Três apenadas falam sobre seus crimes e sonhos

Três apenadas falam sobre seus crimes e sonhos

Foto: Divulgação

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Diz o ditado popular que cada um de nós é responsável pelas próprias escolhas. Elas escolheram o caminho do crime, assim como tantas outras, levadas pela ilusão do dinheiro fácil. São poucas as mulheres que após a primeira prisão se conscientizam e resolvem levar uma vida dentro da lei.

O presídio feminino em Porto Velho conta hoje com 132 apenadas, a maioria condenada por tráfico de drogas, furtos ou estelionato, sendo que 86,6% é reincidente no artigo 33, ou seja, tráfico de drogas. Algumas passaram a maior parte da vida entrando e saindo da cadeia. Familiares de muitas delas perderam a esperança e sequer vão visita-las.

A ressocialização é algo difícil e requer iniciativas por parte do governo federal, estadual, instituições públicas e privadas. A oportunidade hoje é dada, mas a mudança mesmo virá através da iniciativa e decisão de cada uma de levar uma vida diferente.

Através do projeto Pintando a Liberdade, do Ministério dos Esportes em parceria com o governo estadual, algumas detentas trabalham, devidamente remuneradas, na fabricação de bolas e redes de esporte. Todo este material produzido é enviado ao Ministério que, por sua vez, doa às famílias carentes.

Outros projetos dão a elas a oportunidade de aprenderem uma profissão.  O Projeto 2R´s - Reabilitando pela Reciclagem- mantêm 17 apenadas ocupadas, sendo 12 remuneradas e 5 aprendizes na fabricação de pastas, estojos e mochilas, que posteriormente são doados para famílias carentes. O projeto é uma iniciativa do Ministério Público de Rondônia em parceria com a faculdade São Lucas.

O SENAI também está qualificando 25 detentas, sem remuneração, com cursos de bombeiro hidráulico.

Do total de 132 detentas, 89 estão estudando, algumas já terminaram o ensino médio e há inclusive, aquelas que passaram no Enem e sonham agora com um curso universitário.

A iniciativa é louvável e está, de fato, oferecendo a elas oportunidades que não tinham. Mas ainda não é o suficiente. O chamado Patronato é também uma necessidade. Patronato é um serviço social que pode ser ligado ou não a um setor do governo que acompanha, neste caso, a ex apenada após o término do semiaberto, oferecendo a ela cursos profissionalizantes para que tenha oportunidade de inserção no mercado de trabalho. É justo dizer que a SEJUS oferece a elas oportunidades de trabalho através de convênios e parcerias firmadas com outras secretarias e empresas privadas durante o período em que elas cumprem o semiaberto. Aquelas que se dedicam podem ter a oportunidade de serem contratadas com carteira assinada pelas empresas parceiras.

A primeira dificuldade, algumas já ultrapassaram. E para aquelas que resolveram, de fato, mudar de vida, talvez o maior desafio seja mostrar para os familiares e para elas mesmas estas mudanças. As famílias, apesar do amor, perderam a confiança.

A Coluna Espaço da Mulher conservou com 3 apenadas para saber sobre suas vidas no crime e o que pretendem a partir de agora.

 

 

 

 

 

Edimilsa L.S. tem 43 anos, reincidente. Já foi presa 8 vezes e agora está há 3 cumprindo pena por tráfico de drogas. Usou entorpecentes


durante a maior parte de sua vida e enquanto fala, mantêm nos gestos, aqueles típicos movimentos de dependentes químicos. No mês de setembro vai deixar a cadeia.

 

 

“...sempre prometia para eles que eu iria mudar, mas não cumpria. Agora eu não prometo mais, eu vou mostrar”. Edimilsa L.S.

  

Você tem filhos?

Tenho. Mas eu vou chorar se falar sobre isso. Porque ela nunca morou comigo. Eu tinha 13 anos quando fiquei com um cara apenas uma vez e engravidei. E ele sumiu. Minha mãe não quis minha filha e deu ela para outra família. Tem gente que diz que ela sabe quem eu sou, que já me viu por aí, mas eu não sei quem ela é.

 

Você sempre foi usuária de drogas?

