Bom senso relativo - Por Andrey Cavalcante

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Foto: Divulgação

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Parece clara, na decisão liminar do ministro Celso de Mello, do STF, a advertência de que não se pode combater excessos com outros. A história pune com severidade aqueles que se atrevem a tanto. E a realidade nacional está a responder até com ironia, parecendo divertir-se ao exibir claramente a incompatibilidade prática da intempestividade do STF. A interpretação do texto constitucional de presunção de inocência ao sabor da “expectativa da sociedade” logo apresentou efeitos colaterais: não existe espaço nas prisões para novos ocupantes e, quando determinada sua prisão domiciliar, não existem tornozeleiras eletrônicas.

Embora a nova interpretação oferecida pelo Supremo à presunção de inocência, estabelecida em cláusula pétrea da Constituição, não possua efeito vinculante, a liminar de Celso de Mello recoloca a questão na pauta, de onde, aliás, nunca saiu. O problema será desfazer o que já se fez e enfrentar a gritaria generalizada, embora isso em nada possa afetar a Operação Lava Jato. Os ministros do STF deixaram de lado o bom senso na aprovação da matéria. Agora terão de enfrentar o ônus.

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Nova manifestação clara da relativização do bom senso que assola o país está noticiada em O Globo, que envolveu o escritório do advogado Técio Lins e Silva, presidente do Instituto dos Advogados do Brasil – IAB, praticamente acusando-o por ter defendido o desembargador Ivan Athié em 2004 e atuar hoje na defesa do ex-dono da Delta, Fernando Cavendish. Um dos advogados mais íntegros que conheci em quase 21 anos, Técio Lins e Silva mereceu imediata e vigorosa resposta do presidente nacional da OAB, Cláudio Lamachia. Ele enviou nota a O Globo ressaltando que “criminalizar o exercício da advocacia é também um ataque à democracia. Não há Estado Democrático de Direito sem que advogadas e advogados possam exercer sua profissão de forma independente. Não podem ser confundidos com seus clientes, sob o risco de colocar em xeque todo o sistema de direitos e garantias conquistado na Carta de 1988”. Técio Lins e Silva acaba de receber a devolução simbólica do mandato de diretor do Centro Acadêmico Cândido de Oliveira, da faculdade de Direito da UFRJ, que lhe foi cassado pela ditadura, em 1964.

Quando o ministro Celso de Mello concedeu liminar para suspender a execução de mandado de prisão expedido pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais, que determinou o início do cumprimento da pena de um réu antes do trânsito em julgado da condenação definitiva, ele com certeza sabia que sua atitude iria reinserir o tema nos debates do STF. Tanto que assinalou: “A consagração constitucional da presunção de inocência como direito fundamental de qualquer pessoa – independentemente da gravidade ou da hediondez do delito que lhe haja sido imputado – há de viabilizar, sob a perspectiva da liberdade, uma hermenêutica essencialmente emancipatória dos direitos básicos da pessoa humana, cuja prerrogativa de ser sempre considerada inocente, para todos e quaisquer efeitos, deve prevalecer até o superveniente trânsito em julgado da condenação criminal.”

Importa salientar que a crise de legitimidade que se instalou como uma nuvem que enodoa Legislativo e Executivo não pode se estender ao Judiciário. Foi o que deixaram bastante claro em nota oficial lançada no dia 30 de junho a OAB e o Colégio de Presidentes “em defesa da Democracia, do Estado Democrático de Direito e da Constituição Federal, em razão do atual momento pelo qual passa o País”. O documento reafirma o compromisso da OAB com os “princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, transparência e eficiência, que devem orientar a Administração Pública, bem como com os direitos e garantias fundamentais, especialmente dignidade, liberdade, livre manifestação, inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem, do sigilo da correspondência e das comunicações telefônicas e de dados, ampla defesa e devido processo legal”.

A nota esclarece que a Ordem apoia todas as iniciativas de combate à corrupção, mas ressalta ser indispensável o equilíbrio entre o interesse público baseado no princípio da moralidade e o respeito às garantias individuais e direitos fundamentais, conquistados democraticamente pela nação brasileira. No dramático cenário de crise política, ética e financeira em que o Brasil vive, o fortalecimento da democracia e o combate às atividades criminosas não tornarão a sociedade mais ética e justa se violadas garantias constitucionais e os direitos do cidadão. Daí o repúdio à “crescente escalada da criminalização do exercício da advocacia, sem a qual a ampla defesa não se concretiza”.

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