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LOURENÇA LOU – Belo Horizonte, MG - ENTREVISTA HISTÓRICA
28 de setembro de 2018.
Entrevista com a poeta Lourença Lou, autora de Equilibrista e Pontiaguda, livros de poesia publicados pela Editora Penalux. Lourença é formada em Letras, foi professora e diretora de escola. Teve sua trajetória desviada ao assumir a administração da empresa da família com a morte de seu marido. Mas nunca deixou de escrever, tendo ainda na gaveta vários escritos que pretende transformar em livros. Hoje, aposentada, dedica-se à Revisão de textos, à escrita e à leitura – sua grande paixão.
Selmo Vasconcellos: Lourença, como você se descobriu gostando de literatura?
Lourença Lou: Bom dia, Selmo. Primeiro quero agradecê-lo pelo convite. Sou meio bicho do mato e sempre me esquivo de eventos e entrevistas, mas por uma conjunção de motivos, entre eles por gratidão ao que você faz pela literatura, criei coragem. Tenho pra mim, Selmo, que poesia nasce com a gente. Nunca tive intenção de ser poeta. Era leitora de poesia, mas não ousava escrever. Na verdade, gostava mesmo era de crônicas e contos pequenos. Comecei a escrever crônicas, ainda adolescente, para um programa de rádio daqui de Belo Horizonte. Eu escrevia sobre o cotidiano de uma adolescente de classe média baixa, que amava rock’n roll, Chico Buarque, Clube da Esquina e era bolsista de uma escola de freiras de classe média alta. Foi aí que desenvolvi meu olhar crítico e uma ironia ferina e sutil que colocava nas crônicas onde, de forma metafórica, expressava minha revolta contra o regime instituído e a alienação das minhas colegas. Não durou muito, porque o regime não permitia questionamentos, mas foi essencial para que eu amadurecesse politicamente e continuasse a escrever, ainda que ninguém lesse.
Selmo Vasconcellos: Como começou a escrever poesia? O crítico Paulo Bentancur parece ter sido muito importante na definição do teu fazer poético. Fale sobre esta relação mestre-aprendiz.
Lourença Lou: As primeiras influências que sofri, vieram da época dos blogs, no início dos anos 2000. Éramos um grupo grande de poetas e escritores em geral. Sempre fui agregadora e meu blog passou a ser ponto de encontro de muita gente interessante, alguns hoje poetas e escritores consagrados. Mas eu apenas fazia poemas eróticos para provocar a poesia que vivia nos outros, em especial Linaldo Guedes e Wilson Guanais, e que ressoava em mim. Continuava escrevendo, agora “As crônicas da Loba”, influenciada também pelo cronista José Nunes da Silva. No facebook conheci nosso querido mestre Paulo Bentancur. Comecei a fazer uma oficina literária com ele. A intenção primeira era me transformar numa excelente cronista. De cara ele me disse: você é poeta. É lógico que ri muito. Mas ele falava sério. E desde então me fez escrever poesia. Não foi mágica. Segundo ele, a poesia já estava madura em mim, só precisava colocá-la pra fora de forma diversificada, não apenas a brincadeira erótica a que eu me permitia. Confesso que não foi nada fácil pra ele. Eu teimava em ser uma cronista e muitas vezes abandonava a oficina. Aos poucos, ele foi tirando a poesia de dentro de mim e me convencendo a aceitá-la. Paulo foi fundamental no meu amadurecimento poético. Não apenas pelas orientações que ele me deu, inúmeras e essenciais a uma poeta iniciante, mas também por ter me feito ler os livros certos, nos momentos certos. Sou e serei sempre grata a ele.
Selmo Vasconcellos: Qual (is) o(s) impacto(s) que propicia(m) atmosfera(s) capaz(es) de produzir poesia?
Lourença Lou: Pra mim não é necessário ter impacto, Selmo. A poesia cochila dentro de mim e acorda quando quer. É claro que eventos externos, que mexem com a minha emoção ou com a emoção coletiva, também são importantes, já que a poesia é também instrumento de denúncia e protesto. Mas há que não se esquecer que poesia está além dos fatos cotidianos. Ela tem a eternidade que nos falta, portanto deve estar acima deles e de nós. Mas voltando à sua pergunta, penso que poesia está em tudo e se nossa sensibilidade está aguçada, vamos fazer poesia em qualquer tempo, lugar ou atmosfera.