Sim. Com 14 anos comecei a usar drogas. Tinha aquele programa do Dalton di Franco na tv e eu via aquele monte de drogas e eu pensei: vou usar isso. Comecei a roubar meus pais. Fugia de casa, não ia para casa e vivia vagando pelas ruas vegetando. Porque usuário não vive, vegeta! As vezes minha família me buscava na rua. Dos 15 aos 20 eu já era bem dependente da mela. Depois comecei a me prostituir. A partir dos 20 anos eu só ia para casa quando estava doente, como uma vez que eu estava à beira da morte com tuberculose. E este meu marido hoje me levou para casa.

 

Você tem marido?

Tenho. Este homem com quem estou hoje foi o primeiro vagabundo com quem realmente me relacionei. Eu o conheci quando tinha 16 anos. Moramos juntos. Ele já me abandonou aqui na cadeia uma vez.

 

Você se prostituiu durante muito tempo?

Não. Na maioria das vezes eu nem me prostituía. Na verdade, eu só saía com camaradas considerados normais, passava um “aluguel” neles e ele achava que ia acontecer alguma coisa. Eu saía apenas com usuários de drogas, noiado mesmo. Íamos para o motel, vendia a droga para ele, esperava ele chapar, roubava ele e vazava.

 

Quando você foi presa pela primeira vez como menor e depois como adulta?

Desde jovem e sempre o meu pai me pegava na Demec. A polícia sempre me encontrava naqueles “brega” do Trevo do Roque.  A adolescência foi toda assim. Saindo e entrando da cadeia. Já com 19 anos foi por formação de quadrilha. Naquela época tinha muitos roubos de casas. Um parceiro meu e eu entrávamos e roubávamos televisão e coisas assim e comprávamos droga.

 

E você não se importava? Não tinha medo?

Não. Só tinha medo de apanhar se fosse pega em flagrante. E isso aconteceu. Os donos da casa chegaram e nos pegaram, nos espancaram e nos amarraram em uma das torres que tinha no JK e nos levaram para o 6º DP. Mas nem fiquei presa. Depois, em outra ocasião eu fiquei presa 8 meses. Mas parei de roubar casa porque era muito perigoso e arriscado, decidi então continuar apenas com a venda de droga.

 

E como foi este período?

A droga eu vendia e fumava o lucro. Então nunca tinha dinheiro. Me prostituía nos “brega” e na rua mesmo. Isso por volta de 94, eu cobrava R$5,00. Mas a intenção era roubar eles. Alguns achavam que iriam me “comer” mas a maioria das vezes não rolava. Então me batiam. Teve um que queria de todo jeito. Era um destes peões de fazenda e não aceitou o não e começou a me agredir. Como eu sempre andava com uma faca, então furei ele. Eu corri e disse que ele queria me estuprar. Levaram ele para o hospital e eu fui embora. Não deu em nada.

 

Como você roubava os caras?

Eu deixava meu marido em casa, e ia para os “brega”. Até nos “brega” eu roubava. Durante uma dança e outra eu pegava a carteira, tirava o dinheiro e colocava no bolso deles novamente, mas vazia. Dá tempo para tudo isso. Até sentado conversando dá tempo. O cara se agradava de mim, eu enfeitiçava os caras. Eu era ajeitada, uma morena bonita e perigosinha. Era poderosa e abusada. Mas tinha um coração bom.  Se acabou seu dinheiro e está na fissura da droga, se eu tiver, eu te dou. Mas alguns eu prefiro roubar, porque não prestam

 

Vai continuar vendendo droga?

Sempre fiz isso, mas chega uma hora que tem que parar, né? Eu estou há três anos na cadeia e todo este tempo sem usar droga. Pode acreditar. E depois de três anos sem usar, não vai ser muita cara de pau da minha parte voltar a usar? Meu marido, o Jordan, está há 8 anos sem usar nada.

 

O que você pretende fazer quando sair?

Aqui dentro eu sou instrutora. Fazemos redes de futsal e vôlei. Fiz curso de pintura de moveis, terminei o ensino fundamental e estou no primeiro ano do ensino médio. Isto tudo para mim é lucro e eu só terei a ganhar se eu continuar assim. Se eu voltar só terei a perder. Então eu tenho que continuar assim. Eu quero continuar fazendo cursos profissionalizantes, como um curso administrativo, por exemplo.

