Você sabe o que significa a palavra discriminação?

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Palavra de origem latina, derivada do termo discriminationis, que segundo o dicionário online de Português, é a “Ação de discriminar, de segregar alguém, tratando essa pessoa de maneira diferente e parcial, por motivos de diferenças sexuais, raciais, religiosas; ato de tratar de forma injusta: discriminação racial. ”
 
Porto Velho, cidade construída com base na miscigenação, no caldo cultural, no trabalho dos imigrantes, na força dos diferentes, na base da empatia e na compaixão, viveu uma das suas mais tristes passagens da sua história no dia de 18 de agosto de 2021. Situação protagonizada por quem estudou, se preparou, jurou proteger, acolher, amar, ensinar e educar.
 
Os educadores da escola Santa Marcelina, cometeram um criminoso contra uma criança de 9 anos, Gustavo, estuda na escola desde os 3 anos de idade, ele é autista moderado e tem o apoio de uma cuidadora. Permitam-me o primeiro adendo a está história, a lei 12.764/2012, obriga que o Estado providencie acompanhante especializado (cuidadores e ou mediadores) para aqueles que necessitam deste apoio.
 
Art. 3 - Parágrafo único. Em casos de comprovada necessidade, a pessoa com transtorno do espectro autista incluída nas classes comuns de ensino regular, nos termos do inciso IV do art. 2º, terá direito a acompanhante especializado.
 
A escola tinha o dever de estar preparada para a situação, mesmo ante a inércia ou incompetência da Secretaria de educação. Além disso, a escola havia autorizado o retorno do menino.
 
A criança em questão necessita de um mediador e não de um cuidador, isso quer dizer que ele poderia tranquilamente ter ficado na escola, pois havia sido aceito pela professora e responde e executa os comandos normais de uma criança para a sua idade.
 
Um cuidador é aquele que atua como uma “sombra”, ou seja, ajuda o autista em suas necessidades básicas além de pedagógicas, a depender do grau e necessidade de cada um.
 
Já o mediador, atua onde o autista não consegue interagir, como, por exemplo, na socialização onde a maioria têm déficits, ou seja, o mediador media uma brincadeira para que o autista consiga interagir e participar ou intervém na sala de aula onde ele não responde, desde que a maioria das crianças tenha conseguido.
 
Dito isso, Gustavo se preparou para o retorno ao ano letivo, com uniforme novo, máscara e porta máscara, material escolar impecável, toda uma dessensibilização da família o preparando por dias para a mudança de rotina – autistas têm problemas com mudanças de rotina e por isso são preparados para tal - e ao chegar na escola foi BARRADO, proibido de entrar, tratado como um marginal, como uma coisa, como um ser de segunda classe, já o esperavam à porta; a escola ao invés de acolher um aluno seu, que estuda ali desde os 3 anos de idade, foi a primeira a discriminar, a ser preconceituosa, a julgar, a criar estereótipo, a invalidar, a macular e demonstrar que ele além de não ser bem vindo era um peso, protagonizou um caso horrendo de bullying.
 
O menino sem entender o que acontecia, viu os coleguinhas indo para a sala de aula e foi atrás, então foi retirado de sala, ficando largado no pátio, no sol, sofrendo mais uma violência por parte daqueles que deveriam impedir justamente que isso ocorresse, discriminação, segregação e bullying.
 
Como explicar para uma criança que ela não pode permanecer na escola por ser “diferente”, “menor”, como uma instituição que se diz filantrópica, voltada a humanização e educação cristã de crianças e jovens se porta desta maneira? Mas será que a culpa é só da escola que demonstrou uma total falta de compaixão, empatia, conhecimento mínimo de como deve agir um educador ou há outros atores que também falharam?
 
Onde está o Ministério Público, a Secretária de Educação, onde estão todas as faculdades do Estado na formação de seus quadros, onde simplesmente ignoram em seus currículos os portadores de necessidades especiais, as pessoas com deficiência, os autistas e toda a gama de crianças que precisam de intervenção, onde estão os psicólogos escolares e clínicos (que atuam ou deveriam atuar nas escolas – isso não é gasto, é investimento, e no futuro serão menos intervenções, menos criminalidade, menos evasão escolar, menos internações, menos drogadição, menos medicalização), que deveriam estar intervindo nessas situações, onde está o Prefeito e o Governador, um, ex - membro do Ministério Público, órgão que existe para proteger o cidadão contra as injustiças em última medida e o outros, ex - membro da Polícia Militar, instituição responsável por guardar as nossas vidas em grande medida.
 
Falando nisso, deprimente o posicionamento do prefeito de Porto Velho, totalmente desconexo da realidade da sua própria administração, para falar o mínimo, no quesito assistência aos autistas.
 
O que o município proporciona? Que tipos de atendimentos, intervenções, ações de conscientização, treinamentos, pessoal especializado é oferecido a população? Mesmo em um momento como este, o único objetivo é fazer política, ações de verdade ou investir em uma rede real, não passa de falácia.
 
Será que todas essas pessoas que compõe a rede política, acadêmica e administrativa do nosso Estado têm a mínima noção do que fizeram, do trauma psicológico que causaram a essa mãe, a essa família, a essa criança, a toda a comunidade de autistas do nosso estado, que mensagem passaram aos seus alunos e à comunidade em geral?
 
