CRÍTICA – “Plano de vôo” é tão maniqueísta que detona o bom senso e dá vontade de xingar a mãe do diretor - Por Marcos Souza
*Por: Marcos Souza
*Não costumo escrever críticas constantes de filmes e quando o faço sigo o princípio de que o texto tem que informar sobre o filme em questão contando por alto a sua trama, sem revelar muita coisa, para não estragar o prazer do espectador, o que vale mesmo são as informações adicionais que gosto de acrescer, como dados curiosos sobre atores, diretores ou bastidores. Muito bem, feito esse pequeno esclarecimento eu digo que você caro leitor, que gosta de curtir um cinema no fim de semana, não vá assistir “Plano de Vôo” (Flightplan/EUA/2005), que está em cartaz no Cine Rio (21h00, ingresso R$ 10,00), dirigido por Robert Schwentke, com Jodie Foster, pois acabará lhe causando um efeito negativo tremendo, que é o de ter sido enganado.
*Na atual entresafra de filmes lançados no ano passado no resto do Brasil e que só agora chegam aos cinemas de Porto Velho esse é dos piores.
*O filme é uma das maiores besteiras dos últimos anos, com um dos roteiros mais mal elaborado e cheio de furos em muito tempo, e eu escrevo isso porque o filme, com certeza foi caro, só o cachê de Jodie bateu na casa dos oito milhões de dólares. Erroneamente chamado por alguns guias de diversão e cultura de “Duro de Matar de saias”, se referindo ao clássico de ação de 1987, do diretor John Mactiernan e estrelado por Bruce Willis, e que gerou duas continuações de igual sucesso.
*Mesmo assim se você quer assistir, nem que seja pela curiosidade atiçada, ou porque é fã da atriz, ou porque ainda gosta de filmes de suspense e que falem de desastres em avião, não leia o que vou escrever abaixo, pois contarei partes essenciais da trama para explicar porque esse ‘embuste’ me irritou e me provocou a sensação de que desperdicei um ingresso com uma tremenda bobagem.
*A premissa inicial é algo inusitado, o filme começa com uma breve troca de imagens situando o espectador em dois tempos distintos, o passado e o presente. No que vou chamar de tempo 1 para o presente, Jodie Foster, que vive a personagem da engenheira de aviação Kyle Pratt, tem que seguir um padrão burocrático de reconhecimento de um cadáver que está num caixão, preste a ser embarcado num vôo de Berlim à Nova Iorque. No tempo 2 para o passado, Kyle caminha sobre a neve ao lado de um homem que parece ser o seu marido. Ela chega à sua casa em Berlim, naquelas cenas idílicas de casal feliz, até que eles permanecem juntos num banco embaixo de uma árvore seca, com flocos de neve caindo sobre suas cabeças. Corta para o tempo 1, e a engenheira se aproxima do caixão para ver o corpo. No tempo 2 Kyle encontra a filha de seis anos, tristes, ambas estão se arrumando para partir, ir embora. Até que no tempo 1 revela-se que o corpo dentro caixão é do marido que morreu, olha só, num acidente após cair do telhado.
*Ela vai para o aeroporto, percebe-se que a menina está muito triste, ambas são as primeiras a entrar no avião, um daqueles super-boeings de luxo. Aí vale ressaltar a caprichada direção de arte, pois reproduziram com exatidão o interior do avião, que por uma dessas coincidências cinematográficas ela, a personagem de Jodie Foster, ajudou a projetar.
*Num determinado momento mãe e filha resolvem descansar nas poltronas vagas que se encontram na última fila, até que a menina some misteriosamente. A engenheira pira na procura da filha, e, pra piorar no registro de passageiros que embarcaram naquele vôo não consta do nome da menina, e os tripulantes do avião, incluindo o capitão, acreditam que ela está inventando tudo por causa do trauma de perder o marido, e a única pessoa que parece acreditar nela é o segurança do vôo, Gene Carson (Peter Sarsgaard).
*Bom, quem leu até aqui deve pensar que é um grande filme, com enredo engenhoso. Esqueça. Até chegar essa parte o filme é lento, gradual, num suspense que parece não decolar (desculpe o trocadilho infame). Bom, pensei com os meus botões: “Pra essa lentidão e excesso de clima a resolução tem que ser, no mínimo, inesperada”.
*Aí vem uma das seqüências mais constrangedoras já vistas nos últimos tempos nas telas de cinema, Kyle se depara com um árabe sentado numa das poltronas e invoca que ele foi o responsável pelo sumiço da sua filha, o argumento dela é que o viu olhando pela janela da casa dela – uma explicação sem nexo nenhuma e que depois se perde no decorrer do filme -. Pra piorar a situação, um americano muito patriota fica xingando e incitando os passageiros contra o árabe só porque ele é acusado pela engenheira. Espetacularmente os roteiristas resolveram fazer uma espécie de crítica, mas aqui muito mal engendrada, sobre a paranóia norte-americana em perseguição ao povo árabe “pós 11 de setembro”.