Selmo Vasconcellos: Além dos já citados, quais foram as pessoas/autores que te influenciaram literariamente?
Lourença Lou: Em primeiro lugar, meu pai. Ele tinha uma imensa biblioteca e, embora ele tenha sido morto durante a ditadura, quando eu e meus irmãos ainda éramos crianças, nos passou o gosto pela leitura. Quando ele não mais voltou, eu que já não tinha mãe, me refugiei nos livros. Li de tudo, inclusive os livros que na época eram proibidos para minha idade. Li muitos autores estrangeiros e li a literatura brasileira quase toda, em especial Machado de Assis, Clarice Lispector e Drummond. Sou absolutamente apaixonada pela prosa liricizada de Drummond e pela poesia em prosa de Clarice. Além destes, leio muitos e muitos poetas – de várias nacionalidades – e os bons poetas da nossa geração. Neste aspecto, as redes sociais têm sido excelentes porque nos coloca próximos uns dos outros, fazendo-nos buscar vencer nossos próprios desafios.
Selmo Vasconcellos: Você disse que pretende lançar mais livros. Já tem algo em mente?
Lourença Lou: Tenho um livro de poesia – Náufraga – saindo do forno agora em novembro pela Editora Penalux. A primeira parte dele – mergulhos (na carne) – são 45 poemas eróticos. A segunda – âncoras (do ser) – são 52 poemas metafísicos, metalinguísticos, políticos, etc. Este livro, Selmo, estará sendo vendido com um propósito bem especial. TODA a renda advinda dos primeiros 50 exemplares – e não apenas os 10% dos direitos autorais – será doada a uma instituição de recuperação de drogadictos – Viva Vida – onde meu filho está internado. É uma instituição beneficente que se dedica à recuperação daqueles que não podem pagar pelo tratamento e que sobrevive de doações, já que não recebe subsídios governamentais.
Além deste livro, pretendo lançar no próximo ano, um livro de minicontos “Coisas de Lou” ou “Crônicas da Loba”. Estou em conversação com Linaldo Guedes sobre isso. Ainda não decidimos qual virá primeiro.
Selmo Vasconcellos: Qual a mensagem você deixa aos seus leitores?
Lourença Lou: Bom, a maior parte dos meus leitores é também poeta e/ou escritor. O que quero dizer a eles é o mesmo que digo a mim: nunca deixe de ser leitor. Leia, leia, leia. E para aqueles que estão começando a fazer poesia: se possível façam uma oficina, busquem o máximo de conhecimento possível. Poesia não é apenas uma obra feita em versos. Nem tudo que chamamos poesia, o é. Poesia é ritmo, som, significados. E tudo isso só pode ser enriquecido através das figuras de linguagem que são muitas além da tão conhecida e abusada metáfora. Mas o mais importante, volto a dizer, é ler. Ler os clássicos, ler os grandes poetas e escritores de todos os tempos, ler os grandes teóricos da literatura. E continuem me lendo, claro! rs
Obrigada, Selmo. Obrigada a cada um que chegou até aqui. Muita poesia para todos vocês.
quase-epifania
a cara desta noite
é a mesma de ontem
o alaranjado raivoso
se espalha no horizonte
desenhando no tempo
a acidez das utopias
a noite será a mesma
de todos os milênios
e nós
seremos eternos sísifos
carregando a pedra
das cicatrizes.
*****
o reverso da esfinge
há mulheres que ignoram
as armadilhas do amor
como quem se recusa
distraída
à religião dos sangramentos mensais
há mulheres que soletram
tranquilas
a sonoridade do não
e deixam para trás o arregalar de olhos
que apostavam em sentimentos de culpa
estas mulheres
acostumaram-se a acariciar no peito
as facas
com que matam seus leões
sabem
embalar a si mesmas
em insubornáveis celofanes coloridos
e a cada manhã
dão-se de presente
a quem aprendeu a ser-lhes companhia.
*****
o amor nosso de cada dia
ele andava torto pela vida
passava por amores e não os reconhecia
carregava os bolsos cheios de cansaços
ela não era mulher de muito amar
tinha bolsa pesada de interesses sólidos
e dormia numa confortável cama vazia
tropeçaram um no outro debaixo de um ipê
reconheceram-se cobertos de flores amarelas
e viram-se par nas adversidades da vida
ele desentortou a coluna e fabricou um elefante
ela esvaziou a bolsa e descobriu o significado de epifania.
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