e textos de próprio punho do cineasta. O livro é uma homenagem a mais este grande nome da nossa cultura cinematográfica e que faz parte da COLEÇÃO APLAUSO - CINEMA BRASIL da Imprensa Oficial do Estado, dentro do seu trabalho de resgate e preservação de nossa arte e cultura.
* LIVRO II – COLEÇÃO APLAUSO
*O HOMEM QUE VIROU SUCO - ROTEIRO DE JOÃO BATISTA DE ANDRADE
*Vencedor do Grande Prêmio do Festival de Moscou, um dos mais importantes do mundo, em 1981, O HOMEM QUE VIROU SUCO é o trabalho mais famoso e consagrado do cineasta João Batista de Andrade. Ganhou também três Kikitos no Festival de Gramado (melhor roteiro, ator coadjuvante: Denoy de Oliveira e ator: José Dumont, que foi consagrado com este filme) e levou também o Troféu Candango do Festival de Brasília. Nesta edição especial da Coleção Aplauso da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, você terá uma visão ampla deste momento marcante do cinema brasileiro.
*O projeto deste livro levou um ano para ser concluído e traz o texto original do roteiro, a primeira versão do argumento, o folheto de cordel, as letras das músicas do compositor Vital Farias, e ainda entrevistas do diretor, da produtora e do ator José Dumont, as principais críticas publicadas, a lista de premiações, ficha técnica num trabalho exemplar para todos que se interessam pela arte da dramaturgia cinematográfica e a história do cinema brasileiro.
* MEMÓRIA DA NOSSA TELEVISÃO I – O CASARÃO
*No dia 07 de junho de 1976 foi ao ar pela Rede Globo o primeiro capítulo da novela O CASARÃO, escrita por Lauro César Muniz (RODA DE FOGO, CIDADÃO BRASILEIRO) e com direção de Daniel Filho e Jardel Melo. A novela, exibida no horário das 20 horas, teve 160 capítulos e se passava em três épocas distintas – 1900 a 1910; 1926 a 1936 e 1976 e suas histórias contadas sem ordem cronológica têm como ponto de referência o casarão do título, assim como a história de amor impossível do escultor João Maciel e a bela Carolina Galvão. Outra inovação apresentada pela trama foi a escalação de dois atores para interpretar determinados papéis, principalmente na segunda e terceira fase – João Maciel, vivido respectivamente por Gracindo Júnior e Paulo Gracindo; Carolina, vivida pelas atrizes Sandra Barsotti e Yara Côrtes; e Atílio de Souza, interpretado por Dennis Carvalho e Mário Lago.
*Outra atração da novela é a inspirada trilha sonora nacional que traz sucessos imortais como FASCINAÇÃO (Elis Regina) música tema de João Maciel e Carolina e SÓ LOUCO (Gal Costa) tema de abertura da novela, que até hoje é tocada. Esta canção faz parte do LP gravado por Gal Costa tendo no repertório apenas canções compostas pelo mestre DORIVAL CAYMMI.
*Segundo o diretor Daniel Filho em seu livro ANTES QUE ME ESQUEÇAM “A cena final de O CASARÃO é uma das mais belas da história da telenovela. Nela, após a morte de Atílio (Mário Lago), Carolina (Yara Côrtes), após 40 anos de espera, chega ao encontro, marcado na Confeitaria Colombo, com João Maciel (Paulo Gracindo), e pergunta se está atrasada. Ele responde, então: “só 40 anos”, referindo-se ao tempo passado, quando combinaram fugir. Tudo isso ao som de FASCINAÇÃO na voz de Elis Regina. Antológico e inesquecível.
*O último capítulo de O CASARÃO foi ao ar em 12 de dezembro de 1976.
* MEMÓRIA DA NOSSA TELEVISÃO II – LAMPIÃO E MARIA BONITA
*Foi se o tempo em que às minisséries globais tinham mais conteúdo e menos capítulos. Isso mesmo, basta citar ANOS DOURADOS, ANOS REBELES e DESEJO, as três fizeram sucesso, pois eram todas curtas e tinham boas tramas, no entanto, a tendência que cresceu foi justamente esticar as minisséries, quase transformando as produções em novelas, de tão longas e chatas, por exemplo, A CASA DAS SETE MULHERES (que volta ao vídeo a partir do dia 15 de agosto na Globo, as 23 horas), UM SÓ CORAÇÃO, a irregular JK, OS QUINTOS DO INFERNO entre outras.
*Um ótimo exemplo de um produto bem acabado que fez sucesso e teve apenas oito capítulos – LAMPIÃO E MARIA BONITA, escrita por Aguinaldo Silva (SENHORA DO DESTINO, FERA FERIDA, PEDRA SOBRE PEDRA) e Doc Comparato (autor, além de séries, do livro DA CRIAÇÃO AO ROTEIRO publicado pela Rocco) e tendo no elenco, por sinal, perfeito – Nelson Xavier como Virgulino Ferreira, mais conhecido por LAMPIÃO e Tânia Alves como sua companheira MARIA BONITA.
*LAMPIÃO E MARIA BONITA, primeira experiência da Rede Globo no formato minissérie, foi ao ar de 26 de abril a 07 de maio de 1982 com direção de Paulo Afonso Grisolli e Luiz Antônio Piá, a trama acompanha os últimos dias de vida do famoso cangaceiro, sua companheira e do bando que aterrorizou o sertão nordestino na década de 30.
*A caracterização de Nelson Xavier foi tão marcante que o ator conta que uma das figurantes, uma senhora bem idosa, conversava com ele e o tratava como o próprio Lampião vivo.
*LAMPIÃO E MARIA BONITA foi um dos mais brilhantes momentos da nossa televisão: dois grandes atores à frente do elenco, um roteiro perfeito, isso sem esquecer de mencionar o belo tema de abertura interpretado pela cantora Amelinha (MULHER NOVA, BONITA E CARINHOSA FAZ UM HOMEM GEMER SEM SENTIR DOR) composta por Otacílio Batista e Zé Ramalho, garantiram o merecido sucesso da produção.
*Infelizmente esta minissérie não foi disponibilizada em dvd. Torcemos para que um dia isso aconteça e as novas gerações tenham a possibilidade de ver e rever LAMPIÃO E MARIA BONITA e conhecer um pouco deste personagem e o momento político e social que viveu e morreu.
*- ### -
Bem amigos, espero que tenham gostado do ALMANAQUE desta semana. Na próxima semana estaremos de volta com mais novidades e nostalgia especialmente para você caro leitor. Um forte abraço e até semana que vem.
*-
*Humberto Oliveira é bacharel em jornalismo e, ainda menino, foi assistente de direção de Silvino Santos nos rincões da Amazônia, onde se tornou um voraz apreciador de Pacú assado, iguaria típica da região.