*Uma das melhores cenas do filme é quando ela depois é retida pelo segurança do avião e, no meio do surto, ser abatida com um soco dado pelo, olha só a ironia (sem nexo), árabe, com a conivência dos passageiros que não agüentam mais os gritos daquela mulher. Mas não esqueçam que a filha de seis anos dela sumiu, e a personagem fica dizendo isso o tempo todo, até mesmo para justificar a sua ação desesperada e imprudente dentro do avião e lembrar o espectador, que realmente passa acreditar depois de um tempo que a menina não existe mesmo.
*O filme segue então uma sucessão de absurdos que até hoje os piores filmes de “disaster-movie” convencionais, passados dentro de um avião, não se arriscaram a fazer. Por ser engenheira de aviação, ela quase provoca um desastre ao mexer num complexo sistema de controle e simular uma turbulência em pleno vôo.
*Pra piorar, ATENÇÃO!, se você leu até aqui e já descobriu parte da trama, agora eu vou arrematar contando a resolução ridícula. Portanto se você ainda quer ir ao cinema assistir esse filme, aconselho a não prosseguir a leitura. Pare agora. Se não, vá por conta e risco. *Vamos lá. Pra piorar, a resolução é totalmente sem nexo e tão absurda que a vontade que dá é de ir até bilheteria e pedir o ingresso de volta. O segurança que se mostrava confiável para a personagem de Jodie Foster se revela o verdadeiro bandido. Agora olha só, ele seqüestrou a menina num avião que tem 400 passageiros, com a ajuda de uma das comissárias, que é sua cúmplice; prendeu a menina, que fica o tempo todo encolhida, numa parte do setor de carga do avião e instalou uma bomba que foi colocada no forro do caixão onde está o falecido marido da engenheira. Essa armação foi feita para que o tal moço manipulasse Kyle, sem ela perceber, para chantagear a empresa aérea simulando um ataque terrorista e exigindo a soma de 50 milhões de dólares a ser depositado numa conta estrangeira. E ela, pasme caro leitor, é a terrorista sem saber que é, pois a sua histeria frente ao sumiço da filha e as suas atitudes radicais para encontrar a menina a caracterizaram como tal. O capitão do avião, Rich (Sean Bean, o Boromir do filme “O Senhor dos Anéis – A Sociedade do Anel”) é manipulado de uma tal forma que se torna... como dizer... ah, é muito improvável o ser humano chegar nesse grau de “pouca inteligência” (burrice mesmo). Pois é, o capitão se torna inoperante.
*O segurança faz crer ao capitão e à tripulação que a engenheira tem o controle remoto com ela e que pode a qualquer momento detonar a bomba e está exigindo que o avião desça num aeroporto menor, que todos os passageiros saiam do avião (quatrocento, não esqueça) e que um outro avião esteja preparado nesse aeroporto para ela fugir. E, sim, que ela não quer falar com ninguém, e que ele, o segurança/bandido/terrorista é que servirá como intermediador.
*Bom, pra terminar, o avião é esvaziado, e ficam somente Kyle, o bandido e a comissária que é cúmplice – não me pergunte por que todo mundo foi obrigado a descer do avião mas essa determinada comissária não, pois nem isso o filme explica -. Ela descobre então que foi usada pelo moço, que a sua filha está viva e escondida. O que acontece? Bom, o bandido é dos mais frouxos, seu plano não dá certo, Kyle então encontra a filha, a salva e detona a bomba, que, não se sabe como, ela já sabia que era de pequena intensidade, por isso mesmo ela só explode parcialmente o setor de carga, escapando mãe e filha do incidente
*No maniqueísmo exagerado Jodie vem com a filha nos braços e os passageiros percebem então que aquela mulher histérica realmente estava contando a verdade, a menina existe. A câmera passeia em close pelos rostos dos passageiros perplexos, com sentimento de culpa. Culmina enfim com o árabe (aquele que foi acusado por ela de estar envolvido no desaparecimento da menina) ajudando a engenheira a colocar a bagagem no carro, num ato de simplicidade servil, o que ela agradece com um sorriso constrangido. Então todos olham aquela mulher entrar no carro com a filha e partir, numa cena “emocionante”, dão-se as mãos e começam a cantar “We are the world”, enquanto uma branda chuva de neve cai...
*Não! Brincadeira, mas é o que parece, pois só faltava essa.
*Sim, o acidente que provocou a morte do marido da engenheira, cair do telhado de casa, na verdade foi um assassinato, o tal segurança o jogou de cima da casa quando ele subiu para verificar um defeito, e isso só para aproveitar o fato de que o caixão seria transportado pelo avião e ele poder colocar as bombas no forro do mesmo.
*Agora, só para finalizar, o que passa na cabeça de um cidadão subir no telhado de uma casa, à noite, numa tempestade de neve? Me explique isso... Que filme ruim da moléstia!
*¹Marcos Souza, além de jornalista é cinéfilo.