 

Qual a sua maior motivação para continuar?

Das outras vezes a minha família me dava o desprezo. Mas agora não. Eu tenho uma irmã que é muito querida. Eu a amo demais. Ela veio aqui, passou humilhação com a forma como revistaram ela e a minha mãe. Hoje não fazem isso. Mas eu vi isso acontecer e eu prefiro que me torturem do que ver minha família assim. E não é bom você ver sua família sendo humilhada e maltratada por um erro seu. É bom? Não é. Isso doeu demais em mim. Quem tinha que ter sido humilhada sou eu. Minha mãe nunca mais veio me ver por causa disso.

 

Todas estas coisas têm feito você pensar nas suas atitudes?

Sim, com certeza, porque eu sempre prometia para eles que eu iria mudar, mas não cumpria. Agora eu disse para minha irmã que não vou prometer nada mas vou fazer tudo, tudo o que eu puder para não voltar para a vida que eu tinha. Eu já me profissionalizei em pintura e com meus estudos eu tenho só a ganhar se eu colocar a minha cabeça no lugar. Se eu fizer diferente, se eu voltar a usar droga, por exemplo, o que vai acontecer? Eu vou voltar para cadeia e ver a minha família humilhada novamente. Eu tenho consciência que a culpa é toda minha.

 

E seu marido?

Meu marido é um guerreiro também. Não usa mais drogas e vem de 15 em 15 dias me visitar. Ele está me esperando.

 

O que você gostaria de dizer para a sua mãe e irmã?

Que Deus as abençoe. Do fundo do meu coração. Que Deus as proteja todos os dias da vida delas e que Deus dê a cura para a minha mãe, em nome de Jesus. E para o Jordan, quero dizer que nós vamos viver um amor eterno.

 

Toda a sua vida você vendeu e usou drogas. O que você diria para quem está fazendo a mesma coisa?

Que pare, porque não vale a pena. A droga nunca me deu nada. Quem vende ou usa não tem nada. Ela pode até dar, mas ela mesma vai tirar. Algumas vezes eu dei pausa em tudo isso e trabalhei como feirante com minha família. Se eu tenho uma casinha simples, foi com dinheiro do trabalho que eu consegui. A droga não me deu nada. E para quem vende, pode acreditar, a casa vai cair. Em algum momento vai cair. Ou vai morrer ou vai para a cadeia. Não tem meio termo.

 

 

Patrícia S. C tem 33 anos, está presa há 3 anos e 6 meses e cumpre pena por homicídio e assalto. Patrícia foi condenada a 12 anos pelo


homicídio, dos quais cumpriu 3 anos e 6 meses e o restante vai cumprir no semiaberto. Como trabalha na prisão a pena pelo assalto foi reduzida e aguarda o momento de deixar a prisão.

 

“ Eu pretendo pedir perdão à família da mulher que matei quando eu sair daqui” Patrícia S. C.

 

E como você foi parar na cadeia?

Foi uma fatalidade. Me meti em uma briga. Eu estava com minha mulher em um bar de um conhecido e fazíamos um churrasco. Acho que por não aceitar duas mulheres juntas, uma outra mulher começou a me provocar e jogou bebida na minha cara. Eu deixei passar, minha mulher me acalmou. Mas ela veio novamente e na segunda vez, veio me bater e me ameaçou com uma faca. Eu poderia ter tomado a faca e deixado para lá, porque nunca tinha me metido em confusão, mas eu desferi vários golpes nela na frente de todo mundo. 9 no total. Eu fiquei ali esperando a polícia chegar. Porque a ficha caiu na mesma hora. A polícia chegou, eu confessei e mostrei a faca.

 

Você ficou presa três meses e depois foi solta por ter endereço e não ter antecedentes. Como foi o período em que você esperou o processo em liberdade?