Estima-se que no Brasil se tenha mais de 2 milhões de autistas, em grande parte não diagnosticados, podem ser aquelas crianças com mais dificuldades de socialização, que se retraem mais, que não se adaptam, que tem um hiperfoco mais agudo, estereotipias mais acentuadas ou ainda problemas cognitivos, motores, sensoriais ou tudo isso junto, ou simplesmente são aqueles leves ou não diagnosticados, os tidos como “esquisitos”, os “tímidos, os “caladões”, aqueles com “manias”, que não gostam de barulho, aqueles que nunca entenderam porque são assim, lembrando que os índices de suicídio entre autistas são alarmantes, justamente por serem incompreendidos e não saberem quem realmente são.
 
Aqui é necessário um novo parêntese: em nenhum momento estou afirmando que as pessoas tímidas, mais retraídas ou mais reservadas sejam autistas, que tais comportamentos sejam requisitos para o diagnóstico. O autismo não tem cura, mas não é uma doença, mas sim, uma condição do neuro desenvolvimento.
 
No imaginário social, o autista é aquela criança genial, com altas habilidades que faz cálculos matemáticos dificílimos ou talvez, aquela criança que fica num canto girando no próprio eixo e batendo a cabeça na parede, normalmente retratadas nos filmes de uma destas duas maneiras, mas a verdade não é uma nem outra.
 
Autistas têm uma enorme capacidade e possibilidade de evolução se receberem tratamento intensivo e adequado, principalmente nos primeiros anos de vida e a socialização, a convivência e a exposição a outras crianças típicas é fundamental, ocorre que o país, estado e município não detêm uma rede mínima de apoio, acolhimento, conhecimento técnico e tratamento, vide o que aconteceu, os próprios “educadores”, não tiveram o mínimo cuidado, diria até, o mínimo bom senso e conhecimento para lidar com a situação.
 
É obrigação da Universidade Federal de Rondônia e das Faculdades Particulares iniciar uma discussão séria sobre o assunto, juntamente com o poder Público e as organizações da sociedade civil; temos cursos de fonoaudiologia, terapia ocupacional, medicina, fisioterapia, educação física, psicologia, educação e letras, todos umbilicalmente ligados às questões que envolvem o autismo e as demais deficiências, mas este tema nunca é tratado com seriedade ou faz parte dos currículos verdadeiramente.
 
Nenhuma das profissões acima citadas, em nenhuma universidade do estado, proporciona um conhecimento mínimo para que esses profissionais atuem nessas áreas. Pode parecer banal ou menor o que estou dizendo aqui, mas imagine o seu filho sendo proibido de entrar na escola por ser negro, ou por ser gordo, ou por ser anão, ou por ser narigudo, por ser fora do padrão, ou por ser gay, ou por ser lésbica, ou por ser tido como burro, o que você diria? O que você faria? Me responda agora: o que qualquer dessas condições interferirá na constituição do caráter, da personalidade, na formação de quem ele ou ela serão no futuro, ou mesmo, onde ele poderá chegar? Ninguém nasce racista ou preconceituoso.
 
O homem mais rico do mundo, Ellon Musk, é autista, a internet não existiria se não fosse o pensamento “autístico”, Albert Einstein foi considerado retardado mental na escola, era autista, o ator Anthony Hopkins, Mozart (compositor), Darwin, Woody Allen, Bill Gates, todos com características, o que seria deles e do mundo se os seus professores os tivessem barrado na porta da escola.
 
Sim, é preciso discutir isso, milhares de crianças estão sem assistência básica nas redes municipal e estadual, milhares de pessoas não diagnosticadas sofrem bullying diariamente nas escolas, que levam centenas, senão milhares a desenvolver depressão, estresse pós-traumático, ideação suicida ou por fim, tirarem a própria vida.
 
Sei que é mais fácil achar desculpas e jogar a culpa no outro, mas, escola, prefeitura, governo do estado, universidades, políticos, ministério público, comecem por um pedido de desculpas à Mabel, mãe do Gustavo, à família e a toda a comunidade autista e de pessoas com deficiência e não gastem energia em jogar a culpa no outro ou buscar alguma desculpa esfarrapada, será muito melhor, mais produtivo se virem a público com um plano de intervenção, se chamarem os pais para ver suas necessidades, chamar os profissionais para se colocar em ação medidas reais e factíveis em prol dessa comunidade.
 
Para se entender o que passa diariamente nas famílias de autistas e como nos escondemos para essa realidade: uma pesquisa realizada nos Estados Unidos, com pais de crianças autistas e com soldados em zona de combate no Afeganistão, demonstrou que os níveis de estresse, ansiedade, estresse pós traumático, de pais de autistas é exatamente o mesmo daquele que está combatendo, sob fogo cerrado, que mata para sobreviver, ou seja, pais que estão no limite, 100% do tempo em alerta, sem nunca descansar, a um passo de uma crise de ansiedade ou de mergulhar em uma depressão sem volta.
 
A sociedade deve desculpas aos autistas e suas famílias, nós criamos essas monstruosidades, vocês são gigantes, lutam, não se calam, não se dão por vencidos, pois tem noção de que o hoje construirá o amanhã.
 
E VOCÊ, antes de qualquer atitude na sua escola, na sua comunidade, na sua rua, pense em como seria se fosse com você, empatia e compaixão; com apenas estas duas palavras, essa tragédia não teria ocorrido. 
 
Rodrigo de Souza
Psicólogo Clínico – Mestre em Psicologia da Saúde e Processos Psicossociais
Mestrando em Criminologia
@psicologiaempipulas
Pai do Pedro Henrique, autista de 4 anos e meio de idade, que mostra a ele diariamente que ele é
parte deste mundo sendo exatamente como ele é.
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