DUPLA NACIONALIDADE: Decisão que extraditou mulher pode afetar brasileiros

Comprovando a complexidade e particularidade desse tipo de situação, Muzzi aponta que o caso de Cláudia foi analisado pela Justiça brasileira ao longo de mais de dez anos

DUPLA NACIONALIDADE: Decisão que extraditou mulher pode afetar brasileiros

Foto: Divulgação

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A decisão sobre a perda da nacionalidade de Cláudia Cristina Sobral, nascida no Rio de Janeiro, pode afetar brasileiros que optaram por solicitar naturalização em outro país. Ao discutir o caso que levou à extradição de Cláudia, o Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu que, ao solicitar a naturalização norte-americana já tendo o green card (licença permanente que permite a estrangeiros viver e trabalhar nos Estados Unidos), “ela, por livre e espontânea vontade, adquiriu a nacionalidade americana, o que importa na automática renúncia à nacionalidade brasileira, que deve ser decretada, de ofício, pelo Ministro da Justiça”, conforme afirmou o relator do caso, ministro Roberto Barroso.

 

Esse entendimento saiu vitorioso por 3 votos a 2 na 1ª Turma do STF. A decisão foi baseada na Constituição Federal, que estabelece que “será declarada a perda da nacionalidade do brasileiro que adquirir outra nacionalidade, salvo nos casos de reconhecimento de nacionalidade originária pela lei estrangeira; ou de imposição de naturalização, pela norma estrangeira, ao brasileiro residente em estado estrangeiro, como condição para permanência em seu território ou para o exercício de direitos civis”. Não era esse, contudo, o entendimento que vinha sendo adotado no Brasil.

 

No site Portal Consular do Ministério de Relações Exteriores (MRE), é informado que “a nacionalidade brasileira não exclui a possibilidade de possuir, simultaneamente, outra nacionalidade” e que “a perda de nacionalidade brasileira somente ocorrerá no caso de vontade formalmente manifestada pelo indivíduo”. Sobre a perda da nacionalidade, consta que “somente será instaurado processo de perda de nacionalidade quando o cidadão manifestar expressamente, por escrito, sua vontade de perder a nacionalidade brasileira”. Em caso contrário, não ocorrerá processo de perda de nacionalidade, de acordo com o texto.

 

Diretor adjunto do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI) do Ministério da Justiça (MJ), Tácio Muzzi reconhece que a decisão do STF pode ser estendida para outras situações, pois “a partir do momento em que houve aquisição de outra nacionalidade de forma incompatível com a nacionalidade nos temos da Constituição, pode ter o efeito de não ser mais brasileiro”. Muzzi destaca, entretanto, que se trata de uma medida bastante rara e “que deve ser analisada caso a caso, pois a perda tem que ser decretada pelo Ministério da Justiça”. De acordo com dados de 2015 do Departamento de Imigração dos EUA, 10 mil brasileiros adquirem voluntariamente a nacionalidade norte-americana, a cada ano.

 

Muzzi acrescenta que pesava contra a brasileira extraditada para os Estados Unidos a suspeita de ter assassinado o marido, o norte-americano Karl Hoerig, major da Força Aérea norte-americana e veterano das guerras do Afeganistão e do Iraque. Contra Hoerig, entretanto, pesam denúncias de violência apresentadas pela brasileira nata, que não assumiu a autoria do crime à Justiça brasileira. Nos Estados Unidos, desde o assassinato e o imediato retorno de Cláudia ao Brasil, em 2005, há campanhas em defesa da extradição dela, o que acabou ocorrendo na última quarta-feira (17).

 

Comprovando a complexidade e particularidade desse tipo de situação, Muzzi aponta que o caso de Cláudia foi analisado pela Justiça brasileira ao longo de mais de dez anos. Corroborando o entendimento do Supremo, cita que, ao conseguir a naturalização norte-americana, “ela fez um juramente bem incisivo, no sentido de abdicar de qualquer outra nacionalidade”.

 

Nos Estados Unidos, para adquirir a naturalização, o solicitante tem que fazer um juramento em que diz que “eu absolutamente e inteiramente renuncio e recuso qualquer lealdade e fidelidade a qualquer principado, potestado, Estado ou soberania estrangeiros a quem ou ao qual eu tenha anteriormente sido um cidadão ou sujeito de direito”. A aplicação dessa regra não é consensual. No Supremo, o ministro Marco Aurélio Mello argumentou que o que tem peso de lei no Brasil é a Constituição, não a lei norte-americana. “A perda da nacionalidade brasileira nata não fica submetida ao fato de uma lei estrangeira deixar de reconhecer essa mesma nacionalidade”, afirmou, segundo consta nos autos do processo.

 

Questionado sobre possível pressão exercida pelos Estados Unidos a favor da extradição da brasileira, o que só ocorreria, de acordo com a legislação nacional, se ela perdesse a nacionalidade, o representante do Ministério da Justiça disse que “são dois Estados democráticos e, no ambiente brasileiro, além de apreciação do Ministério da Justiça, houve apreciação da Suprema Corte”.

O Itamaraty foi procurado para questionar a situação, bem como obter dados oficiais sobre o número de brasileiros que possuem dupla nacionalidade, especialmente norte-americana. Até a publicação desta reportagem, as respostas não foram enviadas.

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