Eu tenho três casas e durante o tempo que fiquei presa, o meu pai alugou as minhas casas sem eu saber de nada e eu fiquei sem ter onde morar.  Eu tinha um pouco de dinheiro no banco que juntei para comprar um carro. E foi o dinheiro que usei durante os meses que fiquei na cadeia e para pagar o advogado. Quando saí, meu pai, que ainda era vivo, não queria que eu voltasse, alegando que seria perigoso uma retaliação por parte dos parentes da mulher que eu matei e com ele não dava para morar porque ele era caseiro em um sítio. Com a mãe da minha mulher também não, porque eu não queria ficar dependendo dela, mesmo que fosse por pouco tempo, porque tinha certeza que seria condenada. Então eu fiquei 4 dias morando na estrada de ferro acompanhada da minha mulher. Ano passado uma das casas caiu por causa da enchente e as outras duas, uma de madeira e outra de alvenaria estão lá.

 

Qual foi a reação da sua família diante de tudo o que houve?

A minha mãe estava de férias em Brasília. Como na minha família tem muitos policiais, eles foram me buscar lá em Mutum. Tudo aconteceu em Jaci-Paraná e eu fui recambiada para Mutum e perguntaram o que houve e eu contei tudo. Meus filhos estão com minha mãe e me visitam. Eles não recebem auxílio reclusão. Eu trabalhei com carteira assinada e quando me informaram que eu tinha direito ao auxilio, já havia passado o prazo dado de 6 meses para entrar com o pedido.

 

Quando surgiu a ideia do assalto?

Conheci umas pessoas na estrada de ferro que me convidaram para um assalto, me deram arma e moto e prometeram me dar uma parte do dinheiro para eu recomeçar a vida e seria escolha minha continuar com eles ou não. Era para assaltar um bar e eu teria que ficar do lado de fora observando a movimentação e se a polícia viesse. Eu sentia muito medo. Na hora acho que o alarme tocou e ouviram as sirenes da polícia, todos que estavam lá dentro tentaram fugir pulando as casas e eu fiquei porque não sabia o que fazer. Nunca havia feito aquilo e fiquei lá com a arma na mão e sem ação quando a polícia chegou. Houve tiroteio e eu lá, parada, sem ação. Apesar da polícia ter cercado o local, 3 conseguiram fugir e 3 foram presos, incluindo eu.

 

E que lição você tirou de tudo isso?

Meu avô era delegado e ele dizia que o mundo do crime tem dois caminhos: a cadeia ou o cemitério. Sem contar que ainda corre o risco de virar andarilho ou drogado. Muitos cometem crimes quando estão drogados para depois usufruir do dinheiro. Meu avô tinha razão. Dos seis que participaram do assalto, alguns estão mortos e outros estão presos.

 

Como foi chegar na cadeia?

Quando cheguei algumas apenadas me perguntaram a razão e eu disse que havia sido por homicídio e elas disseram que eu iria sair rápido porque cadeia não segura homicida. Só puxa cadeia quem vende drogas. E realmente eu saí. Mas quando voltei por causa do assalto, o juiz acelerou o júri popular e juntaram as duas penas e deu um total de 18 anos.  Tive dificuldades de adaptação porque muitas que estão aqui já entraram e saíram várias vezes. Eu não aceito bem quem vende drogas, porque destroem muitas famílias.

 

Mas o homicida não é a mesma coisa?

Eu acho que não, porque por exemplo, eu matei uma pessoa, acabei com a vida dela naquela hora. Eu não sei se ela tem parente. E todos os dias eu penso nisso e peço a Deus que conforte o coração da família e filhos dela. Sei que não é o bastante, más é o que posso fazer enquanto eu estou aqui dentro.

 

Quando você pensa na sua vida antes e agora, a que conclusão você chega? Qual o sentimento em relação a tudo?

Quando eu cheguei aqui, em 2012, dia 27 de janeiro, eu estava com 4 carrinhos de lanche na rua. Teve uma hora que eu pensei: ano passado eu estava com uma perspectiva de vida mais alta, fazendo planos para comprar meu carro, já tinha minhas casas, ganhava mais de 2.000 por semana. Meu filho tinha 2 anos e 3 meses e hoje meu filho vai fazer 6 anos e eu continuo aqui dentro.  Eu perdi tudo. Não tenho dinheiro. Não peço para minha mãe me visitar. A gente perde a auto estima.

 

Você se arrepende?

Sim. Todos os dias eu peço perdão a Deus por tudo o que eu fiz, pelos filhos dela.

 

Você faria outro assalto?

Não. Porque a gente é vista de forma diferente. Até quando saímos para fazermos um exame as pessoas olham de maneira diferente. Minha família tinha orgulho de me ver jovem trabalhando e dando emprego para 4 ou 5 pessoas. E hoje? Hoje estou aqui dentro, separada da sociedade e criando todo tipo de perspectivas para quando sair.

  

Sua mulher está aqui também. Por que?

Ela foi arrolada como testemunha de defesa no meu julgamento, mas ela não foi. E o juiz emitiu um mandado de prisão e ela tinha um homicídio em aberto e por isso, já ficou. Ela disse que matou a ex mulher dela, e estava cumprindo a pena em liberdade, mas como ela não foi testemunhar o juiz mandou prende-la, mas já vai sair. Quando eu a conheci ela era totalmente diferente do que é hoje.

  

Você trabalha aqui dentro, quais são seus planos para quando sair?

Eu sou instrutora de corte e costura aqui dentro e quando sair terei um emprego garantido no CPA e vai depender só de mim para, futuramente, ter a carteira assinada através do convênio que nos dá a oportunidade de, em um primeiro momento, sermos ajudadas e depois teremos que fazer nosso próprio caminho, escolhendo entre o bem o mal.

 

Você tinha a quinta série quando chegou na cadeia, e hoje está quase terminando o segundo grau. Você estuda e faz cursos. Quais são eles?

Estou terminando o ensino médio e no primeiro ano eu passei no ENEM, então eu tenho uma vaga de faculdade trancada na Unir. Então quando eu sair daqui quero fazer faculdade. Eu tinha vontade de ampliar o meu comercio e ser uma empreendedora. Hoje eu penso em fazer uma faculdade e dar uma estabilidade melhor para os meus filhos. O tempo que a gente passa neste lugar, é um tempo que não recupera mais, de jeito nenhum. O mundo para. Tantas coisas acontecendo lá fora e eu estou aqui. Algumas quando recebem notícias de algum conhecido que foi morto, dão graças a Deus por estarem aqui dentro, mas eu não penso assim, porque eu não vivia no mundo do crime. Eu sempre trabalhei e suei para ter o que era meu. Eu só peço que Deus me guarde quando eu sair daqui, porque não conheço a família da mulher que matei. Quando eu sair daqui, vou procura-los.

 

Para quê? (Patrícia começa a chorar enquanto responde)

Para pedir perdão, porque eu não sei se ela tinha filhos. Eu fico pensando neles e pela idade dela eu acho que ela tinha filhos pequenos. Ela tinha 43 anos e eu com 33 tenho uma filha de 14 anos e um de 6 anos. E fico pensando que com certeza ela deveria ter filhos E hoje em dia, eu estou aqui, mas meus filhos sabem que eu vou sair e vou cuidar deles. E ela? E os filhos dela? Eles sabem que ela foi enterrada e nunca mais vai voltar. Tudo aconteceu em um momento de descontrole emocional. Eu sempre fui muito extrovertida. Eu não sei o que aconteceu com ela naquele momento para vir me desafiar daquela forma. Anda pedi para minha mulher conversar com ela e dizer que eu não queria confusão e briga. Eu cheguei aqui e disse para a diretora que eu só queria cumprir a pena e trabalhar.

 

No que você trabalha aqui dentro?

Eu sou instrutora de 12 alunos do curso de corte e costura. Cada aluna ganha R$ 38,00 e eu como instrutora recebo R$ 688,00 por mês. Já deu para juntar um pouco, ajudo meus filhos e compro mantimento.

 

Quais seus planos para o futuro?

Eu saio em setembro, e pretendo iniciar a faculdade de música que está trancada. Eu sei tocar vários instrumentos.

 

 


Neoclice A. C. 50 anos. Foi presa sete vezes e cumpre pena há dois por tráfico de drogas. Faz parte do projeto Pintando a Liberdade onde


trabalha na confecção de redes e bolas.

 

“Agora eu tenho uma oportunidade real de mudar de vida. Só não vou mudar se eu não quiser.” Neoclice A. C.

  

Como você se envolveu com o crime?

Meu pai é dono de uma lava a jato e eu sempre trabalhei lá, em lojas, no lixão e uma época, quando eu tinha 26 anos passei por umas dificuldades e vi uma boca de fumo perto da minha casa, observei que eles ganhavam muito dinheiro com aquilo. Fui me aproximando, por iniciativa minha mesmo e eles me explicaram como funcionava. Uma amiga minha trabalhava no garimpo, chegou com uma lata de droga mas eu nem sabia que era cocaína e pedi para vender. Aprendi " endolar", que é amarrar fazer as parangas. E então comecei a vender. Pedi ajuda dos companheiros que vendiam droga e me ajudaram. Então vi que era um lucro fácil e não quis saber de mais nada. Continuei vendendo e uns quatro anos depois fui presa pela primeira vez.

 

Como você foi presa pela primeira vez?

Eu tinha uma namorada e estávamos discutindo a relação ao lado da minha casa e havia acabado de despachar uma droga para um rapaz. O Denarc já estava de olho em mim, mas eu nem desconfiava. Quando olhei para trás eu vi a polícia descendo, eu corri e eles pegaram o rapaz e a minha namorada. Mas não conseguiram me pegar. Fui preventivada e respondi em liberdade e fui absolvida.

 

E por que continuou?

Quando eu vi que não fui sentenciada eu voltei a vender. No mesmo dia. Eu pensei "ahh não dá em nada. Se eu for presa novamente, serei absolvida outra vez”. E uns sete meses depois fui cercada novamente. Mas não me pegaram. Pegaram a minha namorada e ela disse que a droga era minha, respondi em liberdade outra vez e quando saiu a sentença a polícia foi me buscar e eu fui presa. Peguei cinco anos e cumpri e dois anos e nove meses.  Quando saí, voltei a vender e fiquei uns três anos sem cair.

 

Por que, mesmo sabendo que poderia ser presa, você voltou a traficar?

Porque não tinha mais como trabalhar, as portas se fecham quando se é ex apenado. Hoje as coisas mudaram, mas era mais difícil.

 

Há uns 10 anos, coincidentemente, eu entrevistei você aqui e fiquei surpresa de te encontrar aqui novamente entre as pessoas selecionadas pela direção do presidio para falar comigo. Na época, eu te perguntei se quando saísse voltaria a traficar. Você se lembra o que me respondeu?

Me lembro. Eu disse que se não me dessem a oportunidade de trabalho eu voltaria e voltei.

 

E como foi sua vida neste intervalo entre a saída e a volta para a cadeia?

Depois que você me entrevistou eu já voltei para cá outras duas vezes. A última cadeia que puxei foi de quatro anos. Até então quando saíamos havia os convênios para trabalharmos no semiaberto e eu me sentia outra pessoa, recebia direito. E quando terminava o semiaberto nos demitiam e a voltávamos a não ter oportunidade de nada. Então eu voltava a vender drogas.

 

Dos 26 aos 50 anos você passou a maior parte da sua vida na cadeia. Mesmo sabendo que vai ser presa, você não tem medo?

Eu tenho. Mas depois que sai após puxar quatro anos, eu fiquei um ano e meio livre e fiquei um ano sem tocar em droga. Madrugava na porta do SINE, mas eu não tinha nenhum curso profissionalizante, então meu curriculum era zero e a ficha suja, procurava emprego nas usinas, fui na Uniron fazer o curso para entrar na Santo Antônio Energia e não me deixaram fazer, disseram que eu poderia fazer só se tivesse o bolsa família, mas eu não tenho filho. Não consegui. Mas aparentemente não foi por causa das condenações que não consegui o curso, foi por não ter a bolsa família. Foi burocracia mesmo. E então fui vender DVD. Em uma semana a fiscalização passou e apreendeu meus painéis e DVDs e eu quebrei, então resolvi vender droga novamente. Depois de cinco meses uma “fulana” me denunciou e eu fui presa.

 

Mas no fundo, no fundo, você gosta de vender droga?

Gostar eu gosto. O que eu não gosto é de ser presa. Eu começo a vender, mas as vezes é como se algo me pedisse para parar e quero parar, mas não consigo. Apesar de vender, eu nunca fui usuária.

 

Nestes intervalos entre uma sentença e outra, como ficou a sua família e seu relacionamento amoroso?

O relacionamento amoroso terminou como terminarão todos, porque ninguém aguenta esperar lá fora e se esperar, quem está preso vai pegar muito chifre. Já minha família, no início vinha me visitar e me ajudava em tudo, mas então eles viram que eu não tinha vergonha na cara e se cansaram. Eu tenho apoio deles mas puxo cadeia sozinha. Se a direção ligar e pedir algo eles trazem. Não me abandonam, mas não me visitam e não gosto que venham por causa do constrangimento para eles e não quero que venham em porta de cadeia.

 

Sétima vez cumprindo pena, você vai sair a qualquer momento depois de 2 anos e 9 meses. Como vai ser daqui para frente?

Eu sempre saio com a esperança de não vender. Sempre foi assim. Mas agora tem oportunidade, porque o convênio nos ampara, mesmo terminando o semiaberto, a gente pode continuar trabalhando. Eu trabalho como instrutora de confecção de redes de futebol e vôlei. Eu sou remunerada e quando eu sair, pelo bom comportamento, a diretoria vai me indicar para outras áreas. Como eu terminei aqui o ensino médio, eu vou entrar em uma área administrativa que já ganha um pouco mais.  Inclusive eu passei no Enem. Agora eu tenho uma oportunidade real de mudar de vida. Só não vou mudar se eu não quiser.

 

Você acha que vai conseguir? Vai resistir à tentação?

Eu vou conseguir. Resistir à tentação é difícil porque aqui dentro a gente já recebe convites lá de fora de alguns maridos de apenadas que deixaram mercadoria lá fora oferecem para nós.

 

Como é a vida na cadeia? E como é a rotina?

É difícil, mesmo para mim que já puxei tanta cadeia. Antes era melhor, tinha tudo, cantina e nem sentia. Agora é mais difícil. Eu sinto a cadeia porque agora é tudo fechado. A rotina é trabalho, estudo, banho de sol e cela. Eu divido a cela com duas apenadas.

 

Existem momentos que você sente medo?

Só quando há conversa sobre rebelião. Eu tenho medo, mas não de alguém fazer algo comigo, mas de fazer alguma coisa com alguém e me prejudicar. Sinto medo de mim mesma. Medo de precisar de defender. Na cadeia a pessoa se vê sem ninguém. Com outras pessoas que não sabe quem são. É como um outro mundo. Não existe amizade sincera. Existem colegas e entre todas acontece de ter uma única amiga.

 

Existem grupos que ameaçam outros?

Não existe dentro desta cadeia. Antes, bem antes existia uma turma da qual eu fazia parte e nos juntámos para colocar ordem, para não fazerem bagunça, não oprimirem as outras e nem fazerem rebelião. Mas hoje não existe mais. As vezes há brigas, sim, mas é raro. Antigamente não tinha processo administrativo, então não prejudicava tanto. Mas hoje sim. Antes era bem mais fácil. Hoje não.

 

Quando entrevistei você juntamente com outras cinco apenadas, todas disseram que o pior da cadeia era o abandono. Continua sendo isso a pior coisa?

Sim. A dor maior é a do abandono. As pessoas começam a visitar, mas com o tempo, param, porque se cansam. É difícil o tratamento. Sempre tem um funcionário que maltrata e se eu ver maltratando um familiar meu, eu vou discutir, bater boca e me prejudicar. Então prefiro que não venham.

 

O que você diria para as pessoas que vendem drogas e que assim como você acham que não serão presos?

Quem vende sempre acha que está fazendo tudo certinho e que ninguém vai descobrir. E mesmo que já tenha sido preso, como eu, volta e tem a certeza que " desta vez será diferente. Ninguém vai me pegar". Então para quem está vendendo eu digo: Pode se preparar porque um dia vai cair. Nada fica impune. Porque temos que pagar por todos os nossos erros. Nada fica impune.

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